*Por Rafael Moura
Quando James Dean (1931 – 1955) apareceu nas telonas do mundo, em 1955, no filme ‘Juventude Transviada’, interpretando o rebelde Jim Stark, usando uma camiseta branca, ninguém poderia imaginar que a peça se tornaria o grande símbolo de uma geração. Depois de 65 anos esse ícone, que traduz conforto, juventude e modernidade, é o grande mercado da Chico Rei, uma marca que nasceu nos corredores da Faculdade de Artes da Universidade Federal de Juiz de Fora se tornando o maior site no segmento de camisetas criativas e personalizadas do Brasil, afinal são mais de 3 mil ilustrações aplicadas em produtos criativos.
O site Heloisa Tolipan conversou com Bruno Imbrizi, cofundador e diretor da label para entender esse sucesso. Desde 2019, todas as camisetas têm parte da renda revertida em impacto social por meio do selo Camisetas Mudam o Mundo. “No primeiro ano do projeto, o foco foi melhorar as condições da Escola Municipal Santos Dumont, vizinha de bairro da empresa, em Juiz de Fora. A grande novidade de 2020 é a célula de produção na Penitenciária masculina Professor Ariosvaldo Campos Pires em uma aposta de ressocialização pelo trabalho”, revela.
“Somos radicais sobre a relação de empresas e a comunidade. Acredito que seja uma obrigação moral gerarem um retorno positivo para a sociedade, além das obrigações legais. Não estamos mais no tempo de apenas questionar o poder público, mas sim agir para construir um sistema mais consciente, com uma relação de desigualdade menor que a vivida nos dias de hoje”, dispara o cofundador.
A ideia de montar uma célula de produção dentro da penitenciária masculina dá aos presos a possibilidade de ressocialização, retomada da autoestima. Cada três dias trabalhados correspondem a um dia de redução da pena. “O valor que os presos ganham pelo trabalho é dividido em três percentuais: 25% são destinados à conta pecúlio (uma espécie de conta-poupança judicial acessada quando ganharem a liberdade), 50% são destinados à assistência familiar ou pessoal (diminuindo os impactos causados pela ausência de um provedor da família) e 25% ficam com o Estado. Os presos que terão a oportunidade laboral são selecionados pela Comissão Técnica de Classificação da Unidade”, explica.
“Mais do que nunca somos sinônimo de liberdade. Liberdade de expressão com as nossas estampas e liberdade para aqueles que produzem as nossas camisetas: o tempo produzindo os nossos produtos é também de remição da pena e de pensar em um futuro diferente do que já está escrito para a maioria esmagadora dos acautelados. Acreditamos que camisetas mudam o mundo através do impacto que podemos causar na comunidade, nas pessoas envolvidas no processo de criação/produção e naqueles que usam uma estampa para dizer o que pensam”, enfatiza Imbrizi. Durante o mês de março, oficinas de costura e capacitação foram oferecidas para que o time da Ariosvaldo começasse a alinhavar uma história mais bonita.
De acordo com o mais recente relatório do Departamento Penitenciário Nacional (junho de 2017), o número de pessoas privadas de liberdade no Brasil correspondia a mais de 726 mil, apontando uma carência com mais de 300 mil vagas em todo o sistema penitenciário brasileiro, o que explica as superlotações. Minas Gerais ocupava a segunda posição entre os estados com mais presos no país, ficando atrás de São Paulo apenas. O documento aponta que a atividade laboral influencia positivamente na saúde psíquica e física do custodiado, desta forma a possibilidade de trabalho deve ser ofertada sempre que possível.
Para o diretor geral da penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires, Bruno Aguiar, a instalação de uma unidade fabril dentro de uma Unidade Prisional é vista não apenas como uma oportunidade de sair do ócio, mas também de aprender uma nova profissão e trazer ao acautelado a reconquista do orgulho próprio. “Muitos deles veem nesse trabalho a oportunidade de mostrar à família que são capazes. A ansiedade deles para a conquista da vaga é imensa: tanto pela possibilidade de passar o dia fora da cela, quanto pelo aprendizado, remição de pena e salário recebido (com o qual poderão ajudar seus familiares). É um conjunto de fatores que faz com que absolutamente todos os internos queiram trabalhar. Para além disso, o trabalho traz uma certa calma para o ambiente carcerário. Mesmo que não tenhamos vagas de trabalho para todos, nossos custodiados sabem que são selecionados para o trabalho apenas aqueles com bom comportamento. Nesse sentido, ainda que não exista a vaga de imediato, boa parte deles mantém o comportamento com a expectativa de que em algum momento vão receber a oportunidade”.
Democracia e responsabilidade social são dois conceitos bem fortes no DNA da marca, que depois de 11 anos de mercado, ganhou status por aliar design, qualidade e preço. “A Chico Rei permite o exercício da mudança constantemente, as nossas necessidades evoluem numa velocidade gigante. Murilo Mendes, poeta de nossa terra, dizia que são poucos os que vivem a seu tempo. Acredito que essa seja uma receita, mesmo que abstrata, para entender as necessidades do momento dos clientes, do time e da sociedade”, frisa Bruno. E completa. “Sempre tivemos claro o desejo de levar nossas criações de uma maneira justa ao cliente, não precisamos ser excludentes no momento de precificar os nossos produtos. Os valores serão sempre realizados para construir a ideia clara de um valor justo por aquela troca, quando visto pela ótica de nosso cliente”.
A origem da T-shirt está ligada diretamente à primeira guerra mundial. Nos anos 2000 ela se tornou um grande símbolo de contemporaneidade e afirmação, muitas delas são grandes outdoors trazendo mensagens fortes e traduzindo a personalidade para diferentes gerações. “As camisetas servem como ótimas iniciadoras de conversa, elas são como tela em branco em que podemos nos expressar. E acredito que a popularização das camisetas se realizou justamente dessa maneira, a de dar voz para quem a veste”, explica, Imbrizi. O time criativo da marca aposta em um ambiente fértil para que as ideias sejam discutidas e livremente desenvolvidas. “Além da criação interna, temos um espaço para ilustradores independentes e coleções oficiais de um bocado de artistas: Milton Nascimento, Alceu Valença, Tiago Iorc, entre outros”, conta.
“A nossa raiz é a brasilidade, estar com essas lendas vivas da cultura brasileira é um privilégio para nós. Beber da mesma água e criar coleções de forma conjunta é uma experiência absolutamente enriquecedora e esperamos transmitir tudo isso que vivemos ao nosso cliente”, comemora Bruno.
O movimento Fashion Revolution se tornou uma grande teia mundial para repensar a cadeia de moda. Perguntas para o cofundador da marca, qual a importância desse movimento principalmente nesse momento em que a Covid-19 se espalha pela mundo? “Iluminar espaços que antes eram esquecidos pela sociedade nos fazem pensar um tanto sobre a relação com o consumo e com outras pessoas. O movimento Fashion Revolution joga uma luz para a produção de grandes empresas da moda e obriga a todos que se adequem a condições mínimas de trabalho. Na Chico Rei nascemos com esse propósito, as condições de trabalhamos são sempre as melhores possíveis e não as mínimas garantidas por lei. O projeto da penitenciária Ariosvaldo Campos Pires também nasceu para iluminar um grupo que é esquecido pela sociedade”.
Para o segundo semestre de 2020, a marca espera triplicar sua produção dentro da unidade prisional, chegando a 40 detentos em trabalho de ressocialização, assim como ampliar suas ações de impacto social. “Já existem várias coleções oficiais saindo do forno com artistas e marcas reconhecidas mundialmente. Mas, antes de tudo esperamos encarar de frente a luta contra a Covid-19. Já chegamos a mais de 100 mil máscaras distribuídas gratuitamente e temos outras dezenas de milhares na fila, fruto de uma parceria com o Tiago Iorc, que lançou uma camiseta na Chico Rei com todo valor de venda distribuído para a produção de máscaras de proteção. Foi o maior sucesso de nossa história, em apenas um dia, chegamos a 100 mil máscaras a serem doadas”, conclui.
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