O mar da moda não está para peixe. Crise econômica braba, inflação galopante, custo Brasil altíssimo, governo reeleito que não estimula crescimento de verdade e trata empreendedor como vilão. Todo tipo de gente que faz relegado a segundo plano, já que a onda é priorizar assistencialismos eleitoreiros entre os menos favorecidos. O formato das semanas de moda precisa ser repensado, e não é brincadeira a concorrência com empresas altamente globalizadas, vindo de fora e acostumadas a chegar em cada praça arrasando, como nuvem de gafanhotos fashion. Para piorar, a moda nunca esteve tão fora de moda nos últimos tempos, perdendo espaço para segmentos como a gastronomia. Sim, as perspectivas para 2015 não são as melhores, mas brasileiro é gente que faz e não desiste. E ainda tem a criatividade pulsando nas veias, o que torna tudo diferente. HT ouviu algumas personalidades do métier que souberam remar contra a maré neste ano e, entre uma alfinetada e outra, acredita que – como na música de Roberto – daqui para frente, tudo vai ser diferente. Confira!
Ivan Aguilar deu uma guinada. Continua fazendo seu masculino bem talhado, mas também direcionou as agulhas para as mulheres e fez desfile bacana em Nova York.. Carine Roitfeld, por exemplo, ficou louca com o que viu. “Já recebi a nova proposta e agora na virada do ano preciso confirmar se continuo desfilando por lá”, confessa, afirmando que precisa avaliar tudo na semana que vem..
Para o estilista capixaba, é preciso ter coragem para investir em um momento como esse: “Não desisto. Vendi um apartamento em São Paulo e apliquei tudo no meu business. Mas, hoje (30/12) paguei tanto imposto ao governo que quase chorei”, desabafa. “Não há como sobreviver atualmente sem enxugar custos, é preciso repensar o tempo todo. Mas estou de olho lá fora. O Brasil não dá oportunidade para ninguém crescer e é preciso pensar no mercado internacional. Estou com um franqueado experimental aqui no Espírito Santo e vou intensificar esse projeto em 2015”, conta, afirmando que pessimismo gera pessimismo. Então a ideia é produzir. E ai de quem disser que Ivan, assim como Carmen Miranda, vai voltar americanizado.
“No prêt-a-porter tive que tornar meu produto mais competitivo e barateá-lo, mas, no segmento sob medida, joguei todos os tecidos premium e subi os preços. Meu cliente classe média desapareceu porque essa parcela dos consumidores nunca foi tão massacrada pelo governo, mas o cliente top de linha continua tendo muito dinheiro”, reiterando que, assim como Camargo e Ricardo Almeida, é preciso correr atrás dessa clientela AA: “As grifes de fora fazem também fazem esse caminho das pedras por aqui e oferecem o ‘sob medida’, mas o atendimento não é diferenciado. Não é a própria Miuccia Prada que atende o cliente na hora de fazer um Prada exclusivérrimo ou alguém da família Zegna que resolve pessoalmente um terno Su Misura. É um vendedor da loja. Quando um cliente me procura para fazer um terno desses, é comigo mesmo que vai lidar, e esse atendimento personalizado conta muito”.
E vai além: “É fácil fazer alfaiataria para um menino lindo, desses europeus novinhos que têm manequim 38, vestem um costume nos editoriais e desfilam para Gucci ou Dior Homme. Quero ver se adaptar para o biotipo de brasileiro com ombro estreito, muitas vezes com quadril largo e coxas grandes. A gente aqui no Brasil sabe lidar com essas proporções e fazer o terno vestir bonito. Será que o Hedi Slimane consegue?”, questiona.
Roberta Damasceno, da celebrada multimarcas carioca Dona Coisa, é outra que sabe furar onda com propriedade: “Não aposto em moda, mas no tripé atemporalidade-qualidade-conforto. Isso me permite sobreviver, vendendo roupa que não acaba para biotipos variados e apostando no bem-estar, investindo em estilo de vida”, conta.
Para ela, a loja é uma parede branca e os produtos funcionam como obras de arte, sendo expostos como objetos do desejo, e não como meros itens a ser consumidos. “O valor agregado deles vai muito além da aquisição. Essa postura de galeria de arte, aliada a um olhar constantemente renovador, permite que eu seja mais verdadeira com aquilo que ofereço à clientela e, assim, consiga me manter. As peças da Claudia Savelli são um exemplo disso. Mas, como vivemos entrando e saindo de crises no país, estamos cada vez mais profissionais, mais sambados, mas acostumados a lidar com percalços. Já temos segurança em lidar com isso tudo e não vou nem entrar na questão política”, entrega.
Para ela, o que fideliza cliente é esse apuro na hora de farejar aquilo que atende bem a essa demanda com qualidade de vida. “O espírito de arte bacaniza tudo”, revela, lembrando que se sentiu orgulhosa quando a Cosac Naif a procurou para lançar, no final de novembro, “Contrastes Simultâneos”, o calhamaço fotográfico do mestre Walter Carvalho: “Me senti honradíssima, até porque o autor tinha pensado inicialmente em fazer a noite de autógrafos em uma livraria, tipo a Travessa. Mas essa escolha é fruto do tipo de trabalho que faço, que soma, vai fundo e não é mascataria”.
Rique Groove, também concorda com Roberta de que é preciso trazer arte para a moda e mesclar esta com outras expressões. Mesmo pequeno, mantém sua R. Groove pulsante e se manteve no Fashion Rio, apesar de todo o esvaziamento das semanas de moda. “Vamos ver como vai ficar. Para onde a bússola apontar, dirijo meu barquinho nesse mar revolto e sigo junto. Mas baixar custos é preciso, tem que ser ao mesmo tempo marujo esperto e mágico de quermesse!”
O designer crê que, com a crise, existe um buraco pronto para ser preenchido com criatividade: “Marcas grandes e pequenas estão balançadas, tem gente quebrando. Isso cria um panorama favorável para novos criadores, para o pessoal que consegue oferecer inovação dentro do furacão. Se não tem como se fartar com qualidade porque é preciso ter preço, que a novidade seja abundante, que novas matérias-primas se transformem em moda original, que se invista em estampas. Talvez esse seja o segredo”, revela, apostando forte no lifestyle. “Com o luxo em cheque, é preciso se conectar a outros movimentos criativos para deixar a moda fluir e mantê-la na superfície, sem afundar”, completa, mencionando a recente dobradinha Salão Bossa Nova + Festival Imersões como uma possível solução de conectividade.
O consultor Jackson Araújo também vê o mercado por aí: “Espero que em 2015 a indústria têxtil se organize em prol da valorização do design Made in Brasil. Essa é a grande tendência a tomar corpo: comprar de gente que faz. As empresas precisam inovar e otimizar o potencial criativo porque só um produto genuíno se destaca nesse oceano de marcas vindo de fora prontas para canibalizar. É dessa forma que podemos revigorar a indústria nacional, nos posicionando inclusive em planos estratégicos governamentais”.
Como pensador, Jackson vai longe: “Que não se espere um posicionamento de cima para baixo, mas horizontal, em que todas as partes envolvidas se estruturem conscientemente: consumidores, designers, empresários e indústria”.
Ronaldo Fraga também aposta no empenho criativo: “Tenho que continuar amando muito meu ofício e fazendo o meu melhor. Fazer moda no Brasil é puro ato de amor. Afinal, desse governo não espero nada, e só meu entusiasmo e disposição que me empurram adiante contra esse tsunami de impostos”.
No fundo, o mineiro faz coro com Jackson, Roberta Damasceno e Rique Groove, já que sempre oferece arte em seu cardápio fashion, criando incessantemente sem deixar a peteca cair, seja em uma exposição que evoca a cultura do Rio São Francisco, seja no seu último desfile-babado no qual, através de proposta ousada, questionou a pasteurização das cidades brasileiras pela especulação imobiliária. Moda + arte + política!
Escritora, blogueira e cabeça à frente do “Hoje Vou Assim”, Cris Guerra é pura coerência num segmento onde looks do dia predominam sobre o conteúdo. Tatuada mãe de família e autora de “Moda Intuitiva”, livro em que procura despertar na leitora o stylist que existe seu interior, ela torce para que a moda brasileira se reinvente nesse período de crise e pede que os consumidores dêem mais atenção àquilo que se cria no país, deixando um pouco de lado o espírito colonialista: “Vamos valorizar o que se faz por aqui, minha gente! Me incomoda muito a proporção que as marcas internacionais tomam no Brasil”.
Para fechar, ela ainda dá um puxão de orelha nas colegas: “Tem cabimento blogueira brazuca ganhar uma grana para divulgar empresa brasileira e só usar roupa de fora? Elas fazem uma quantidade sem número de campanhas para grifes daqui e só usam marca gringa. Isso é justo? É crível?”
A super top Talytha Pugliesi teve um bom ano e tudo indica que deve repetir a dose em 2015. Como um poderoso dinossauro que sobrevive a incessantes quedas de meteoros no mercado, ela – que faz parte daquela primeira leva de modelos brazucas que conquistou o mundo no Jogo de War fashionista, pós-Shirley Mallmann – continua na ativa, mas também cresce como apresentadora de TV. Genuína integrante do time de louras que tem bastante tutano, vaticina: “O ano teve crescimento bem menor do que Brasília apregoava e menos ainda do que se acreditava em geral. Um fiasco. Nos próximos tempos vai ser preciso samba no pé. A economia precisa ser reaquecida e a moda brasileira vai ter que sapatear para se tornar competitiva. Temos uma imensidão de marcas e ofertas, com os produtos da China gritando ‘Me compra, meu preço é ótimo!’ na loja vizinha. E o consumidor está cada vez mais exigente, deixando de levar gato por lebre”.
Assim, na bola de cristal da bonita, uma coisa é fato: “O consumo por impulso vai diminuir cada vez mais. Cabe aos criadores estabelecer a linha exata entre o comercial e o conceitual, oferecendo moda ao mesmo tempo usável e original”.
Por falar em prestidigitação, o homem-bolsa Gilson Martins dá a tônica do próximo ano: “Não tem Cacique Cobra Coral que faça previsão correta”. Ele crê piamente que quanto maior a expectativa, maior a decepção, e pensa que é preciso trabalhar sem vislumbrar soluções miraculosas a longo prazo: “Vai demorar, a gente não vê nada positivo adiante. Nenhuma projeção é real”.
E, para as Pollyanas que acreditam que os eventos internacionais no Brasil possam estimular o crescimento, ele oferece a devida porção de realidade: “Trabalho com um produto que tem design e originalidade e que, por valorizar a imagem do Rio e do país, é perfeito para gringo consumir. Engana-se aquele que pensa que quem vai nessa direção está bem. Os estrangeiros no país estão pasmos com os preços, acham tudo muito caro e, quando chegam no Rio, têm que pagar comida caríssima, locomoção absurda, serviços ruins e hospedagem a preços aviltantes. Não sobra para mais nada”, alerta, lembrando que o custo de vida por aqui inviabiliza o consumo de moda para quem é de fora: “Consumidor gringo não é bobo, é maduro na hora de comprar. Outro dia conheci um alto executivo neozelandês na praia e o cara tinha levado um isopor com umas oito latinhas de cerveja para não precisar pagar o preço da barraquinha”.
Rodrigo Toigo, criador da Kee Mod, agência de modelos que cresceu em pouco tempo e lançou beldades como Paula Mulazani, Waleska e Marina Heiden, ganhou destaque nos últimos tempos e acabou se juntando, nessa reta final de ano, coma Ford Brasil, onde agora é management director. Como descobridor de talentos e agente de mão cheia, ele acredita que o mercado em crise vai rever os valores dos cachês: “Vem um ano difícil, sobretudo para quem exporta pouco ou não atua no mercado externo. O segmento interno vai ficar bem sacudido e vai mexer com tudo. As verbas de promoção e mídia vão ser revistas para baixo e as modelos serão negociadas a valores mais baixos”.
Ana Rudge é empresária carioca que sabe se manter na superfície. Mesmo em um mercado em crise, faz roupa para a mulher madura que tem situação financeira sólida e que precisa da grife para se manter elegante, escondendo aqueles quilinhos indesejados em caftãs e túnicas estampadíssimos que, combinados com maxi acessórios, a deixam poderosa. Além da Rudge, ela abriu esse ano a primeira loja exclusiva da Marie, marca mais jovem que mantém a verve étnica dos tecidos bons e estampas exuberantes, mas que lida com garotas na flor da idade, com corpinho de sereia. Um passo além. Apesar de pé no chão, a empresária se diz desgostosa com o rumo atual: “Ninguém esperava o PT de novo, a Dilma por aí ainda”, conta, sem se dar conta de que a presidente, se não fosse tão careta, encontraria ótimas opções para se vestir em sua loja.
Mas Ana é do tipo que faz da elegância um sentido de vida: “Apesar desse desânimo, tenho esperança de que vá acontecer um milagre. Estou apostando em um produto mais day by day e até que, após as eleições, minhas vendas melhoraram bem. Deus é brasileiro e não podemos desanimar”, confessa, voltando um pouco atrás em seguida: “Essa roubalheira tanta com a Copa me avilta e quem paga o preço é o povo, que votou na reeleição da Dilma, assim com nós, que queríamos o partido bem longe do poder”.
Bastião daqueles que não fazem concessão na hora de criar um produto de luxo 100% nacional, Lino Villaventura surpreendeu em seu desfile nesta última edição da SPFW, em novembro, quando não abriu mão de seu espírito criativo, mas exibiu alguns modelos que pareciam ir de encontro a um aspecto comercial mais amplo, ainda que dotados de seu peculiar DNA. Descontente com os rumos do Brasil atual e valioso combatente da moralidade nas mídias sociais, é ele quem encerra essa matéria: “Que no Ano Novo, a esperança nos acompanhe, a determinação não nos abandone e a coragem fortaleça a nós todos, confirmando meu otimismo um tanto romântico diante de circunstâncias tão desanimadoras. É preciso acreditar que o mercado vai reagir, que o governo consiga tomar decisões acertadas dessa vez e que os corruptos sejam condenados por uma justiça eficiente. Milagres existem, dizem. ‘Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay!’ É meio por aí. Que possamos viver em um país melhor com ordem e progresso de verdade. Que venha 2015.”
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