Certo dia, Noemi Cardona decidiu aplicar técnicas de artesanato em novas matérias-primas que estavam em desuso. O resultado? Peças únicas de arte, modeladas em formato de bolsa, facilmente usadas no cotidiano e sustentáveis: o chamado artesanato contemporâneo. A empreitada deu tão certo que virou negócio há três anos em uma parceria de Noemi com sua sócia, Petruska Canet. Nasceu ali AWANA. E não demorou muito para uma terceira mulher visionária ajudar nessa história: Rosilane Jardim, diretora criativa da Karamello, que hoje expõe as peças em suas lojas espalhadas pelo Rio de Janeiro. Uma forma de conciliar sua moda, que veste uma mulher real e quebra paradigmas e preconceitos, com duas parceiras que andam na mesma linha tênue, ofertando um olhar paralelo à moda engessada e formando, assim, uma grande corrente.
O trabalho da AWANA, sobretudo, tem caráter de responsabilidade social e ética ao transformar material reciclado em peças de arte. Handmade de qualidade e fashion. Quem explica é Petruska: “Todas as peças são feitas à mão e levam de cinco a sete dias para serem confeccionadas, pois os papéis (rejeitados de empresas) passa por vários processos até ser modelado em forma de bolsa. Eles são cortados e tratados. Cada processo é diferente para cada peça. As tramas são feitas de quadrados independentes. Então, tem que ser muito bem calculado e dobrado para que tenha um equilíbrio. Temos como filosofias da marca a preocupação socioambiental atrelada à arte”. E não é demagogia: “Atualmente capacitamos mais de 50 artesãs que estavam sem alternativas de trabalho e vivendo em áreas de risco no Rio”. O Jardim Gramacho, bairro de Duque de Caxias, onde estava localizado o maior aterro sanitário da América Latina, é uma dessas áreas.
“A realidade de lá é muito triste. Existem mais de duas mil pessoas vivendo em miséria, sem água, saneamento básico e trabalho. É gente batalhadora que ficou sem alternativa após o fechamento do aterro. As mulheres que vivem na região têm muita garra e vontade de vencer. Só precisam de ajuda. Nós queremos provar que é possível trabalhar na região e que as empresas devem se responsabilizar pelo bairro e agir para empregar essas pessoas”, contou Petruska que, pé no chão, sabe que é um processo “trabalhoso”. “Mas algo precisa ser feito além das doações e palavras de carinho. A nossa luta é conseguir construir uma cisterna e abastecer essas famílias que apoiaram e acreditaram no nosso projeto deste o início e, além de artesãs, viraram nossas grandes amigas e parceiras de vida”.
Exemplo de preocupação social que, infelizmente, boa parte do mercado da moda não tem. Para Petruska, a questão é tratada de forma “pequena e pontual”. “São usadas como ações de marketing, sem um objetivo transformador. Temos muita dificuldade em encontrar materiais que possuam design e qualidade sendo sustentáveis, mas é um movimento muito novo. Então, continuamos esperançosas com a mudança a longo prazo”, avaliou. Se o mercado não ajuda, por outro lado, os consumidores já abriram o olhar para essa questão. “Eles acham as peças lindas, se interessam pela história, curtem de verdade, além de ter preço justo. Fora do Brasil, nós vendemos em Paris, Ibiza, Barcelona, Madri, Valencia e Alicante”, listou. Ah, e qualquer semelhança desses points com os avanços europeus de primeira mão não é mera coincidência. “Lá existe uma super valorização do feito à mão, exclusivo. Por isso, nós decidimos começar a internacionalizar nossa marca”, explicou.
Os planos, aliás, vão além. “Os próximos passos são seguir trabalhando, crescer como marca, criar novos produtos dentro da nossa filosofia e poder empregar muitas mais mulheres guerreiras que a vida ainda não deu oportunidade”. Fácil, Petruska, em nome da dupla, sabe que não será, “porque o mundo ainda não se preocupa o suficiente com questões tão importantes”. Mas força não falta. Até porque o nome AWANA, além de ter sido criado a partir da geometria dos produtos que tem como principal característica a forma repleta de pontas, com quadrados apontando para cima, as sócias brincaram com o trocadilho do termo ‘I WANNA’, que é “tudo que a marca quer, além de ter uma fonética forte e para cima”. Assim como elas.
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