Não é novidade para ninguém que a indústria da moda se desdobra todos os anos em mil fragmentos para tentar
equilibrar e desenvolver inspirações que atendam às ávidas necessidades dos consumidores, sem perder o estilo e
a essência artística de suas coleções, não é mesmo? Pois bem, pensando nisso, o Conexão Inspiramais, que conta com a curadoria do estilista Walter Rodrigues, tem se reunido em diversas palestras espalhadas pelo país afora para decifrar o que será tendência nas próximas estações. E, nesta terça-feira, o Fórum de Inspirações finalmente chegou ao Rio de Janeiro para adiantar o que os brasileiros estarão usando na temporada Verão 2018. Com apresentação da consultora em design de produtos e integrante do Núcleo de Design da Assintecal (Associação Brasileira de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos) Tatiana Souza, a palestra reuniu os integrantes dos principais polos produtivos brasileiros, que se destacam nos segmentos calçadista, confecções, couro, têxtil, artefatos e materiais, para conhecerem o que há de mais moderno e inovador em indicativos de tendências para o desenvolvimento de produtos, nos quesitos texturas, cores, formas e estampas para a época mais quente do ano.
Para ela, o momento será de ressignificação. “Acho que o consumidor está em busca de coisas que tenham significado e um apelo afetivo muito mais forte. Aquilo que é descartável já não interessa mais, está quase sendo banido. É difícil de falar a peça-chave que será predominante, mas a estamparia da cultura africana, bordas em neon, os acessórios em 3D nas roupas e os tênis estarão em alta. No ramo dos calçados é uma observação que vem acontecendo desde agora, já que a venda dos saltos caíram drasticamente no último semestre”, avaliou ela. No entanto, apesar de ainda faltar um tempinho para que as apostas se concretizem, ela explicou com detalhes como funciona esse novo formato.
“A palavra-chave desta edição é apropriação. O nosso trabalho parece um pouco de vidente, mas, na realidade, não
é bem assim”, alertou. “Se trata de um monitoramento de mercado para acelerarmos a cadeia produtiva. O grande
objetivo é alinhar a produção dos desenvolvedores de produtos com os fabricantes. A grande missão é nos tornarmos antecipadores nas referências para que as indústrias possam ter tempo para correr com suas coleções e os fabricantes de matéria-prima”, disse ela. De acordo com Tatiana, apesar de no passado a Assintecal ter um público alvo voltado para o segmento calçadista, hoje, a associação segue mirando em diversos ramos do mundo da moda. Tanto que atualmente, o Inspiramais se tornou um evento que também tem dado assistência aos segmentos da moda praia, joia, lingerie e até do automobilismo. Não é à toa que sua expansão tem sido de grande valia para os fashionistas de plantão. Durante as palestras, seus representantes têm explicado como funciona a chamada Pirâmide de Desenvolvimento de Produto.
Para explicar melhor a coleção Verão 2018, o Fórum de Inspirações propôs uma espécie de gráfico, que representa os 100% do mercado de moda. A aplicação da pirâmide pode acontecer na criação de produtos,
planejamento de coleções ou no varejo. Os 10% representam a experimentação e busca pelo novo, encontrados em
produtos de investimento a médio e longo prazo, que expressam a inovação da marca. O público-alvo desses produtos são os consumidores que ditam as tendências que serão consumidas por outras pessoas. Já os 30%
expressam a racionalização do processo. O que antes era feito de forma manual, como o bordado, agora é representado com estampas digitais. É importante aplicar esse processo em peças que obtiveram sucesso na fase
de experimentação. E os 60% sinalizam a massificação do produto e o ganho das vendas por volume. A operação
deve ocorrer em cima de peças que já possuem experiências de sucesso. É possível também, explorar as tendências consolidadas no mercado e que vão atingir a maioria dos consumidores.
“A pirâmide é uma linha de pensamento, que traz uma espécia de planejamento para os estilistas. O objetivo é muito importante para uma coleção. E hoje, a gente não tem mais tempo para errar. Eu, enquanto criativa, acredito que os produtos cumpram papéis diferentes dentro de uma coleção. Alguns são produtos de combate, outros mais conceituais e outros que agregam processos diferenciados. A gente não pode ficar apenas copiando produto e vendo o que o vizinho está fazendo. Isso é correr atrás do próprio rabo. O mercado é muito dinâmico, assim como o consumidor. É importante que a marca, esteja atenta a tudo que está acontecendo, mas sem perder o seu DNA. É ideal que a pessoa some coisas a sua marca, mas perder sua identidade. Crise a gente sempre vai ter. Eu acredito que os clientes que sucumbiram com essa crise atual, já estavam doentes”, disse ela, que compõe um time de 20 designers neste processo de busca do novo cenário da moda.
Para Tatiana, é imprescindível que todas as marcam sigam esse padrão para não caírem nas ciladas do mundo
fashion. Nós do HT, que não somos bobos nem nada, tiramos todas as dúvidas para quem está imerso no mercado
do mundo da moda. “A experimentação da marca é fundamental, obviamente dentro dos limites do nosso conhecimento. E temos que estar sempre atentos para que os 10 um dia cheguem aos aos 30 e depois aos 60%. A gente precisa ter esse tipo de produto na nossa coleção, porque é onde vão surgir novas ideias a partir do feeling de mercado. Se a gente tem uma coleção que está acontecendo e é consolidada, alguns produtos experimentais não vão prejudicar. Por mais trabalho ou demanda que eles possam vir a ter”, constatou, que ainda aproveitou para falar da fase “30%”. “Ele é a grande aposta! Mas é preciso repensar a engenharia dele. Porque na fase artística, perdemos mais tempo e dinheiro para construir peças, já que a tiragem é menor. Então, nos 30% temos que alinhar montagem, tempo e qualidade, claro”, disse.
Mas aí chegam os 60%, que se tornam a galinha dos ovos de ouro: “Esse mix de produtos na pirâmide é muito importante para gente entender como se monta uma coleção. Apesar de ser o pedaço que mais da rendimento para a marca, não tem como a gente vender só os 60%, porque vira uma grande padaria, e muito menos só de 10%, porque ninguém é artista plástico. A moda é cíclica, o que era 10 um dia vira 30 e o que era 30 vira 60. O empreendedor tem que apostar em algo novo para essa pirâmide sempre ser alimentada”, ensinou.
Recentemente, grandes marcas têm aderido ao sistema see now buy now para divulgar suas coleções. Nesse modelo, o tempo entre os desfiles e a chegada das peças às lojas diminui e se torna quase imediato – diferentemente do que acontece hoje, que algumas marcas vêm timidamente assumindo esse novo formato. Debates foram gerados sobre a eficiência ou não deste conceito no mercado de moda brasileiro. Tiveram os entusiastas, mas também os críticos que enxergaram na dinâmica algo nocivo principalmente para marcas sem grande infra- estrutura, que poderiam ser engolidas pelas maiores. Para Tatiana, o momento ainda é de transição e avaliação. “Eu acho que tem público para tudo. Há uma galera do consumo que vê agora e quer agora mesmo, mas também tem a turma do low fashion. Acho que nenhuma sobrepõe a outra. Talvez pelo sistema estar nessa explosão, eu acho que ainda não veio para extinguir a maneira antiga de se fazer moda no Brasil e no mundo”, disse.
As palavras reconstruir, reformar e ressignificar estão presentes na ideologia Verão 2018. Tanto que graças a individualidade do consumidor, o mercado se modificou para uma nova obervação. “A gente vive um momento de hipersensibilidade, tanto na internet quanto nas ruas. E um dos temas mais sensíveis que estão em voga é apropriação, principalmente a apropriação cultural. Isso é incrível, porque possibilita criarmos novos caminhos e novas percepções. Temos que pegar o que já existe, o que é ordinário e transformar em extraordinário. O momento não é de reinventar o moda, mas sim de olhar para o que é comum e transformar”, apostou.
Dúvidas esclarecidas? Então, chegou a hora de falar sobre as novidades que os consultores da Inspiramais reservaram para gente em cada campo da pirâmide de produção. Como Tatiana Souza disse, a palavra dessas criações deverá ser “apropriação”. Sobre os 60%, a consultora apostou em temáticas que variam de máscaras, neon, camuflagem, grafite e retrô. “No verão 2018, nós teremos na base dos 60% a questão do neon. Que é a evolução da luminescência, que a gente pode pensar em efeitos neon nos solados, costuras, alças para sutiã e até no acrílico para acessório. Nas roupas, ele ganhará destaque principalmente nos contornos. A consolidação dele veio através das Olimpíadas quando a equipe da Inglaterra surgiu com o badalado tênis branco com solado luminescente”, ressaltou ela, que não descartou a permanência dos calçados claros. “A febre dos tênis brancos continua, mas com os solados iluminados em neon de cores vibrantes”, entregou.
A permanência clássica de tecidos leves também continuam e ganham formatos geométricos com superfícies limpas. Segundo Tatiana, a grande sacada das peças ficam através da textura dos materiais. “O segmento minimalista estará muito em alto também. As cores preto e branco acho que prevalecem, com cores mais sóbrias. Mas também gosto muito de pensar em combinações aleatórias de cores. Você pegar uma peça única bem colorida e sobrepor em look branco monocromático. No minimalismo também tem essa questão do look total white, que trabalha com diferentes tons e texturas de brancos na mesma composição. Principalmente nos tecidos de couro. A estamparia racing também vem com tudo, que é a grande influencia do esporte na moda, com quadriculados”, disse.
Já as estampas ganharão vida em um peças de alto relevo com a chegada do universo 3D. “O reticulado sai do 2D e entra do universo 3D com rebites e muitas cores, que permite o estilista brincar com as novas produções. A pichação também é uma inspiração que vem com tudo. A arte gráfica e a street art está ai em todo lugar. É bem bacana construir novas padronagens em cima disso. Tudo com uma modelagem muito básica. O que esta sendo retrabalhado são as estampas e as aplicações e as cores”, adiantou.
Já no quesito 30% da pirâmide, as estampas étnicas voltam com tudo exaltando, desta vez a cultura africana. De acordo com a consultora Assintecal, a apropriação pelas raízes brasileiras vem com grande força na estação. “A gente vai entrar na questão do primitivo, as estamparias virão com as combinações de cores aleatórias e inusitadas. Os conceitos das tribos africanas também aparecem com força nesse verão 2018. É um universo que todos os seguimento vão explorar tranquilamente. A paleta de cores criam novos formatos e novas percepções, seguindo ainda com a modelagem muito básica”, disse ela, que, curiosamente, ainda destacou tecidos mais grossos. “Mesmo sendo verão, o veludo e chenelli serão muito explorados”, destacou.
Em relação aos 10% da pirâmide criativa, Tatiana acredita que esta tradução será feita a partir da combinação dos termos subversão. “É uma reflexão de como olhar para as referências e subverter a forma com que são apresentadas. Mas também, de alguma forma, adaptar elementos dentro de uma coleção. Então, como as modelagens podem se transformar a partir disso e as referências de estamparia, forma e cor vão se construir nessa história. A apropriação e respeito cultural é a base do nosso 10%. Até porque é um dos tema mais significativo nesse momento. Quando a gente começou a pensar nos 10%, a ideia foi ressiginificar peças. Os florais também prometem ganhar as passarelas, mas de uma forma diferente: as peças ganham formatos em 3D sobre as mangas das blusas, nas bijuterias e nas bolsas. Os acessórios começam definitivamente a integrar as peças”, completou. Após a passagem do Fórum de Inspirações por diversos polos, o Inspiramais será realizado em São Paulo, nos dias 16 e 17 de janeiro.
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