* Por Carlos Lima Costa
Indignada por não conseguir com algumas marcas um look com o número de seu figurino para uma produção rápida em função da apresentação na internet em comemoração ao Dia de Iemanjá, a cantora Alice Caymmi desabafou nas redes. Em sua página do Instagram, ela fez uma postagem intitulada: “O apagamento dos corpos fora do padrão”. Linda, e vestindo um biquíni hot pants no mar com um X cobrindo sua foto, ela foi enfática: “Nenhuma marca tinha meu número nem muito menos vontade de atender a um público que é maioria em prol do padrão da revistinha. Obrigada mercado da moda, você me decepciona todos os dias”.
Fomos conversar com Alice. “Isso sempre acontece. Minha produtora até me poupa um pouco. Mas quando me disse que sugeriram um pano (tipo uma canga, uma peça de roupa da qual é possível amarrar e fazer ajustes no corpo), não acreditei. Eu conheço marcas plus size maravilhosas, mas era uma produção rápida, uma emergência e não tenho o mínimo de paz na vida. Estou cansada disso. Aí na postagem, um cara comentou: ‘emagrece’. Essa concepção do ‘então, emagrece’ é que tem que acabar. Os corpos são diferentes e não somos obrigadas a nos encaixar em regras. Aí tem toda uma galera que levanta e diz ‘questão de saúde’. Ninguém está com meu exame de sangue na mão. Quem sabe dele sou eu. E, aliás, está ótimo”, pontua ela, que, ontem, em homenagem a Iemanjá, participou de uma live de BNegão, no canal dele no YouTube, cantando músicas do repertório de seu avô Dorival Caymmi (1914-2008).
E prossegue em sua constatação: “O corpo gordo não é um problema. É apenas uma característica, como uma pessoa que tem os ombros largos ou um peito pequeno. Isso tem que ser respeitado. O mundo da moda não se cansa de martelar esse tipo de ditadura. Como sou gorda, tenho que fazer produções com muita antecedência. Mas, às vezes, é preciso algo em cima da hora e nenhuma marca tem nada do meu tamanho. Quero ter o direito de ter o corpo que eu quiser, de viver da forma que eu quiser. Não vou deixar de comer isso ou aquilo, nem de viver minha vida do jeito que eu vivo por conta do que as pessoas querem que eu seja. Comecei a me tocar mais disso, ano passado, depois que a Loungerie me chamou para fazer uma campanha maravilhosa como modelo”, assegura ela.
“Independentemente de emagrecer ou não vou continuar com um manequim acima do aceitável pela moda perversa. Quero ter o direito de poder trabalhar com a minha imagem, de poder fazer as minhas coisas sem ter esse tipo de perrengue. Agora, senti necessidade de falar sobre isso, porque fiquei enfurecida”, frisa. Para Alice, todas as lojas deveriam oferecer modelos para todos os manequins.
Alice ressalta que sempre foi uma pessoa muito ativa. Quando era criança, ela nadava muito. “Mesmo assim eu era gordinha e grandinha, as roupas não cabiam, então, sempre foi um drama achar roupa pra mim. Aí na adolescência, fiquei de saco cheio e comecei a usar qualquer coisa. Depois, fui buscando um estilo, mas comecei a ter que mandar fazer, até que hoje em dia eu vi que isso é uma questão política, quer saber, dane-se. Galera, tem que se tocar! Os corpos fora desse padrão são maioria. O consumidor de moda, de roupas do dia a dia, não tem esse corpo da revista. Então, não entendo, porque tenho que ser manequim 38. Para isso, teria que baixar meu peso de um jeito que eu não fico bonita. Vou ficar esquisita, feia, com a cara afundada para poder caber na roupa que eles querem que eu caiba, porque alguém decidiu que isso é o legal? Meu conceito de beleza tem que ser o que eles pensam? Os meus traumas não veem pelo fato de ser gorda. Mas pelo fato das pessoas não aceitarem isso e eu não ter como me adaptar a um mundo que não aceita isso.”
Alice reitera que o peso nunca foi um problema para ela. “Isso nunca foi uma questão nem na minha vida amorosa, sexual. Eu sempre me senti e fui atraente para as pessoas que eram do meu interesse e sempre rolou. Eu tenho um marido que me acha linda e eu já tive várias pessoas na minha vida. Então, no ambiente do desejo, no campo da admiração, eu estou muito bem obrigada. Os fãs gostam, ninguém reclama. O problema está no perrengue da roupa.”
Após a postagem, Alice conseguiu uma roupa exclusiva. “Tem muita gente do meio da moda que acha o meu corpo normal. Mas tem outra galera que não dá mais. O meu post foi para essa galera se tocar que aqui não dá mais para eles existirem dessa forma. Não quero que só eu tenha acesso às marcas boas que estão aqui. Que as marcas sejam para todo mundo. Ah, tem que ir em uma marca plus, em algo especializado. Eu não preciso ir em loja especializada. A moda é que tem que se adaptar. Que todas tenham roupas para todos os tamanhos. Como todas as marcas de maquiagem agora tem base para todos os tons de pele”, ressalta.
Muitas vezes, as mulheres recorrem a procedimentos estéticos e nem sempre o resultado é positivo. No último dia 24, a influenciadora Liliane Amorim, de Juazeiro do Norte, no Ceará, morreu após complicações de uma lipoaspiração. “Morreu por causa de uma lipo e ela era magra. Existe um sistema que se beneficia dessa dor. Todo esse esquema de dieta, de ‘seja magra’, se beneficia das mulheres que se sentem fora do padrão. Tem que ter espaço para todo mundo. A palavra da vez é inclusão, representatividade, mas cadê isso na prática. Ah, porque a moda é disruptiva, é transgressora. Beleza, arrasou! Mas e as pessoas gordas? Onde estão nesta marca disruptiva, transgressora, maravilhosa?”, indaga.
A cantora continua ressaltando sobre quem está em uma busca desenfreada por um propagado padrão de beleza: “Essas moças são vítimas de comentários que as pessoas fazem ‘para o seu bem’, sabe assim. Aí emagrecem dez quilos. ‘Eu estou falando isso para o seu bem. Não seja tão afeminado’. É para o seu bem. É sempre para o seu bem. A gente ouve isso de pseudo amigo, de todo mundo e não é ‘para o seu bem’. Para o seu bem é você se amar, se curtir e conseguir viver igual a todas as outras pessoas sem ser tratada pelo mercado da moda como uma pessoa à margem”.
“Tenho que falar, porque não é todo mundo que tem a minha projeção e pode comentar. A gente precisa se vestir em algum lugar que não seja a lycra da esquina. É complicado, a gente fica muito excluída. Não estou a fim de montar um superlook, não trabalho com moda, trabalho com arte. De uma maneira geral, a moda permeia o meu trabalho. Então, preciso que a moda de uma certa forma colabore comigo e com todos.”
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