Barbeira vira ‘darling’ do público masculino e se destaca em segmento marcado por preconceito


Luana de Freitas, conhecida como Lua, supera obstáculos da profissão e conquista mercado machista. “Quero ver a merda que vai dar”, disparou um cliente ao ver que quem o atenderia era ela, uma mulher

*Por Vagner Fernandes

Ofício que norteia a vaidade masculina, o barbeamento de homens ainda se apresenta excludente neste tradicional mercado de estética, em que mulheres são recebidas e tratadas com desconfiança. Mesmo hoje, diante das importantes discussões sobre igualdade de gêneros, vê-se empresários e clientes lançando mão, recorrentemente, do preconceito e da misoginia para impedir profissionais do sexo feminino a ocuparem postos nas barbearias brasileiras. A carioca Luana de Freitas, 38 anos, furou o bloqueio no segmento, conquistou o público masculino e vem ganhando reconhecimento na praça predominantemente machista.

“Claro que há desconfiança, mas a minha dedicação e profissionalismo me têm proporcionado trabalhar dignamente, apesar dos obstáculos”, conta Luana, formada e pós-graduada em design de moda e que abraçou a profissão de barbeira por paixão e necessidade de sobrevivência. “Moda não era a minha praia”, diz. Nesta entrevista, Lua Barbie Girl, codinome que adotara, fala de assédio, preconceito, paixão por tatuagens e das adversidades enfrentadas para se manter de pé no mercado.

 

HT – Como você se interessou pela profissão de barbeira?

LUA – Eu comecei sendo assistente de um salão renomado no Rio, mas aquela vibe não me interessava. Já tinha iniciado o curso de cabeleireira, porém ao lado da minha sala, havia a outra de barbearia. Quando eu vi o que eles faziam, pensei: “Mano, é isso que eu quero pra minha vida”. Enfim, tranquei o curso que eu estava fazendo no mesmo dia. Pesquisei antes como era o mercado para as mulheres, haviam poucas, porém as minas se destacavam muito. Dali pra frente, corri atrás no curso mais indicado na época. Logo apareceu a primeira oportunidade de trabalho. Mas tem um local, particularmente, que carrego no coração: a Barbearia do Zé, que conta com inúmeras lojas distribuídas pela cidade.

HT – Você iniciou no mundo da moda. Cabelo é um elemento muito valorizado neste segmento, sobretudo devido à indústria de cosméticos. Você sente os homens também entrando firme nas campanhas de shampoos e produtos para barba?

LUA – Hoje o mercado de perfumaria e produtos masculinos está gigantesco, com muita qualidade, e para vários tipos de bolsos. Tem uma saída menor do que produtos femininos, porque nós mulheres não nos importamos em gastar com cosméticos e beleza. Hoje, o que mais temos são shampoos para barbas, ceras de bigodes, balmes, pomadas diversificadas para vários tipos de cabelos masculinos.

HT – Você enveredou por caminhos trilhados majoritariamente por homens. Enfrentou e ainda se vê diante de muito preconceito? Se sim, pode contar um episódio que a tenha marcado?

LUA – Preconceito existe e aqui no Rio é meio que diário, porque é inacreditável que um cara acredite que uma mulher não vai saber fazer um corte ou uma barba, simplesmente por ser mulher. Muitos nos subestimam, mas temos que saber nos impor como pessoas e mulheres. O que mais me marcou foi o de um senhor que falou que nunca foi atendido por mulher, mas que ia tentar comigo pra ver a “merda que ia dar”. Eu me calei e fiz o meu melhor na barba e no cabelo, mas fui seca do início ao final do atendimento. No final, ele me disse que nunca ninguém tinha feito a barba dele tão bem, e nem acertado o cabelo dele como eu acertei. Enfim, agradeci e engoli. Mas depois do atendimento fui pro banheiro e chorei horrores. Me deu vontade de desistir de tudo. Mas pensei, não posso fazer isso, tenho que ser forte!

HT – Tatuagens são uma paixão. Você participou de concursos e ganhou alguns. Em quantos concorreu e em quais foi premiada?

LUA – Curto tattoo desde os meus oito anos. Minha maior influência foi meu irmão, que fez a sua primeira tattoo com 17 anos.  Vim me tatuar aos 20 anos e dali pra cá não parei mais. Frequento convenções de tatuagem desde 2003, mas por amor à arte mesmo. E nessa época não existiam os concursos de miss tattoo, eles vieram de 2013 pra cá. Eu participei de um total de 6 e ganhei 4: miss tattoo place  1° lugar,2017; Miss Sorocaba Tattoo expo 1° lugar; Tattooed Quenn Sorocaba homenageada 2019 e Musa Sorocaba expo Tattoo agora em 2020. Eu participava, porque dentro do meu trabalho, me ajudava muito, já que barbearia e tatuagem andam colados.  Miss tattoo não é profissão. Mas de fato quando entrava queria mesmo vencer. Mas foi uma fase e já passou. Vamos dar oportunidade para outras pessoas.

 

HT – Você é casada. Como o seu marido lida com o fato de trabalhar com um público masculino?

LUA – Então, meu marido é um cara muito cabeça aberta, nada machista. Porém, mesmo que fosse, eu não deixaria homem nenhum comandar a minha vida, dizendo o que eu devo ou não fazer, ou decidir as coisas por mim. Respeito acima de tudo. Eu sou dona da minha própria vida.

HT – Os homens abusam do fato de uma mulher estarem lhes atendendo? Já se viu em situação embaraçosa por conta de assédios?

LUA – Sim, o assédio infelizmente faz parte, mas não só no meu trabalho. Vemos isso nas ruas, nos bares, nos trens ou em qualquer outra função exercida por mulheres. Só temos que nos impor e colocar o cara no lugar dele.

 

HT – Porque há tão poucas mulheres em barbearias? Você, por exemplo, é a única no local em que trabalhava

LUA – Realmente, existem poucas mulheres na barbearia, porém é uma profissão nova e quem a exerce o faz porque é apaixonado, principalmente as mulheres. Para ser barbeira, você tem que ser muito raçuda! Não baixar a cabeça e ser um pouco “moleque”. Fui demitida devido à disputa interna que se estabeleceu com um homem. Ele ficou e eu fui embora.

HT – Barbeiros ganham menos do que cabeleireiros. Por que motivos?

LUA – A meu ver, os valores cobrados nos salões em função dos serviços são muito mais altos do que nas barbearias, porque, querendo ou não, as mulheres gastam mais do que os homens.

HT – Homens são, de fato, mais vaidosos do que mulheres?

LUA – Não acho que os homens sejam mais vaidosos do que as mulheres. Mas vejo que tivemos uma boa evolução nessa questão, quando surgiu as barbearias modernas. Hoje, alguns se preocupam muito com o corte, a finalização, o acabamento e até mesmo os produtos de embelezamento masculino.

HT – Nunca pensou em se associar a outras profissionais empreendedoras a fim de criar uma barbearia na qual todos os trabalhadores sejam apenas mulheres?

LUA – Sim! Já pensei em fazer exatamente isso, mas na verdade já existem barbearias que trabalham somente com profissionais mulheres. Isso já me deixa muito feliz! A minha sororidade às colegas de profissão é expressada diariamente. Temos que nos unir e não competir!