Depois de coleções em homenagem a artistas, label de camisetas Chico Rei dá oportunidade de trabalho a presidiários


Desde 2019, todas as camisetas têm parte da renda revertida em impacto social por meio do selo Camisetas Mudam o Mundo. A marca democrática de camisetas que se tornou um grande hype, mesclando estilo e responsabilidade socioambiental, acaba de inaugurar uma célula de produção na Penitenciária masculina Professor Ariosvaldo Campos Pires. Além disso, nessa pandemia de coronavírus foram confeccionadas 100 mil máscaras de proteção distribuídas gratuitamente. O músico Tiago Iorc lançou uma camiseta na Chico Rei com todo valor de venda revertido para a produção das máscaras. Vem conferir!

A célula de produção da Chico Rei na Penitenciária masculina Professor Ariosvaldo Campos Pires

*Por Rafael Moura

Quando James Dean (1931 – 1955) apareceu nas telonas do mundo, em 1955, no filme ‘Juventude Transviada’, interpretando o rebelde Jim Stark, usando uma camiseta branca, ninguém poderia imaginar que a peça se tornaria o grande símbolo de uma geração. Depois de 65 anos esse ícone, que traduz conforto, juventude e modernidade, é o grande mercado da Chico Rei, uma marca que nasceu nos corredores da Faculdade de Artes da Universidade Federal de Juiz de Fora se tornando o maior site no segmento de camisetas criativas e personalizadas do Brasil, afinal são mais de 3 mil ilustrações aplicadas em produtos criativos.

O site Heloisa Tolipan conversou com Bruno Imbrizi, cofundador e diretor da label para entender esse sucesso. Desde 2019, todas as camisetas têm parte da renda revertida em impacto social por meio do selo Camisetas Mudam o Mundo. “No primeiro ano do projeto, o foco foi melhorar as condições da Escola Municipal Santos Dumont, vizinha de bairro da empresa, em Juiz de Fora. A grande novidade de 2020 é a célula de produção na Penitenciária masculina Professor Ariosvaldo Campos Pires em uma aposta de ressocialização pelo trabalho”, revela.

“Somos radicais sobre a relação de empresas e a comunidade. Acredito que seja uma obrigação moral gerarem um retorno positivo para a sociedade, além das obrigações legais. Não estamos mais no tempo de apenas questionar o poder público, mas sim agir para construir um sistema mais consciente, com uma relação de desigualdade menor que a vivida nos dias de hoje”, dispara o cofundador.

A ideia de montar uma célula de produção dentro da penitenciária masculina dá aos presos a possibilidade de ressocialização, retomada da autoestima. Cada três dias trabalhados correspondem a um dia de redução da pena. “O valor que os presos ganham pelo trabalho é dividido em três percentuais: 25% são destinados à conta pecúlio (uma espécie de conta-poupança judicial acessada quando ganharem a liberdade), 50% são destinados à assistência familiar ou pessoal (diminuindo os impactos causados pela ausência de um provedor da família) e 25% ficam com o Estado. Os presos que terão a oportunidade laboral são selecionados pela Comissão Técnica de Classificação da Unidade”, explica.

A Chico Rei inaugurou uma célula de produção na Penitenciária masculina Professor Ariosvaldo Campos Pires

“Mais do que nunca somos sinônimo de liberdade. Liberdade de expressão com as nossas estampas e liberdade para aqueles que produzem as nossas camisetas: o tempo produzindo os nossos produtos é também de remição da pena e de pensar em um futuro diferente do que já está escrito para a maioria esmagadora dos acautelados. Acreditamos que camisetas mudam o mundo através do impacto que podemos causar na comunidade, nas pessoas envolvidas no processo de criação/produção e naqueles que usam uma estampa para dizer o que pensam”, enfatiza Imbrizi. Durante o mês de março, oficinas de costura e capacitação foram oferecidas para que o time da Ariosvaldo começasse a alinhavar uma história mais bonita.

De acordo com o mais recente relatório do Departamento Penitenciário Nacional (junho de 2017), o número de pessoas privadas de liberdade no Brasil correspondia a mais de 726 mil, apontando uma carência com mais de 300 mil vagas em todo o sistema penitenciário brasileiro, o que explica as superlotações. Minas Gerais ocupava a segunda posição entre os estados com mais presos no país, ficando atrás de São Paulo apenas. O documento aponta que a atividade laboral influencia positivamente na saúde psíquica e física do custodiado, desta forma a possibilidade de trabalho deve ser ofertada sempre que possível.

Para o diretor geral da penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires, Bruno Aguiar, a instalação de uma unidade fabril dentro de uma Unidade Prisional é vista não apenas como uma oportunidade de sair do ócio, mas também de aprender uma nova profissão e trazer ao acautelado a reconquista do orgulho próprio. “Muitos deles veem nesse trabalho a oportunidade de mostrar à família que são capazes. A ansiedade deles para a conquista da vaga é imensa: tanto pela possibilidade de passar o dia fora da cela, quanto pelo aprendizado, remição de pena e salário recebido (com o qual poderão ajudar seus familiares). É um conjunto de fatores que faz com que absolutamente todos os internos queiram trabalhar. Para além disso, o trabalho traz uma certa calma para o ambiente carcerário. Mesmo que não tenhamos vagas de trabalho para todos, nossos custodiados sabem que são selecionados para o trabalho apenas aqueles com bom comportamento. Nesse sentido, ainda que não exista a vaga de imediato, boa parte deles mantém o comportamento com a expectativa de que em algum momento vão receber a oportunidade”.

Democracia e responsabilidade social são dois conceitos bem fortes no DNA da marca, que depois de 11 anos de mercado, ganhou status por aliar design, qualidade e preço. “A Chico Rei permite o exercício da mudança constantemente, as nossas necessidades evoluem numa velocidade gigante. Murilo Mendes, poeta de nossa terra, dizia que são poucos os que vivem a seu tempo. Acredito que essa seja uma receita, mesmo que abstrata, para entender as necessidades do momento dos clientes, do time e da sociedade”, frisa Bruno. E completa. “Sempre tivemos claro o desejo de levar nossas criações de uma maneira justa ao cliente, não precisamos ser excludentes no momento de precificar os nossos produtos. Os valores serão sempre realizados para construir a ideia clara de um valor justo por aquela troca, quando visto pela ótica de nosso cliente”.

O cantor Milton Nascimento foi uma dos homenageados pela Chico Rei com uma coleção de camisetas e meias

A origem da T-shirt está ligada diretamente à primeira guerra mundial. Nos anos 2000 ela se tornou um grande símbolo de contemporaneidade e afirmação, muitas delas são grandes outdoors trazendo mensagens fortes e traduzindo a personalidade para diferentes gerações. “As camisetas servem como ótimas iniciadoras de conversa, elas são como tela em branco em que podemos nos expressar. E acredito que a popularização das camisetas se realizou justamente dessa maneira, a de dar voz para quem a veste”, explica, Imbrizi. O time criativo da marca aposta em um ambiente fértil para que as ideias sejam discutidas e livremente desenvolvidas. “Além da criação interna, temos um espaço para ilustradores independentes e coleções oficiais de um bocado de artistas: Milton Nascimento, Alceu Valença, Tiago Iorc, entre outros”, conta.

O pernambucano Alceu Valença emprestou sua energia para uma coleção de camisetas da marca Chico Rei

“A nossa raiz é a brasilidade, estar com essas lendas vivas da cultura brasileira é um privilégio para nós. Beber da mesma água e criar coleções de forma conjunta é uma experiência absolutamente enriquecedora e esperamos transmitir tudo isso que vivemos ao nosso cliente”, comemora Bruno.

A coleção da marca democrática Chico Rei em homenagem à pintora mexicana Frida Khalo (foto: divulgação)

O movimento Fashion Revolution se tornou uma grande teia mundial para repensar a cadeia de moda. Perguntas para o cofundador da marca, qual a importância desse movimento principalmente nesse momento em que a Covid-19 se espalha pela mundo? “Iluminar espaços que antes eram esquecidos pela sociedade nos fazem pensar um tanto sobre a relação com o consumo e com outras pessoas. O movimento Fashion Revolution joga uma luz para a produção de grandes empresas da moda e obriga a todos que se adequem a condições mínimas de trabalho. Na Chico Rei nascemos com esse propósito, as condições de trabalhamos são sempre as melhores possíveis e não as mínimas garantidas por lei. O projeto da penitenciária Ariosvaldo Campos Pires também nasceu para iluminar um grupo que é esquecido pela sociedade”.

A camiseta em parceria com o cantor Tiago Iorc teve 100 % da renda destinada ao combate a Covid-19

Para o segundo semestre de 2020, a marca espera triplicar sua produção dentro da unidade prisional, chegando a 40 detentos em trabalho de ressocialização, assim como ampliar suas ações de impacto social. “Já existem várias coleções oficiais saindo do forno com artistas e marcas reconhecidas mundialmente. Mas, antes de tudo esperamos encarar de frente a luta contra a Covid-19. Já chegamos a mais de 100 mil máscaras distribuídas gratuitamente e temos outras dezenas de milhares na fila, fruto de uma parceria com o Tiago Iorc, que lançou uma camiseta na Chico Rei com todo valor de venda distribuído para a produção de máscaras de proteção. Foi o maior sucesso de nossa história, em apenas um dia, chegamos a 100 mil máscaras a serem doadas”, conclui.

Serviço:

Chico Rei