*Com Dudu Altoé
Eis que a maratona de desfiles desta 44ª edição da São Paulo Fashion Week chega ao fim. No último dia, o line-up trouxe as coleções do Verão 2018 de marcas consagradas entre público e crítica. A Coven, que iniciou o dia no prédio da Bienal, desenvolveu um trabalho de pesquisa de materiais inspirado no mood rústico dos tecidos africanos, enquanto a estilista Helô Rocha trouxe camisolas e lingeries vitorianas para o seu sonho inspirado na flora tropical (clique aqui). Já Juliana Jabour reafirma seu DNA street com uma coleção inspirada no universo náutico a partir de uma estética que flerta com a moda esportiva e o romantismo. Seguindo o line-up, o estilista Luiz Cláudio trouxe como inspiração para a nova coleção da Apartamento 03 a vida e a obra da arquiteta Lota de Macedo Soares, mulher empoderada de um Brasil da década de 1950. Pela segunda vez desde a volta na última edição, a Reserva promoveu uma performance, que fugias dos padrões de desfiles do evento. Por aqui, a grife carioca trouxe o personagem Wally, de “Onde Está Wally?”, para apostar nas gambiarras e truques dos viajantes e mochileiros, sem destino certo. Por fim, Renato Ratier foi a fundo no upcycling para recriar peças de sua marca homônima, seguindo a cartilha indústria, urbana e sofisticada.
COVEN: ancestralidade africana
Liliane Reheby atendeu a um chamado ancestral para criar o Verão 2018 de sua Coven e encontrou no continente africano o “late motif” para desenhar a coleção definida por ela como “mais natural, mole e menos urbana”. “Um olhar voltado para a ancestralidade, com pinceladas tecnológicas”, explica. Ela reforça dizendo que a mistura entre passado e futuro é inevitável para quem cria. “Nada é muito literal para um único caminho. No decorrer do processo criativo, acabamos misturando elementos que formatam a estética da marca”, conceitua.
A coleção, assim, tem um olhar para o universo têxtil africano a partir da construção dos tecidos – em especial as malhas de tricô, carro-chefe da Coven, que, desta vez, foram apresentadas com barrados franjados para traduzir uma ideia de algo inacabado. A marca encontrou no fio do linho a carga rústica necessária para nortear os trabalhos. Assim como o da ráfia sintética e de um fio de cobre, que imprimiram um “ar” amarrotado às peças. Liliane revela, ainda, que o trabalho da fotógrafa Jackie Nickerson inspirou todo o recurso de amarrações e sobreposições, parte desta estética que remete à vestimenta do trabalhador das lavouras na África, objeto da obra de Nickerson.
A estamparia apresentou silks localizados de máscaras africanas. Nas amarrações, destaque para o nylon, que primeiro é estampado para em seguida ser laqueado, evocando a quebra da rusticidade e naturalidade da coleção em um contraponto muito bem-vindo. Vermelho, azul, preto, branco e verde e caramelo, todas as cores que conversam com a temática ancestral, presentes em corantes orgânicos à disposição na natureza.
Beleza: a terra molhada e a brisa dos ventos no olhar
A identidade de natureza da marca voltou a ser experimentada na beleza da apresentação. Em produção assinada por Amanda Schon, a ideia foi trazer uma aparência orgânica, sensorial e até um pouco rustica, como definiu a beauty artist. Sendo assim, as modelos desfilaram com duas propostas de maquiagem nos olhos: um efeito glossy em uma mmistura de tons terroso e vermelho e pinceladas em branco. “A coleção fala muito da nossa relação com a natureza e tem uma pegada de mostrar texturas que remetem a matérias-primas menos processadas. Então, eu quis trazer isso para a maquiagem”, explicou Amanda que apostou em bochechas rosas que remetessem à ideia de rubor do sol e sobrancelhas mais volumosas pintadas com mascara com cor. “É uma mulher mais rústica, que tem um contato maior com uma beleza diferente e não tão padronizada como encontramos por ai”, completou.
O destaque da produção foi o trabalho feito por Amanda Schon nos olhos. Enquanto em algumas das modelos a beauty stylist apostou no efeito glossy – que ela garantiu poder ser usada por todas –, em outras, foram as rajadas de vento orgânicas que coloriram o olhar. Aliás, esta ideia também conceituou o cabelo do desfile da Coven. “Eu quis trazer uma textura de vento constante para os fios, como se elas tivessem expostas a essa natureza o tempo todo. Por isso, apostei em uma aparência mais seca e árida com algumas curvas ao longo dos cabelos”, disse.
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JULIANA JABOUR: streetwear romântico-esportivo
Juliana Jabour transforma mais uma vez sua assinatura romântico-esportiva em uma moda que encanta. Nesta temporada, a estilista trabalha os elementos do universo náutico de uma forma singular, que foge de qualquer caricatura. “Eu amo o náutico. Já fiz algumas coleções inspiradas neste mood. Amo as cores, amo as listras, mas eu queria revisitá-lo de uma maneira mais cosmopolita, mais urbana. Então, não se trata de um náutico ao pé da letra, com âncoras; é algo mais gráfico, com as listras, o degradê de azuis e o marinho, vermelho e branco. Tudo de um jeito fresh, urbano e com a minha cara”, destaca. Os elementos coloridos de estamparia flertam com o design gráfico do final dos anos 80, inicio dos 90.
O streetwear, outra paixão assumida da estilista e que define perfeitamente o seu DNA contemporâneo, norteou o approach da silhueta, essencialmente oversized, a exemplo das bermudas de alfaiataria com shape de bermudão de basquete, das parkas, entre outras peças. “Sempre possuí essa pegada, às vezes mais, às vezes menos. Mas, desde o começo, sou uma marca que preza pelo conforto, mas com pegada esportiva. O momento da moda esta propício para o que eu faço”, analisa Juliana. O jeanswear da coleção é resultado de uma parceria com Pitty Taliani e Carô Gold, da Amapô, referências do segmento, e foi traduzido em jaquetões e pantalonas.
Ainda segundo a estilista, a sua assinatura romântico-esportiva é o meio termo ideal para não deixar suas criações voltadas nem para uma feminilidade exagerada, nem para uma moda de rua abrutalhada. “Eu sou assim. Gosto de estar com roupa de menino, mas com o cabelo feito e a pele maquiada”, brinca.
A alfaiataria dita os rumos da coleção a partir do tricoline, tecido que foi utilizado de várias maneiras – liso, estampado ou com recortes a laser. O nylon, material tecnológico que é sinônimo do universo náutico por sua impermeabilidade, está presente nas parkas. Algumas peças carregam também uma essência sustentável, a partir de um fio desenvolvido especialmente pela Rhodia.
Vale registrar, ainda, que dez looks desfilados por Juliana Jabour fazem parte de uma coleção cápsula desenvolvida para a Lez-A-Lez, marca da qual é diretora criativa. Segundo Juliana, tais peças chegam às lojas em fevereiro do próximo ano e também foram comercializadas em esquema de preview na pop-up store da Cartel 011, montada nos corredores da Bienal durante a SPFW.
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APARTAMENTO 03: herança arquitetônica
A grife Apartamento 03 promove um passeio pela obra de Lota de Macedo Soares, arquiteta autodidata e paisagista modernista, sinônimo de força e empoderamento feminino na década de 1950. O estilista Luiz Cláudio conta que encontrou o tema por acaso. “Quando comecei a pesquisar arquitetura, a internet me trouxe muitos resultados, o que não me convenceu. Resolvi procurar em casa no que eu possuía de acervo e encontrei o livro da poetisa Elizabeth Bishop, companheira de Lota”, explica.
A construção das peças, assim, foi pautada em cima da vida e da obra de Lota e também, é claro, do seu guarda-roupa. Uma alfaiataria que flertava, àquela época, com a silhueta masculina, já que a arquiteta preferia a liberdade da camisaria e das calças. Para tanto, e seguindo os preceitos da arquitetura modernista, esta que queria se ver livre dos excessos, o estilista buscou as linhas minimalistas de uma silhueta alongada, que brinca com os volumes em calças pantalonas, clochard de cintura alta e saias assimétricas. Por cima, paletós construídos como aventais, em uma alusão à verve paisagista de Lota Soares. Conta-se, inclusive, que ela idealizou a criação do Parque do Aterro do Flamengo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Todos creditam erroneamente o local a Burle Marx, quando, na verdade, é resultado de um esforço dela.
A paleta de cores é exuberante, pontuada por amarelo, azul e verde, as cores tropicais de um Rio de Janeiro caloroso, cenário da história. “Fechamos os olhos e lembramos sempre que o Rio é quente”, lembra Luiz Cláudio. As estampas, inclusive, evocam detalhes estruturais da Casa Samambaia, residência premiada de Lota, trabalhando listras elegantes e padrões geométricos. A laise bordada por canutilhos prateados também foi usada para pontuar a fase final do desfile, assim como o jeans, bem lavado e fresco.
É a primeira vez que a Apartamento 03 investe no jeanswear sofisticado, com peças trabalhadas em bordados de canutilhos para evocar o brilho da lua, algo que fazia parte dos planos de Lota de Macedo Soares, ainda, para o parque. Luiz Claudio justifica dizendo que ela foi uma das primeiras mulheres cariocas a usar calça jeans em sua época, no Rio.
Beleza: os estratégicos e belíssimos pontos de luz da apresentação
Quem disse que na prova final de um desfile tudo fica 100% decidido? Pois é, com Rodrigo Costa para a grife Apartamento 03 não foi assim. Mesmo depois de ter batido o martelo da beleza com Luiz Claudio, estilista da marca, o beauty stylist contou que não estava confiante com a produção e continuou pensando. E, claro, o resultado ficou ainda melhor. Na beleza do Apartamento 03. O destaque foi um olhar brilhoso – mais do que simplesmente iluminado.
Na pálpebra móvel, Rodrigo fez como se fosse um delineador mais curto de glitter prateado usando cola de cílios e o resultado ficou encantador. “O brilho do olho completa os pontos de luz que nós destacamos no cabelo, com acessórios feitos pelo próprio Luiz. Na verdade, a maquiagem seria preta. Mas, depois da prova, eu não fiquei satisfeito com o resultado porque achava que ficaria uma beleza pesada demais para o que a gente estava propondo”, explicou.
Realmente. Com uma coleção inspirada na arquiteta Lota de Macedo, que tinha um estilo clássico e empoderado nos anos 1950, a maquiagem precisava ser um pouco mais leve, como destacou Rodrigo. E o resultado encantou na passarela. Além dos brilho metalizado dos olhos, o beauty stylist ainda trouxe suas sobrancelhas penteadas para cima – que costuraram todas as criações dele desta edição da SPFWN44 – e um rubor natural nos rostos, conquistados com hidratação com óleo de coco antes de iniciar a maquiagem. Por fim, as madeixas tinham um rabo de cavalo e uma franja curly sobre o rosto. “No cabelo, eu separei a parte da frente em uma mecha U, fiz um rabo e completei com ondas naturais com mood meio anos 1930”, completou Rodrigo Costa sobre o penteado que tinha os acessórios de Luiz Claudio como complemento de informação e pontos de luz na passarela.
RESERVA: sobreposições, gambiarras e ciganismo
A Reserva trouxe novamente muito barulho para a São Paulo Fashion Week. Após armar uma festa na última temporada, a marca carioca mostra novamente a que veio, com uma apresentação intimista para imprensa, parceiros e consumidores. A coleção, inspirada nos viajantes e mochileiros, ilustra este universo com sobreposições, gambiarras e costuras à mão, itens comuns de quem viaja sem a certeza do destino, e que, segundo Rony Meisler, muito tem a ver com a própria trajetória da marca. “Chamamos à coleção de ‘Desbravadores’. Temos muito da história da marca nesse tema. Fomos aprendendo ao longo do caminho, não entendíamos nada de moda, completos “outsiders” nesse mercado”, comenta.
Rony, que é CEO do Grupo Reserva, confessa que ficou surpreso com a repercussão do livro “Rebeldes Têm Asas”, recém-lançado para contar a história da marca. “Eu não esperava que ia ser um sucesso. A Sextante apostou no livro com uma edição grande, e foram 15 mil exemplares vendidos na primeira semana, seguidos de 26 mil na segunda. Estou super feliz”, confessa.
Para a coleção, o personagem Wally, de “Onde Está Wally?”, serviu de ponto de partida para o desenvolvimento de todo o mix de produtos. Segundo o estilista Igor de Barros, esta já era uma conversa antiga com a Universal Studios. “Enxergávamos nele o aventureiro, o cigano, o mochileiro etc. Ele pautou, então, uma busca por materiais mais leves, essa roupa mais lavada, mais surrada. Nosso Wally estava perdido no Rio de Janeiro, e esse é o porquê também das estampas tropicais”, explica.
Na composição da imagem, Igor buscou o arquétipo do viajante para introduzir a gambiarra, o “jeitinho”, justificando a escolha pelo uso de patchworks com estampas e tecidos antigos da Reserva, repaginados de forma super artesanal para criar um resultado exclusivo de peça única que sofreu os efeitos do tempo. As cores de base são as da Reserva, preto, branco e vermelho, as quais, inclusive, também são as de Wally, pontuadas pelo índigo, verde e amarelo nos pontos gráficos.
Os materiais são naturais, entre linho e algodão, desenvolvidos com exclusividade pela marca. “A equipe de estilo da Reserva tem um trabalho muito forte de pesquisa de materiais. Para esta coleção investimos pesado em camisaria, resultando em muitas versões de cambraia de construção leve e aspecto gasto, além do jeanswear nada pesado, 100% algodão, todo quebrado e muito confortável”, comenta Igor de Barros. Seguindo o tema central, o viajante, perdido em um mundo tropical, veste estampas de tucanos, onças, bananeiras, e um mini-camuflado. Adoramos!
Beleza: o calor do deserto estampado na cara
Se a proposta da Reserva foi arrumar as malas sem um destino certeiro, a de Robert Estevão, responsável pela beleza da performance, foi mostrar as consequências da caminhada debaixo do sol. Inspirado em um mood desértico de léguas e léguas desbravando o mundo, o beauty stylist apostou em uma pele apenas corrigida, mas com o contorno bem marcado com uma base mais escura. “A maquiagem tem a intenção de aparentar um bronze como se estivesse no deserto”, disse.
A aparência seca e árida também apareceu no cabelo, que trazia a ideia de caminhada debaixo do sol. Segundo Robert, este foi o destaque da produção que tinha a proposta de ser mais arrumadinho, embora tivesse uma textura de verão. “O cabelo foi onde a gente se dedicou mais um pouquinho. No entanto, isso não faz com que ele não tenha uma aparência de natural. Nós nos preocupamos em passar uma ideia de clima árido dessa inspiração do deserto”, explicou.
RATIER: upcycling industrial e urbano
Para o Verão 2018, Renato Ratier investiu pesado no upcycling, macro tendência de moda que vem ganhando espaço em todo o mundo, e, por que não, também na SPFW. O empresário resgatou peças de coleções anteriores para experimentar trabalhos em pintura. “É possível fazer arte a partir da reconstrução”, comenta. “Além da pintura, fizemos intervenções em algumas peças, como cortar as mangas”. O resultado é uma coleção sofisticada de atmosfera industrial e urbana, que flerta com a atemporalidade.
A customização foi definida peça por peça e feita à mão. A pintura foi assinada por duas artistas plásticas com pinceladas intencionalmente rudes e grosseiras, quase que como com piche. Entre os materiais, Ratier sinalizou a busca pelo conforto, elegendo o couro, a seda, o linho, o moletom de algodão, o brim e o Neoprene como cartela. Eles foram traduzidos em vestidos fluidos, camisetas longas, jaquetas bomber e peças de alfaiataria.
A silhueta brinca com os comprimentos em shapes alongados e levemente oversized, em um flerte com a moda sem gênero. “Partem do DNA da marca dois conceitos muito importantes, que norteiam as coleções. Um é estar sempre confortável e não se preocupar em estar amassado. O outro é a moda sem gênero”, reflete. A cartela de cores é a clássica da marca: branco, preto, e cinza, com poucos detalhes em vermelho, tudo obedecendo à risca a palheta dark minimalista da Ratier.
Beleza: mãos na tinta
Nem maquiagem e nem cabelo. O destaque da beleza da Ratier estava nas mãos, nos braços e no tronco dos modelos. Quase um item do styling da apresentação, Lau Neves trouxe a tinta preta como produto de beleza para o backstage da Ratier. No último dia de SPFWN44, a grife fechou o line-up de moda com um mood tribal que conceituava os desenhos da coleção da grife. “Na beleza, a gente quis compor as roupas, que foram, na maioria, em combinação P/B, e dar mais força ao desfile com essas pinturas. Para mim, é como um elemento do styling”, disse Lau Neves sobre as pinturas que seguiram três propostas: somente a ponta dos dedos, até metade do braço ou uma linha na vertical no tronco dos modelos.
No entanto, por mais que o destaque da beleza tenha sido o uso da tinta preta, alguns cabelos da apresentação também incorporaram o conceito de obra de arte. Milimétricos e extremamente bem feitos, os penteados combinavam trança e muito gel nas mulheres do casting, que também tiveram maquiagem mais natural para completar a produção. “A gente queria passar uma aparência muito natural na maquiagem com pele transparente e um certo brilho, que completa o visual do cabelo, que tem gel e duas tranças. Uma atravessa a cabeça e a outra é dividida ao meio, uma para cada lado. Para completar, um rabo de cavalo liso e seco”, disse Lau que, assim como nas mulheres, também abusou do uso de gel nos homens com cabelo mais curto. “Como nós tivemos um casting com diferentes etnias e tipos de cabelo, eu optei por respeitar a textura natural de cada um. A gente queria que esse cabelo verdadeiro fosse mais um elemento de um visual natural, que fosse próprio de cada modelo”, completou.
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