“Certa vez eu li que: ‘tudo aquilo que nos é visível só o é porque está iluminado. E, então, eu também me iluminei”. A frase citada por David Lee, traduz o conceito da coleção que o estilista desfila no DFB Festival, multiplaforma de moda, arte e cultura, e realizado no Aterro da Praia de Iracema. em Fortaleza (CE). Com sua ‘Aurora‘, ele faz uma ode ao milagre do despertar para a vida, aquele de todas as manhãs, com o nascer do sol. Mas, podemos refletir também que a proposta pode ser levada além, nos fazendo ressignificar a importância de não deixarmos arrefecer à observação aos pequenos milagres diários. Afinal, estamos vivos! O sol raia na coleção ‘Aurora‘ de David Lee, designer dos mais incensados do universo criativo da moda brasileira e cujas criações ganharam o mundo. “A coleção parte da luz solar, sua importância para toda e qualquer vida na Terra, inclusive para mim. Na verdade, uma constância dentro da marca e como ela conversa com minha perspectiva de enxergar a vida. Avançando nas pesquisas, colabora comigo o multiartista Narcélio Grud, que, assim como eu, pesquisa o espaço urbano, parte integrante do seu trabalho e, principalmente, em sua recente coleção chamada ‘Sphaera‘. Para o DFB, elaborei 10 looks, utilizando sarjas, tricoline, moletom, algodão e muito crochê. Acabamentos emborrachados e aplicação de miçangas”, diz David Lee sobre as criações.
“Todo dia que amanhece jamais é igual, e nessa interpretação dos ciclos a próxima temporada se expande em múltiplas linguagens do corpo-arte. Diante de um céu repleto de laranjas, amarelos e vermelhos, o astro aponta minha parceria calorosa com o artista Narcélio Grud, conhecido e reconhecido pela intervenção em suas mais diversas expressões. Em ‘Aurora‘, Grud chega para expandir a atmosfera: O fluxo natural é que as linguagens se incorporem, promovendo um hibridismo: nenhuma linguagem se sobrepõe a outra, elas se fundem”, observa.
David conta que na coleção explora ainda mais o universo feminino, e em um movimento de fora para dentro, imprime sua assinatura em curvas suaves, em uma experiência criativa na qual o corpo demarcado é visto em perspectiva ‘sexy suave’. E também projetando luz sobre o contorno, a alfaiataria sempre presente nas coleções do designer, traz uma silhueta utilitária para os looks masculinos. “Dos mistérios do horizonte, referências radiais culminam em peças de sarja, combinando emborrachado e até um salpicado divertido de miçangas. Para completar o ciclo, encadeio territórios já conhecidos com o crochê”, detalha, sobre a assinatura tradicional em sua estética, que, desde o início, valoriza o artesanato nordestino e a resistência do fazer manual autêntico brasileiro.
Natural de Fortaleza, Ceará, desde 2015 estabeleceu sua marca homônima depois de participações e premiações em concursos reveladores de novos talentos. Autodidata, o designer iniciou suas pesquisas através de temas que moldam a masculinidade contemporânea, estabelecendo uma assinatura inconfundível que se manifesta em coleções bem equilibradas entre a funcionalidade urbana e a inovação técnica e poética. Não à toa, em 2020, foi incluído na seleta lista Under 30, da revista Forbes Brasil, projetando sua label dentro e fora do país. E quanto mais longe chega, mais destaca sua maior inspiração: a cultura nordestina, o artesanato, a vulnerabilidade humana diante da natureza e do social, a arte, e recentemente, a música. “O Nordeste é uma locomotiva criativa essencial para promoção do artesanato no Brasil e no mundo, mas não nos reduzimos a ele. Se reconhecer nordestino, valorizar o que é feito aqui e, principalmente fugir dos estereótipos, tem nos levado a um mercado cada vez mais próspero e dinâmico”, pontua.
Nas criações da marca, a alfaiataria encontra o sportwear, e o tecido plano e a costura encontram o handmade que desafia a velocidade dos dias. No design das vestimentas militares, a busca do estilista é por peças utilitárias e funcionais, colocadas em um contexto urbano confortável. Em suas últimas apresentações, Lee também passou a incluir o vestuário feminino em suas criações. Sintonizado ao seu tempo, ele fala sobre inovação no cenário atual. “Acredito que está ligada a entender do seu negócio e para onde você quer ir com ele. A fim de exercitar mais ainda a criatividade e possibilitar crescimento, lançamos a linha feminina desde a ultima coleção. Pela primeira vez, eu pude partir ergonomicamente do corpo feminino para executar e criar peças. Lapidamos muito mais o nosso site, pois ele foi e ainda é nosso principal ponto de venda”, revela.
Pluralizando o vestir como forma de expressão, David cria coleções como um território para exercitar possibilidades por meio da moda, que pode acolher discussões necessárias. E ressalta que a perspectiva externa é reflexo do que nos habita. “Dessa forma, é extremamente importante para nós falarmos de autoconhecimento sem perder o otimismo. Independente das dores e delícias de continuar me dedicando ao cenário da moda brasileira, sempre fui muito otimista. Meu trabalho é um projeto de vida e a locomotiva de mudança ao meu redor. Desistir nunca foi uma opção e sei que represento muitos e me comprometo também com isso. Não à toa estou como embaixador de um projeto muito especial e que tenho muito orgulho de fazer parte: a Escola de Moda da Juventude, iniciativa da secretaria da Juventude de Fortaleza”. O projeto também é uma possibilidade de promover a chancela de Cidade Criativa de Design, concedida à Fortaleza pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Ele vê beleza! E através da roupa busca acolher a poesia, costurar narrativas mais sensíveis para habitar a pele e dar espaço para a expressão da liberdade e da criatividade. “Venho do Ceará e esse é o ponto de partida da história que conto a cada coleção. O crochê, esse fazer manual tão nosso, ganha outras possibilidades nas minhas criações. Gosto de pensar que tramo outros futuros para os materiais e, dessa forma, a trama envolve quem as veste”, pontua.
“Trabalho com as artesãs e percebo um maior mercado para o artesanato. Acredito que as novas gerações têm olhado mais para as diversas artesanias presentes em cada espaço do país. No Nordeste, eu me considero um percursor do uso da técnica do crochê e responsável por promovê-los desde muito antes”.
Novos talentos no horizonte
David Lee apresenta sua coleção e em sinergia com o desfile do estilista será lançado o Concurso Jovens Criadores Senac. Formado em Desenho de Moda pelo Senac Ceará, ele lista conquistas nacionais e internacionais: foi o único brasileiro selecionado para o International Fashion Showcase (2019), ganhou prêmios importantes, como Ceará Moda Contemporânea (2013) e o Novos Talentos GQ mais Reserva (2017), tendo diversas participações no DFB Festival: “O evento é muito especial em minha trajetória. Além de toda a contribuição de visibilidade, aprendizado e ânimo vivenciado a cada participação. Fico imensamente feliz de fazer parte e também do DFB acontecer em minha terra natal, com tamanha qualidade e profissionalismo”.
E completa: “Acredito que a moda autoral brasileira tem caminhado para um maior encontro das várias representações do país, com as nuances e características além do eixo Rio e São Paulo. Vejo uma maior representatividade cultural. E isso é de extrema importância”.
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