Renda-se! Se o forte do Brasil é a moda autoral repleta da saberes, com materiais que representem baixo impacto ambiental, o handmade de Almerinda Maria deve ser levado como exemplo. Diretamente de Fortaleza, criando peças atemporais do artesanato de alto luxo brasileiro, ela desfila modelos da nova coleção no DFB Festival, o maior encontro da moda autoral da América Latina, realizado entre os dias 25 e 28, no Aterro da Praia de Iracema, na capital cearense. Valorizando o caráter único de cada rendado, a fundadora da label desdobra a tradição secular das rendas nas mais variadas formas há 34 anos. “Eu sou conhecida internacionalmente como a mulher do mix de rendas”, nos disse certa vez Almerinda. Palmas, muitas palmas pelo trabalho que a mestra das rendas executa e reverbera para o mundo. “Nossa coleção para o DFB tem como tema ‘Os encantos de Maria Antonieta‘, conhecida por seus vestidos extravagantes, penteados altíssimos e que mudou em sua época o status quo da moda. As rendas já clássicas da nossa marca, como a renascença, renda chantilly e os bordados richelieu se unem a tecidos nobres como linho, organza, tafetá de seda e zibeline, sendo destacadas por uma cartela de cores candy nos tons lavanda, caramelo coffee, verde macarron e cereja. Além disso, passando pelos jardins da França temos o azul céu, o pétala, off-white e, por fim, o marsala simbolizando as festas da Corte, tradicionais de Maria Antonieta”, detalha Almerinda.
A criadora vai para a passarela do DFB com a proposta de traduzir em looks o questionamento: o que Maria Antonieta usaria em 2022? “Essa foi a pergunta que nos fizemos na hora de pensar o tema da coleção da temporada. Maria Antonieta foi a primeira figura real europeia a descobrir que não era necessário seguir as tradições para ganhar o respeito de seu povo. Do traje de montaria masculino aos seus excêntricos penteados, dos vestidos exuberantes ao modesto estilo pastoril, suas roupas revolucionaram o rigoroso cerimonial da corte de Luís XVI e ajudaram a desfazer a aura de sacralidade de envolvia a monarquia, acirrando os ânimos da revolução”.
Almerinda fundou a marca em 1988, fazendo seus trabalhos artesanais com a renda de bilro, depois com o bordado richelieu, e com o crochê. A estilista conta que, com o passar do tempo, sentiu a necessidade de utilizar um material que pudesse ser associado à alta-costura e optou por criar peças em renda renascença. De lá para cá, sofisticação, respeito às origens e criatividade permearam sua jornada autoral, potência exaltada no DFB. “Acompanhamos o sucesso do evento desde o começo. Sempre fomos fãs do trabalho do Claudio Silveira, então, quando recebemos o convite para participar do Dragão Fashion em 2015, foi a união perfeita – apresentar nosso handmade único e exclusivo no maior evento de moda autoral. Hoje, o DFB Festival é um dos eventos fixos em nosso calendário anual”, pontua.
“Depois de dois anos de perdas, luto e incertezas, chegou a hora de celebrar. A inovação é constante para quem trabalha com o handmade, para que o feito à mão não fique caricato ou caia na mesmice. Estamos sempre buscando transformar o nosso trabalho cada vez mais em alta-costura, adaptando e trazendo novas silhuetas, como as que vamos apresentar”, completa.
Almerinda observa ainda que o cenário da pandemia acarretou danos, mas por outro lado, refletiu positivamente no comportamento do consumidor. “Trouxe muito esse olhar de enaltecer o trabalho local, em nosso caso, o feito à mão na alta-costura. A moda é revolucionária. Assim como na Era do Pós-Guerra ou movimentos que causaram comoção em todo o mundo, a moda vai ser objeto libertador, vai trazer todo o simbolismo de reinvenção, afinal, tem figura mais marcante, clara e objetiva que uma roupa? Nossa vestimenta é o termômetro do nosso sentimento, personalidade e daquilo que a gente quer transmitir em determinado dia. A moda sempre teve seu caráter criativo e disruptivo e, agora, mais do que nunca, as pessoas usarão essa bandeira pra extravasar”.
Para além dos ‘bons ventos’ que a retomada do setor anuncia, a designer destaca que o crescimento da indústria deve acompanhar o compromisso com a sustentabilidade do negócio: “Buscamos nos tornar uma marca cada vez mais consciente. Acredito que a nossa maior tradição e legado seja a utilização de rendas feita à mão. O upcycling é presente em nosso dia a dia com o consumidor final. Como por exemplo, quando as clientes trazem um vestido nosso ou até de noiva, e reutilizamos as rendas ou transformamos o modelo, com alterações no decote, mangas, comprimento e cor. Assim trazemos uma solução inteligente e lucrativa para elas, além de alimentar nossa criatividade. Isso mostra que o que seria descartado pode se tornar um novo item usável e resultar em uma nova peça exclusiva”.
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