*Por Jackson Araujo
O atual contexto estendido de pandemia tem nos conduzido a um processo constante de reflexão sobre o que podemos imaginar agora no presente que possa ter um impacto positivo na construção de um novo lugar que venha a se configurar no pós-presente.
Imbuído desse espírito do tempo, nós na Trama Afetiva – plataforma de convergência e pesquisa de estudos em design sobre inovação para resíduos da indústria têxtil e ambiente de diálogo entre pensadores, artistas, ativistas, cientistas, empresários, marcas e sociedade civil para a construção de uma indústria efetivamente inclusiva e diversa e sustentável e criativa e lucrativa e transparente e comprometida 100% com o meio ambiente – resolvemos materializar nossas inquietações no formato de um videomanifesto, a ser apresentado nesse sábado (21.11), às 18h10, dentro da programação do Brasil Eco Fashion Week, totalmente online.
O ponto de partida veio do desejo de um chamado para ação, um convite endereçado inicialmente à nossa rede de designers e tutores, para reacender a disponibilidade da colaboração em tempos de distanciamento social.
A próxima inquietação: como imprimir nossa vontade de ser um movimento de pessoas que conectam pessoas e usam a moda como plataforma de transformação socioambiental, nesse momento em que não podemos nos encontrar dentro de uma oficina presencial e ali gerar, por meio do design, soluções criativas para resíduos têxteis.
Percebemos que o desafio já estava posto, já que desde abril, estávamos nos encontrando semanalmente online para manter viva a troca de aprendizados e questionamentos nesses tempos pandêmicos.
Decidido o time criativo – o costureiro e designer pernambucano Jorge Feitosa, a biodesigner gaúcha Itiana Pasetti e Thais Losso, estilista e especialista em moda e comportamento jovem – e o formato de relacionamento remoto, mergulhamos nas inspirações mais puras dentro dos nossos ambientes ao redor e assumimos o náilon de guarda-chuvas resgatados do aterro sanitário como matéria-prima, um elo de fortalecimento de nossa parceria com a plataforma gaúcha Revoada, criadora de uma nailonteca completa e única.
A inspiração conceitual desse manifesto veio dos impactos e reflexões contemporâneas sobre astronautas, novas viagens espaciais, Pantanal em chamas, descoberta de água na lua, busca pelo autoconhecimento e sobretudo pelos ensinamentos do mestre Ailton Krenak, que nos contou: “A vida é uma dança cósmica”.
A partir daí, entendemos que nosso manifesto deveria ter o formato de uma performance. Convidamos corpos e corpas para um balé fluído construído pela artista da dança Clarice Lima, que criou uma coreografia para revelar “o que nos une e o que nos separa, que movimentos nos conectam e quais nos afastam, o que nos toca e o que tocamos, como dançar juntes quando estamos separades”.
Próximo passo, convidar protagonistas para esse baile: a ativista pelos direitos das pessoas com deficiência Belly Palma; o ator e perfomer ativista dos corpos gordos e emagrecidos Leo de Paula; a arquiteta e designer negra 60+ Leo Mesel; a atriz trans, performer e comunicadora de moda Renata Bastos, formatando um casting plural e único, que fortalece nossa filosofia de que a moda não é mais sobre roupas, mas sobre pessoas.
Chamamos o que foi sendo construído e costurado à distância de vestíveis, nossas notas das partituras coreográficas inspiradas em fenômenos como tornado, terremoto, ventania, maremoto e calmaria, as cápsulas de proteção para corpos e corpas de cada bailarine, que, em cena, tiveram total autonomia para transformar movimentos, modificar passos e espaços. Como diz Clarice Lima: “Virar água”.
Não por acaso, esse é o nome de nosso videomanifesto: Água. Água é o novo petróleo. Água é vida. O elemento onde a vida surgiu. É o que move as novas buscas espaciais. É por causa da água que existe o guarda-chuva.
“Água é uma dança que também é encontro e troca. Uma dança que vibra tudo aquilo que acontece entre os corpos. Uma dança que nos ajuda a não esquecer a importância de estar juntes. Uma dança-corpo coletivo, plural e heterogêneo”.
Dessas costuras coletivas, os vestíveis de proteção em náilon de guarda-chuvas modelados com resíduo zero, são símbolos vivos de nossa inquietude e vontade de cuidar da Natureza, do planeta, dos outros.
Criamos uma espécie de ritual de cura que une políticas afirmativas sobre gênero, raça e corporeidades políticas, assumindo que só conseguiremos abrir frestas e rupturas simbólicas a partir de um processo de co(i)munidade, nosso lugar favorito da moda como micropolítica, onde só quem cuida dos outros pode cuidar de si mesmo.
E sobretudo, com esse videomanifesto “Água” compartilhamos um ensinamento que nos foi trazido por Belly Palma e seu inquieto corpo ativista de uma pessoa com deficiência: “Diversidade é chamar pra festa. Inclusão é convidar pra dançar”.
Vamos bailar?
*Jackson Araujo é comunicólogo e diretor criativo do festival multicultural Trama Afetiva, uma plataforma de estudos e soluções criativas para a indústria a partir da ressignificação de resíduos têxteis
Ficha técnica:
TRAMA AFETIVA apresenta “ÁGUA”
Fotografia: Patricia Araujo e Bruna Blazquez
Direção de movimento e coreografia: Clarice Lima
Performers: Belly Palma, Clarice Lima, Leo de Paula, Leo Mesel e Renata Bastos
Música: Xavier
Direção criativa: Jackson Araujo
Criação dos vestíveis: Itiana Pasetti, Jorge Feitosa e Thais Losso
Parceria conceitual: Luca Predabon e Rogerio Zé
Comunicação digital: Casa Salô
Assessoria de imprensa: Namídia/Marcia Fonseca
Design gráfico: Samuel Tomé
Agradecimentos: Revoada, Publica, Havaianas e Unidade de Triagem do Campo da Tuca
Artigos relacionados