Relevância, Consistência, Constância, Ousadia e Garra. Cinco palavras/atitudes que definem a chancela que Claudio Silveira, com seu radar 360 graus para a moda, tem imprimido ao dirigir eventos multiplataformas que reverberam a potência e a energia inovadora da cadeia produtiva da moda autoral e contribuem para fazer a roda da economia girar no nosso país. Estamos em contagem regressiva para a retomada presencial do DFB Festival, a ser realizado em mega estrutura montada no Aterro da Praia de Iracema, em Fortaleza (CE), entre os dias 25 e 28 de maio. Claudio Silveira é o idealizador e maestro do maior encontro da moda autoral da América Latina em sinergia com ações multiculturais, contribuindo assim para o desenvolvimento da cultura de moda, incentivo aos novos talentos e também para o fortalecimento da indústria de têxteis e confeccionados no Ceará e em vários estados.
“O DFB Festival é um exemplo do pensamento coletivo, do compartilhar – e olhe que estamos nessa dianteira há mais de 20 anos -, pois seu próprio formato é uma construção coletiva, em que diferentes potências são convidadas a participar de um projeto maior de luta em prol da criatividade”, pontua Claudio Silveira, acrescentando: “É responsável por jogar um holofote sobre os novos talentos da moda autoral. Mas, o que fazem com essa luz, é mérito individual. Sobre ver nossos talentos superando desafios e conquistando novos espaços, lhe digo com toda a humildade: estamos apenas colhendo o que plantamos. É para isso que trabalhamos para realizar o DFB Festival. Meu lugar é na ponta dessa plataforma; pescando nomes novos e os lançando no mar alto. Sou só um operário da moda”.
E, Claudio, como um designer pode inovar e se destacar no mercado nos dias de hoje? “Vivemos um momento em que ser verdadeiro – e ter a capacidade para comunicar isso – é uma poderosa ferramenta para fazer um nome sobressair-se aos demais. É preciso furar a própria bolha. Conseguir enxergar um palmo acima da superfície desse mar turbulento de informações e estímulos pode ser o segredo para quem deseja se sobressair na indústria”.
Confira o nosso bate-papo:
Heloisa Tolipan – Como o meio ambiente, a sustentabilidade, a economia criativa, o zero waste em prol de um mundo melhor tem pautado o DFB?
Claudio Silveira – Nosso evento é 100% neutro em carbono; a totalidade do lixo gerado durante os 4 dias de programação é coletada de forma consciente, em parceria com a EcoEnel, devidamente separada e transformada em créditos de energia, que doamos para instituições beneficentes. Nós estimulamos nossos designers a investir nos princípios da economia criativa; e nosso Mercado Criativo também é a prova de que podemos construir alternativas mais conscientes de produção e consumo de moda.
“O DFB é um Festival que movimenta a cidade, e todas as ações direcionadas a ele são embaladas por um pensamento inovador. Esse foi um dos argumentos que alçaram Fortaleza ao posto de Cidade Criativa do Design, em título outorgado pela Unesco”
HT – O DFB Festival, criado por você, chega à 22ª edição, consagrando-se pela programação diversa e reforçando a vocação do Ceará como epicentro para a fomentação da moda, da cultura, da formação e da valorização do turismo. Quais as dores e alegrias que enfrentou até aqui?
CS – Vamos colocar da seguinte forma: para cada dor, uma alegria veio junto. Porque fazer o DFB consiste em estabelecer metas sempre maiores e fazer de tudo para superá-las. Às vezes, acontece de, por algum motivo, não atingirmos o objetivo. Por outro lado, são inúmeros os momentos positivos que surgiram sem qualquer aviso. O Ceará de 23 anos atrás, já não existe. O que é ótimo! Porque evoluímos. E evoluir consiste em manter-se em movimento.
HT – A partir do incentivo aos novos talentos, o DFB Festival contribui para a oxigenação do mercado e aprimoramento do trade. Como avalia o fazer moda hoje e amanhã?
CS – A missão primordial do DFB é possibilitar o acesso dos talentos emergentes a uma plataforma de grande relevância. O evento nasceu com esse propósito. Por isso, nesses 23 anos, nós criamos e ampliamos programas de fomento e visibilidade para quem, normalmente, não conseguiria. A indústria da moda é cara; envolve muitos profissionais, tanto para desenvolver uma coleção, quanto para prepará-la, mercadologicamente, para ser comercializada. E é aí que nós entramos: fazendo com que novos talentos e designers de micro e pequeno porte, sejam tratados como grandes players. Mas, grandes oportunidades requerem, também, grandes responsabilidades. Depois que o DFB passa, nós avaliamos como estão aquelas marcas que ganharam uma chance de participar do evento. Analisamos, ainda que de longe, sua performance pós-desfile; seu comportamento nos meses que se sucedem… Tudo para nos assegurar que a mensagem foi percebida; que aquela marca aprendeu lições valiosas. E, se tudo correr bem, a ideia é que, no ano seguinte, ela retorne ao evento mais consistente. Essa cadeia de eventos pode ser usada também para ilustrar o que seria “fazer moda hoje”, no Ceará, que abriga um evento como o DFB Festival. Sobre o amanhã, o que vemos é uma inquietação. Os millenials e a geração Z, que já estão criando e se jogando no mercado, entram no jogo com novas propostas de criar, de planejar e de colher resultados. Mais do que ensiná-los, talvez nós tenhamos mais a aprender com eles.
HT – O modelo de semana de moda apenas com desfiles, como vemos ainda em muitos locais, está fadado a ficar na história e não ser mais uma realidade?
CS – Há praticamente 15 anos o DFB não é somente uma “semana de moda apenas com desfiles”. Nossa vocação é ser plural, multiplataforma. Por isso, depois de muito pensarmos, assumimos o “Festival” como nosso sobrenome, cinco anos atrás. Talvez por sermos esse caldeirão que engloba toda a cadeia produtiva, movimentado pela energia inovadora da moda autoral. Outros eventos nacionais seguiram nossos passos. E, pelo menos no Brasil, essa parece ser uma realidade estabelecida. O desfile de moda, por si só, deixou de ser uma novidade para nosso público. Ele precisa de mais atrativos para sair de casa, se locomover até o local e passar algumas horas. As semanas internacionais, no entanto, com exceção das experimentações de calendário e formato híbrido (muito por conta da pandemia), continuam inertes no formato tradicional. Não sei até que ponto isso se sustenta, mas é uma outra dinâmica no mercado externo. No Brasil, moda reflete a ebulição em que nossa sociedade se encontra. Por isso, o formato tradicional das semanas de moda simplesmente não faz mais sentido.
HT – Você tem uma frase dita em outubro de 2021 em plena pandemia: “Diferente de 20 anos atrás, hoje a moda é identificada como parte da epiderme viva da sociedade, dissolvendo as fronteiras entre classes e culturas, agregando mais do que segregando. As pessoas já assimilaram que moda vai muito além da roupa: ela compreende comunicação, anseios, projeções e formas de se expressar. Hoje, temos mais respostas que perguntas”, Passados seis meses, o que você pode acrescentar?
CS – Que as perguntas continuam em maior número que as respostas. Em 20, 25 anos, experimentamos uma profunda transformação no fazer e consumir moda, não só no Brasil, como em todo o mundo. A forma tradicional do ciclo comercial de uma peça de roupa hoje obedece à velocidade das redes sociais. Uma velocidade que não para de crescer. Enquanto sentimos o esgotamento de algumas fórmulas – como o próprio formato tradicional das semanas de moda brasileiras – presenciamos fenômenos que transformam microinfluencers em verdadeiras plataformas de lançamento e definição de tendências. Olha como isso é louco: cada bolha contém em si um universo complexo de desejos, percepções e anseios que podem definir como a indústria da moda e a própria sociedade poderão se comportar nos próximos meses. Vivemos uma espécie de democracia do meme; a função que as novelas exerciam, determinando como as ruas se vestiriam, hoje migrou para os perfis nas redes sociais. Furar a própria bolha, conseguir enxergar um palmo acima da superfície desse mar turbulento de informações e estímulos pode ser o segredo para quem deseja se sobressair na indústria.
HT – Com a retomada, a palavra inovação vai definir a principal abordagem das ações do DFB, e é, também, o pressuposto criativo que deve inspirar curtas-metragens que orbitam em torno do universo da moda, contemplados no Concurso MoveModa. Pode nos contar sobre esse seu projeto mais uma vez vanguardista?
CS – Nossa mostra de fashion films MoveModa sempre nos surpreende. Esse ano, contamos com participantes de oitos estados. Ou seja: dentro do DFB, você pode encontrar um outro festival, de curtas-metragens, com abrangência nacional! E produzido das mais diversas formas, com os mais diferentes budgets. É a cara do DFB e é a cara dos criativos que buscam na inovação um instrumento de sobrevivência. O MoveModa é, na minha opinião, uma plataforma de resistência para quem ama o audiovisual. Aqui, o que vale, mais do que um trabalho correto, impecável, é a energia criativa depositada nele.
HT – Os vídeos selecionados serão publicados nas redes sociais do DFB e exibidos antes dos desfiles presenciais e remotos, que marcam a retomada do evento de forma híbrida. Como será essa divisão entre o presencial e o digital? E como foi o feedback das ações que você fez digitalmente durante o período mais crítico da pandemia?
CS- Os 21 vídeos selecionados serão exibidos individualmente, sempre antes de um dos desfiles do nosso line-up. Antes, cada um deles é apresentado em nossas redes sociais. Continuamos utilizando essas redes como nossa principal plataforma de acesso ao DFB. Sabemos que as pessoas querem resolver tudo direto ali, no Instagram, no Face, no YouTube. O que nos leva à outra parte da pergunta: sobre o feedback de nossas ações durante a pandemia. Em 2020, no auge das incertezas, conseguimos emplacar o DFB DigiFest com praticamente tudo o que havia na edição presencial: dos desfiles à gastronomia, passando pela mostra de curtas e pela programação formativa. O sucesso foi tanto que, em 2021, partimos para uma empreitada ainda mais ousada: usar o ambiente virtual como um laboratório para discutir questões a fundo, envolvendo o trade da moda. Assim foi o DPM Digital. Como resultado, conseguimos acessar um número incrivelmente maior de pessoas. Se, numa edição presencial, reunimos 30, 40 mil pessoas, esses números se multiplicam, levando em conta o alcance e o impacto das nossas ações online.
HT – Há seis meses, você nos falou que, no Ceará, foi criada a iniciativa 100%CE. “A ideia é que, juntos, possamos reposicionar o Ceará no lugar que um dia o estado ocupou, na liderança produtiva de mercado”, pontou. E como isso tem se dado? Como será a visibilidade do projeto no DFB?
CS – Nossa luta com a indústria envolve muitos fatores e interesses, infelizmente, ainda dispersos. O setor industrial da moda cearense é acometido pela falta de um olhar em comum; um objetivo coletivo pelo qual todos estejam dispostos a lutar. Não adianta o DFB sozinho querer entrar no campo de batalha. Ao criarmos o 100%CE, a meta era unirmos forças de um jeito jamais visto no estado. Estamos lutando para isso. O mar é turbulento, mas a nossa praia é encarar e superar desafios. Nessa primeira edição, contamos com a força do jeanswear cearense para abrir caminhos e pavimentar a estrada que o 100%CE deve construir. Ainda é cedo para prevermos o que vem pela frente, mas posso adiantar que o DFB Festival continua firme, na dianteira, levando o nome do Ceará para todo o planeta. E é bom que o trade da moda abra seus olhos para não ficar para trás nessa corrida.
HT – Como é a vida de Claudio Silveira durante os 365 dias do ano respirando moda? Quando o chamam de empreendedor da moda, como esta definição reverbera em seu coração?
CS – Empreender moda é ir bem além do ciclo produtivo que norteia nosso segmento e isso vale também para o setor de eventos. O DFB é apenas um momento (talvez o mais intenso) na rotina das empresas que eu e Helena (Silveira), minha sócia, esposa e parceira profissional, gerimos. Somos um típico exemplo de gestão empresarial familiar: sempre trabalhei em família e, agora, os filhos já dominam diferentes aspectos dos nossos negócios. Então, temos eventos para planejar, fornecer material e executar; temos um empório de design e mobiliário; temos nosso braço dedicado a grandes projetos, como o próprio DFB e o ID:Rio, para citar alguns.
( Idealizado por Claudio Silveira, o ID: Rio, multiplataforma proporcionando a conexão entre moda, cultura, capacitação, empreendedorismo e música, foi realizado entre os dias 15 e 17 de outubro de 2021, no Reserva Cultural, em Niterói, apresentado pela Enel Distribuição Rio e pelo Governo do Estado)
HT – Em uma época cuja velocidade da informação e tecnologia é de alta potência como alinhavar sonhos e torná-los realidade?
CS – O lado bom da velocidade da informação talvez seja exatamente este: nunca foi tão fácil chegar a um grande número de pessoas sem dispor de dinheiro ou estratégias mirabolantes de marketing. Vivemos um momento em que ser verdadeiro – e ter a capacidade para comunicar isso – é uma poderosa ferramenta para fazer um nome sobressair-se aos demais. O que posso arriscar é que saber comunicar sua própria verdade é uma maneira infalível de você atingir suas metas. Acredito, inclusive, que até mesmo o conceito de “sonho” virou uma coisa ainda mais abstrata nesses tempos tão acelerados. Porque sonhar demanda tempo; é um prato de cozimento lento. E as pessoas parecem ter cada vez menos paciência para cultivar planos a médio e longo prazo. Sonhos, então, cedem lugar para desejos momentâneos – o que, em tese, é ótimo para a indústria da moda, mas que, por outro lado, pode enfraquecer os elos da cadeia relacionados à legitimidade e inovação.
HT – Pesquisas recentes mostram que os consumidores darão preferência às marcas com propostas e que tenham uma pegada claramente social e de sustentabilidade. Comente o que você tem visto a respeito de mudanças.
CS – É um processo. Essa tendência deve, felizmente, virar regra em algumas décadas – até pela própria subsistência da indústria da moda, que não vai aguentar esse ritmo por muito tempo ainda. O importante é encararmos a conscientização de consumidores e do mercado produtivo não como uma megatrend de consumo, mas, sim, como um movimento natural e inteligente. Uma evolução. Marcas com propósito são o que nós buscamos na curadoria das marcas que participam do DFB Festival. Empresas com compromisso social e sustentável são nosso modelo a ser seguido. Mas, voltando ao início da resposta, é tudo um processo. Estamos caminhando no sentido correto; haverá ainda muita resistência e, certamente, alguns passos para trás serão dados.
“Tudo vale a pena se vislumbrarmos o que há pela frente: uma indústria da moda ciente de seu papel em um planeta que não suporta mais ser tratado da mesma maneira dos últimos 150 anos”
HT – O que os brasileiros querem consumir de moda hoje?
CS – Numa conjuntura de crise, pós-pandemia, em ano eleitoral, o brasileiro, literalmente, parece ter mais com o que se importar do que com o guarda-roupa. Por isso, acredito que ele comece a aderir ao movimento que caracteriza o consumo de moda na Europa: a de consumir cada vez menos, trocando quantidade por qualidade. O minimalismo é outra das possibilidades que parece se consolidar no horizonte. O desafio para a nossa indústria, portanto, é saber como manter a roda girando, com os índices empresariais positivos, diante de um consumidor mais consciente e menos alienado. Nesse sentido, o brasileiro caminha na contramão: prioriza preço, ao invés da qualidade; até mesmo por necessidade. Estamos longe de um modelo ideal de consumo, mas, ao mesmo tempo, o horizonte nunca pareceu tão promissor quanto agora.
HT – A moda brasileira ainda bebe na água da europeia?
CS – Primeiro temos que definir o que seria essa tal “moda brasileira”, porque pode existir um multiverso de “modas brasileiras” pra gente tentar entender. Se o foco é nos magazines, no fast fashion, podemos dizer que sim, nós bebemos na água do mercado internacional. Temos aí cultura k-pop, o fenômeno do TikTok, só pra citar alguns dos elementos que atuam para a construção de um desejo de moda “globalizado”. Tempos liberais, como esses, podem atuar de forma difusa para uma moda que preza pela legitimidade. Agora, se estamos falando dos criadores autorais, dos ateliês, aí posso afirmar com certeza que a água que nós bebemos é 100% brasileira, regional, local. Para essa parcela de criadores de moda, olhar para dentro é descobrir um vasto universo de possibilidades renováveis.
HT – De forma geral há um esforço em lançar um olhar mais atento à nova economia. O capitalismo ‘selvagem’ que levou o mundo à busca desenfreada dos lucros individuais, causando desigualdades abissais, miséria, destruição do meio ambiente, vem sendo repensado, questionado. As consciências individuais, diante do coletivo também se ampliaram?
CS – São várias possíveis respostas. Sim, as consciências individuais ganharam força, principalmente nos últimos dois anos. E quando falamos em individualismo, temos que estar atentos ao que isso pode implicar, na prática: pessoas mais isoladas, desconfiadas, focadas na autossatisfação. Por outro lado, o pensamento coletivo é algo que parece vir forte, principalmente ancorado nas novas gerações de consumo e produção. Para elas, compartilhar é mais importante que simplesmente adquirir.
HT – Como o trabalho das rendeiras, bordadeiras, ícones do handmade do Nordeste, tem se adaptado aos novos tempos? Como inserir uma nova geração nesse universo?
CS – O nosso “feito a mão” continua praticamente o mesmo desde que nasceu, três séculos atrás, fruto de múltiplas ancestralidades. O que os novos tempos podem implicar em seu processo? Na prática, muito pouca coisa. Os saberes, as técnicas, as manualidades das nossas artesãs demandam um tempo precioso e lento para que sejam transmitidos de geração a geração. A velocidade do consumo atual simplesmente não cabe nesse universo delicado. Em termos de produção, o tempo é um só e as rendeiras, por exemplo, são senhoras absolutas dele, não adianta fazer o relógio correr mais rápido. Já do ponto de vista do uso das artesanias como elemento agregador de design, aí o universo é vasto. O que eu percebo é que os novos designers ainda são reticentes em experimentar tipologias. Como se houvesse uma barreira entre seus anseios de inovação e as técnicas conservadoras de obtenção de uma artesania. O ideal é que os designers se dispam de seus conceitos, de seu academicismo, de uma possível arrogância profissional, para escutar as vozes das artesãs e compreender como, a partir disso, elaborar e viabilizar novas possibilidades.
HT – O Ceará é um grande polo de fabricação de jeans. Como está hoje a inspiração do jeans made in Ceará? O que ele tem de diferencial para concorrer em um mercado tão acirrado?
CS – O Ceará é um estado privilegiado. No século XIX, nós chegamos a ser o maior fornecedor de algodão para a Inglaterra! Aqui, nós condensamos toda a cadeia produtiva: do plantio ao descarte e reuso de insumos da indústria do algodão – e do jeans, por tabela. Nosso jeans já foi sinônimo de irreverência, de criatividade. A muito custo, nos posicionamos entre os players de maior qualidade. No entanto, sempre tivemos grandes desafios para os setores de maior valor agregado. Atualmente, nosso maior diferencial é o fator econômico, o custo-benefício. O que eu proponho é trabalhar o jeans 100% cearense também como artigo qualificado, premium.
“Temos insumos, mão de obra qualificadíssima; temos um parque fabril de primeiro mundo; temos designers criativos e inovadores. Nosso jeans feito no Ceará tem a faca e o queijo não mão”
HT – A lingerie no Ceará também é fortíssima em termos de produção. Percorrendo o chão de fábrica e estando em contato sempre com os grandes empresários, como você percebe o setor?
CS – O que mais me impressiona no segmento de moda íntima cearense é a sua força. Estamos entre os líderes nacionais e o mercado parece cada vez mais promissor para esse setor. Além do mercado interno, nossas empresas atendem a todo o Brasil e apresentam fortes índices de exportação. Números que só crescem. No DFB Festival, as marcas convidadas são aquelas que apresentam uma postura mais sólida e inovadora. Nós sempre buscamos nomes aspiracionais, e, nesse segmento, o que conta para nós, do DFB, é a capacidade que essas empresas têm de se reinventar e comunicar de maneira impactante o fruto de seu trabalho. Dessa forma, acredito que consigamos inspirar não só o segmento, mas todo o trade.
HT – Valorizando a formação e promovendo ações multidisciplinares em diálogo com a cultura de moda, a programação do DFB sempre esteve em sinergia com universidades do país, que desfilam suas coleções no evento. O que tem a comentar?
CS – O DFB é praticamente a maior vitrine para a indústria pinçar novos talentos. Acredito que, em mais de 15 anos, o Concurso dos Novos adquiriu esse mesmo papel, só que a nível nacional. Hoje, uma faculdade ter seu trabalho selecionado ou premiado, implica uma poderosa chancela qualificativa, facilitando a inserção desses jovens no mercado de trabalho. Em resumo: o DFB, principalmente através de ações como o Concurso dos Novos, reiteradamente confirma sua vocação como incubadora de talentos para a moda.
HT – Tenho pontuado que os players das indústrias e do varejo estão em conexão e com seus holofotes voltados para a inovação, criatividade, desenvolvimento de conteúdo que fale direto com o consumidor, mostrando os valores da marca. Você com a sua expertise o que tem a comentar sobre esses novos tempos?
CS – Talvez eu tenha uma visão menos colorida sobre esse assunto, apesar de manter meu otimismo de sempre. Ainda há muita estrada pra percorrer. Nosso feito à mão, por exemplo, continua enfrentando as mesmas dificuldades de décadas atrás: escassez de mão de obra, demandas cada vez mais urgentes, e por aí vai. E quando falamos dos nossos talentos autorais, a indústria muitas vezes é responsável por pagar suas contas, mas não por inspirá-los, propiciando parcerias capazes de impulsionar seus negócios – tanto para um lado quanto para o outro. Estamos passando por um momento em que tudo se resume à capacidade de engajamento nas redes sociais. Isso vale para um tênis polêmico da Balenciaga ou para uma camiseta que aparece na novela e viraliza no Twitter. Se não virar meme, parece que o objetivo não foi concluído e o designer ou a equipe da marca, fracassaram nessa missão. Particularmente, eu acho esses novos processos bem complicados. Mas são os tais “novos tempos” e devemos nos adaptar a eles.
“O que me anima: o próprio passar do tempo. É ele – o tempo – quem trata de organizar tudo. Por enquanto, estamos no olho do furacão. Mas logo ali pode vir uma excelente temporada de ventos”
HT – Uma reflexão sobre a metamorfose que cada um de nós tem vivenciado mostra que estamos fazendo uma sincronia entre o nosso universo de autoconhecimento e, ao mesmo tempo, encarando o mundo high tech, que acelerou diversos processos. Estamos passando por uma verdadeira experiência no fazer, vender e consumir moda. Como vê os estilistas alçarem voos a partir do seu incentivo?
CS – São cada vez menos importantes os pontos que conectam o “ser” com o “ter”. Nossos designers – falo especificamente sobre os nomes que integram o DFB – perceberam isso há tempos. Diferentes gerações de criadores, como Lindebergue Fernandes, Marina Bitu, Baba e Vitor Cunha, sabem usar com maestria o vasto potencial das redes sociais. E eles dão um show, cada um a seu estilo. O DFB é responsável por jogar um holofote gigante sobre eles; mas o que fazem com essa luz, é mérito individual. Sobre ver nossos talentos superando desafios e conquistando novos espaços, lhe digo com toda a humildade: estamos apenas colhendo o que plantamos. É para isso que trabalhamos para realizar o DFB Festival. Meu lugar é na ponta dessa plataforma; pescando nomes novos e os lançando no mar alto. Sou só um operário da moda.
HT – Empresas afirmam que têm se engajado em práticas sustentáveis, promovido a diversidade e inclusão, jornadas de trabalho justas e “clima” organizacional mais humano. Nesse sentido, quero abordar temas como ética, inovação, coexistência em meio a uma pluralidade de comportamentos, ideias e realidades. Qual a sua análise sobre o cenário? Muita retórica nas empresas e pouca ação na realidade?
CS – Decisões corporativas dependem bem mais do que de boa vontade dos setores que lidam com gente. Dependem de fatores externos; dos humores da economia; da sutil harmonia entre as grandes potências planetárias. Dependem, também, de microclimas organizacionais: a parada do cafezinho; a saída semanal do happy hour. É a partir desse equilíbrio, efetivamente, que essa sustentabilidade humana pode existir e resistir. O verbo “coexistir”, por si só, já contém a chave dessa questão: aprender a existir em comunhão. Com o outro, com o planeta, com os próprios desejos. Fatores como inclusão, empatia, diversidade, presentes de forma crescente nas empresas, indicam que estamos no rumo certo. Empresas plurais tendem a se adaptar melhor aos movimentos conjunturais e, portanto, estão mais aptas a superar adversidades e crescer de forma sustentável. Mas somos um país ainda com forte influência conservadora – e não falo apenas de política ou de costumes. Existem muitos gestores que resistem a encarar a atualidade como ela se impõe: diversa, colorida, multifacetada. Esses, ou mudam, ou serão engolidos pelo tsunami que tem revolucionado processos, empresas e costumes mundo afora. Olhar para a frente é a única maneira de prosseguir a jornada rumo ao objetivo que você tem.
“Ficar preso ao passado, afundar as raízes no presente, são estratégias que, no mundo de hoje, já não fazem mais sentido. Principalmente para marcas e empresas que desejam crescer na velocidade que a realidade tem determinado”
HT – Estamos vivenciando experiências de compras digitais e físicas, que podem ser chamadas de phygital e um reformular o produzir. Como o DFB promoveu moda nesse período e estendeu a mão aos integrantes da cadeia de uma ponta a outra da produção de moda no Nordeste?
CS – Desde o início da pandemia, nossa maior preocupação foi de manter a cadeia em atividade, gerando renda e garantindo, de alguma forma, um reforço no orçamento doméstico. Mais do que preocupação com as grandes marcas, nossa apreensão maior foi para os micro e pequenos. Por isso nossas edições digitais, em 2020 e 2021 foram pensadas especificamente para tentar levar alternativas para esses segmentos. Realizamos uma série de cursos, webinários e programações formativas para o trade; implementamos, em 2020, no auge da crise, a ação Marmita Fashion, para abraçar restaurantes e bistrôs, representantes da culinária afetiva cearense; distribuímos gratuitamente máscaras de longa duração para comunidades, utilizando equipes da Enel, em uma ação parceira… Enfim… foram muitas ações que vão bem além da moda, especificamente falando.
“Moda é feita por gente, por pessoas, com demandas urgentes e práticas: do prato de comida na mesa até um simples motivo para manter a cabeça erguida com dignidade”
HT – Por fim: o que devemos deixar no passado sobre a moda brasileira e constatar que hoje é o futuro?
CS – Eu deixo no passado a concepção retrógrada de que somos uma cópia tosca do que é feito “lá fora”. Hoje, temos personalidade própria, ainda que em formação. E vamos bem além do que esperam de nós: não somos só coloridos, felizes, tropicais. Olhe a riqueza do nosso país! Somos mais do que simples estereótipos e nada mais justo do que nossa moda ser um reflexo de nossas múltiplas facetas.
“A moda brasileira contém, em si, um multiverso, repleto de possibilidades que geram, por sua vez, infinitas realidades capazes de transformar o mundo de quem as exerce. Nosso tempo se estende em todas as direções e alcança o que antes chamávamos de futuro, mas que nada mais é do que o agora. Chegamos lá, e isso é apenas um eterno (re)começo”
HT – O que você ainda sonha realizar?
CS – Meus sonhos se transformam o tempo inteiro. Hoje, o que posso lhe dizer é que desejo não precisar lutar tanto para que as coisas andem como deveriam, fazendo jus à potência criativa dos nossos talentos. Sonho que nossas pautas tenham o respeito devido e que sejam reconhecidas pela sua fundamental importância na construção de uma moda maior, melhor e mais sustentável.
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