O último dia da maratona do DFB Festival 2018 terminou desconstruindo qualquer preconceito que pudesse existir sobre o universo da moda. Os estilistas valorizaram a beleza interior de cada um, trazendo para os holofotes pessoas comuns como camponeses, operários e costureiras. O desfile da Bikiny Society exaltou a natureza selvagem que existe dentro de cada um. Na sequência, foi a vez da segunda leva de competidores do Concurso dos Novos, que mostraram todo o seu potencial ao trazer desde o sertão até o universo das fábricas para a passarela. Johnson Cavalcante uniu religião e festividade para criar uma coleção que celebra a regionalidade. Bruno Olly quebrou todos os paradigmas ao provar que homens podem ser frágeis e femininos. Ronaldo Silvestre se inspirou em grandes mulheres que marcaram a sua vida e, entre elas, estava Heloisa Tolipan. A marca Tanden fez o público refletir sobre os seus atos ao provar que tudo o que fazemos um dia voltará. David Lee externou todos os sentimentos mais profundos do ser humano em peças que mostraram pessoas reais. Vem conferir tudo isso!
A coleção de moda-praia da Bikiny Society começou exaltando o fogo em tons fortes e vibrantes, esta potência se transformou aos poucos em terra através de estampas em formato de bambu e folhas pintados à mão de aquarela. A transição continuou até chegar à leveza do ar através de peças fluídas e claras culminando nas ondas do mar. As peças revelaram uma mulher selvagem que vive de natureza. A inspiração da estilista Paula Pinto foi em sua viagem para a ilha mais deserta do Havaí, Kauai, aonde ficou submersa em um pouco da cultura local. Crochê, bordado e tie dye foram algumas das técnicas usadas nesta confecção abstrata que visou valorizar o lado artesanal brasileiro com o universo da sofisticação mundial. Artesanal. Atualmente, a empresária possui a sua marca em lojas no Brasil, Estados Unidos e alguns países da Europa. “Não sigo tendências e nem me adapto à moda do local. Isto não é sobre negócios, mas sobre paixão. Quero fazer o que acredito, não importa aonde, e me comunicar com quem tem a mesma mentalidade que a minha, acredito em uma mulher sensual na medida. Não me vendo para o mercado que estou vendendo, porque o DNA da marca precisa ser consistente”, explicou.
Mais uma vez, o site HT foi jurado do Concurso dos Novos que contou, em seu segundo dia, com muita sofisticação e cultura. A Universidade Federal do Ceará trouxe para a passarela looks inspirados em uniformes de trabalhadores de fábrica, o que nos fez refletir sobre os reflexos do mercado financeiro sob a sociedade. Na sequência, A Universidade Federal do Piauí se inspirou na contracultura de Torquato Neto para trazer uma moda como resistência. A Estácio de Sá do Rio de Janeiro se inspirou no universo do sertão e os cangaços. Por último, a Universidade Estadual de Santa Catarina relembrou diversos esportes em sua coleção. Antes do último desfile da noite, o idealizador do DFB Festival 2018, Cláudio Silveira, anunciou os ganhadores sendo o terceiro lugar da Universidade Federal do Ceará, o segundo da Universidade Estadual de Santa Catarina e o primeiro do SENAC/SE. O diretor do evento ainda aproveitou o momento para questionar a relação entre as faculdades e os estudantes. “Quero fazer um manifesto para diretores de universidades de todo o Brasil. Vocês precisam ajudar os alunos a crescer na profissão. Quando eles chegam aqui, sempre pergunto se está tudo bem e se foram bem atendidos, porque nós nos preocupamos com a educação deles, afinal são novos empreendedores criativos que estão na luta para entrar no ramo. Temos que respeitá-los. Ver estes meninos aqui sem ajuda ou com pouca é muito triste, por isto resolvi mostrar a minha indignação”, lamentou Cláudio.
/A festa típica brasileira, o Guerreiro Alagoano, foi tema da terceira passarela do dia. Em Alagoas, a celebração comemora a chegada do menino Jesus em um auto de Natal antecipado, que ocorre em novembro, com direito a muita canção e animação. A conexão é clara nos primeiros looks do desfile que exaltam um chapéu que relembra os da festividade ao carregar uma igreja na cabeça. Para não deixar caricato demais, a sequência das peças oferecem roupas passíveis de serem usadas no dia a dia, com algumas referências as cores vibrantes do evento. De qualquer forma, o estilista Johnson Cavalcante conseguiu unir religião e moda, um mix que foi tema do Met Gala deste ano que rolou na semana passada. “O problema de transitar por esta interseção é ferir com os dogmas de determinada religião. É preciso ter certo balanço para não ofender ao homenagear. O John Galliano, estilista que fez a roupa de papisa da Rihanna, visivelmente satirizou o papa, porque trouxe sensualidade para a peça. Tive muito cuidado em não trazer uma atmosfera profana”, explicou.
A coleção de Bruno Olly chega às passarelas para quebras todos os paradoxos possíveis. Em uma sociedade marcada pelo machismo aonde mulheres e homens são afetados pelos preconceitos deste sistema patriarcal, o estilista provou que o gênero masculino também pode ser feminino, sensível e frágil. Com predominância de rosa, a coleção trazia uma desconstrução de modelos considerados masculinos, com modelagens mais justas e curtas. “Faço as minhas coleções pensando que todos devemos ser quem somos e queremos ser, por isso não tenho limites para o meu trabalho. Venho de um estado aonde os homens não podem chorar, precisam brincar de carrinho e não podem demonstrar fraqueza. No meu trabalho, tento provar que isto não é o limite, existem novas silhuetas”, criticou Bruno, que ganhou o terceiro lugar do Concurso dos Novos em 2014. Ao mesmo tempo, as peças contavam com uma pegada streetwear e também tinham uma presença forte de religiosidade. Em algumas modelagens, ele apostou em estampas que contavam a história de Oxum.
Ronaldo Silvestre resolveu abrir sua caixinha de memórias e revisitar o seu passado para criar a coleção que marcou o último dia do DFB Festival 2018. As peças relembram grandes mulheres que já passaram pela sua vida pessoalmente e profissionalmente e tiveram alguma importância. Segundo ele, se o estilista possui uma marca consolidada deve ser grato a grandes personalidades. As peças traçavam um paralelo entre o romantismo e a sensualidade, mostrando todos os estilos femininos desde o mais recatado até o sexy. Estas influências começam a partir da sua mãe e a lembrança de um vestido que usava aos domingos para ir à missa. Da mesma forma que ela utilizava tecidos usados para costurar as suas roupas, Ronaldo resolveu fazer o mesmo trazendo a reciclagem de muitos materiais. “Por que não falar sobre o reaproveitamento do resíduo de tecido das fábricas de várias marcas? Por que não falar sobre o empoderamento econômico da mulher? Por que não falar sobre as bordadeiras anônimas que trabalham para dar um estudo aos seus filhos, como foi o meu caso? Quis mostrar esta gente comum”, explicou. E entre todas estas pessoas está ninguém menos que a própria Heloisa Tolipan. “Quando ganhei o Rio Moda Hype, foi ela quem votou em mim e falou para os outros veículos para prestarem atenção no meu trabalho. Ela viu talento em um menino magro e esquisito que fez uma coleção sobre um livro infantil do Carlos Drummond de Andrade. Por isso tenho um carinho sem fim por ela”, afirmou o profissional. O artista é reconhecido pelo seu trabalho em todo o país e, agora, a mais nova empreitada é pelo mundo das bijuterias. Ele está assinando uma coleção com a Serradouro na qual eterniza através de um banho de ouro, por exemplo, folhas de árvores.
A coleção chamada Colheita Grande, da marca Tanden, trouxe para a passarela produtos passíveis de serem usados no dia a dia. Os objetos desejáveis seguem uma linha fluída e com forte presença de tons terrosos. O tema para estas peças surgiu a partir de uma reflexão pessoal da estilista da marca, Mila Menezes. Para ela, tudo o que plantamos na nossa vida um dia teremos que colher, por isso a ideia era instigar o público a repensar nos seus atos para criar um mundo melhor. Ao mesmo tempo, exibiu pessoas normais nos holofotes, trabalhadores que muitas vezes não são respeitados no mercado e levados em consideração. “Não criei pensando no ato, mas é muito bom instigar os outros a pensarem sobre isto. Nós sempre temos frutas a nossa disposição na geladeira ou em um restaurante, no entanto nunca levamos em consideração que alguém trabalhou para trazer aquele alimento para o nosso prato. Consegui mostrar pessoas reais”, afirmou.
A coleção masculina de David Lee valorizou o que temos de mais precioso: os nossos sentimentos. O estilista questionou na passarela a materialidade e a imaterialidade e resolveu mostrar a importância das emoções revelando as peças íntimas dos modelos, afinal, é a roupa mais interna que temos. A cartela de cores era vibrante para provar toda a pluralidade do ser. “Acho importante trazer uma moda real e autoral. As grandes marcas possuem uma essência e sempre falam sobre isto no seu trabalho e pretendo caminhar por esta praia, não importa se estiver seguindo uma tendência ou não. Desde que comecei no mercado, busco trazer significado para a minha marca. Coloco tudo o que acredito neste conceito”, afirmou. O cearense ainda aproveitou refletiu sobre a importância de ver o seu estado no roteiro da moda nacional e garantiu que o futuro do ramo no local e do DFB é muito promissor. “A moda do Ceará vai até Londres, literalmente. Fui o único brasileiro selecionado para participar de um projeto do International Fashion Showcase. Passei por rigorosas provas e recebi o resultado em abril. No ano que vem, estarei expondo na semana de moda de lá através do SENAC e do London College”, contou. Que venha o DFB Festival 2019!
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