Com uma câmera na mão, a fotógrafa Giselle Dias tem sido capaz de formar uma corrente do bem, contando com a solidariedade de vários famosos, em prol da adoção de pets. Ela idealizou o projeto “Amor não se compra” para fazer reverberar a importância de tornar a adoção algo que seja intrínseco ao coração dos brasileiros, seja o animal vindo de uma ONG ou encontrado na rua abandonado. Cuidar de um bichinho requer responsabilidade e não deve ser uma decisão tomada por impulso. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que existam 30 milhões de animais na rua no Brasil. Nestes 12 meses de pandemia do novo coronavírus vimos dois momentos distintos: no primeiro trimestre de 2020, com o distanciamento social, houve um aumento das adoções como forma de amenizar a solidão de muitos. No entanto, hoje o cenário é justamente o oposto e ONGs que acolhem os animais constatam o aumento da demanda e a triste realidade da diminuição de doações para manter os animais.
Portanto, nadando contra a corrente, o trabalho de instituições e ONGs de proteção animal é crucial. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Pet Brasil, 172 mil animais são cuidados por entidades — dos quais 96% são cães e os outros 4% são gatos. No início da pandemia, portanto, a partir de março do ano passado, a procura na web pelo termo “adoção de animais” aumentou 86%. O número de adoções de animais registrados pela Gerência de Vigilância Ambiental e Zoonoses (Gvaz), no Distrito Federal, foi maior do que o dobro do registrado em 2019. A soma de cães e gatos adotados foi 341 contra 168 doações no ano anterior. Em São Paulo, a ONG União Internacional Protetora dos Animais (UIPA) registrou um crescimento de 400% na procura por cães e gatos.
No entanto, como frisei acima, o número de adoções têm caído vertiginosamente nos últimos meses e cresce muito o abandono. A BBC de Londres chegou a chamar a atual situação como “A pandemia do abandono”. O levantamento da AMPARA Animal (Associação de Mulheres Protetoras dos Animais Rejeitados e Abandonados) sugere que, em 2020, o resgate de animais abandonados subiu 70%. Até o início de dezembro do ano passado, a Subsecretaria de Bem-Estar Animal (Subem), no Rio de Janeiro, contabilizou 3.985 denúncias de abandono e maus-tratos.
Portanto, o projeto “Amor não se compra“, lançado ano passado, está em total sinergia em qualquer um dos cenários. A fotógrafa Giselle Dias contou com o apoio de nomes como Thalita Rebouças, Erika Januza, Vitória Strada, Marcella Rica, Cadu Libonati, Nando Brandão, João Vicente de Castro, Laura Fernandez, Wallid Ismail, Aline Riscado, entre tantos outros, que posaram com cachorrinhos resgatados por ONGs. Confira a entrevista!
Heloisa Tolipan – Qual a memória afetiva que você guarda até hoje sobre o primeiro contato com pets?
Giselle Dias – Eu sempre fui apaixonada por animais, tive muitos cachorros desde pequena. Eles representam amor verdadeiro. Por mais que “não falemos a mesma língua”, eles enxergam com os olhos da alma todos os meus sentimentos. Acreditam na nossa capacidade de ter a mesma pureza que eles. Continuam amando e sendo os melhores amigos do homem.
HT – Você é fotógrafa, vive entre Rio, São Paulo e Los Angeles e foi durante o seu período entre um trabalho e outro nos Estados Unidos que adotou Bandit. Conta a história de como você chegou até ele.
GD – Eu morava sozinha nos Estados Unidos e minha mãe, como a grande amante de animais que é, sugeriu que um cachorro poderia ser uma boa companhia. Quando eu conheci o Bandit foi amor à primeira vista. Eu o adotei sem nem pensar duas vezes. Não perguntei nem ao proprietário do imóvel onde morava. Mudaria de casa se ele não tivesse deixado. Foi a melhor decisão da minha vida.
HT – Bandit sempre a acompanhou em todos os périplos de sua vida particular e profissional. Como você sente a reação do olhar do próximo ele estando dentro de um avião ou em um set de fotos?
GD – Eu e Bandit somos parceiros no crime, não gosto de ficar longe dele. Até brinco que eu que sofro de ansiedade de separação (risos). Ele é um cachorro muito social e tem um carisma absurdo. Sinceramente, é difícil alguém não gostar dele.
HT – Como se deu o insight para a criação de um projeto em prol da adoção de pets? Como analisa o processo no Brasil em paralelo com os Estados Unidos?
GD – A inspiração foi o meu amor pelo Bandit. Eu estava morando há 4 anos nos Estados Unidos antes da pandemia começar e aprendi e vivenciei muito a cultura da adoção na Califórnia, onde a venda de animais é proibida. Crescendo no Brasil, eu nunca tive muito contato com a adoção de pets e quão simples é. Existem muitos preconceitos a respeito e pouca informação. Então, eu quis usar a minha arte com a ajuda de artistas que amam os bichinhos para trazer mais visibilidade a essa causa que é tão importante.
HT – Qual a realidade da adoção de pets que permeia as leis nos Estados Unidos?
GD – Nos Estados Unidos cada estado tem uma legislação diferente, porém todos os 50 estados têm uma legislação específica para tratar da crueldade contra animais. A Califórnia tem as leis mais progressistas do mundo no que se refere à proteção animal. Foi o primeiro estado a proibir a venda de pets, teste de cosméticos em animais e venda de produtos de pele. Lojas da Califórnia só podem vender cães e gatos vindos de abrigos. Além do que, desde 2008 a castração é obrigatória.
HT – “Amor não se compra”. A frase é bastante contundente e com uma sinergia em vários sentidos de nossa vida. Como foi o processo para a definição?
GD – Eu comecei as fotos com o nome já em mente, o que é raro pra mim, acho que define bem o sentimento do projeto e a ideia que eu queria passar.
HT – Não estamos falando apenas de um projeto de adoção, você também levanta a bandeira sobre a questão da castração. Nos conte o seu ponto de vista.
GD – Para ONGs e organizações que atuam na defesa dos direitos dos animais, é a única maneira ética e eficaz de controle populacional, além de prevenir diversas doenças em cães e gatos. A maioria dos animais de rua já tiveram um lar, e eles se reproduzem muito rápido. Infelizmente há muito preconceito no Brasil a respeito da castração, ainda mais do macho, porém é muito benéfico à saúde do seu pet.
HT – Uma das suas frases no projeto é “muitos não querem um vira-lata por puro preconceito, além dos vários mitos errôneos em relação à adoção de animais”. Como chegou à conclusão sobre o vira-lata e quais são os mitos encontrados por você durante a pesquisa pré-projeto?
GD – A triste realidade do Brasil é que 70% dos donos de cães preferem comprar seus animais. As pessoas têm preferência por uma raça específica de cachorros, enquanto apenas 22% dos donos de gatos têm uma raça em mente. Além disso, existe a valorização errônea do pedigree e o tratamento da compra de um animal como se fosse um objeto. A ideia do projeto é mostrar justamente o potencial desses bichinhos quando são cuidados com amor, e que na verdade adotar é chique.
HT – Logo após a conclusão da primeira etapa do projeto, no Rio, você adotou Loki. Como foi esse processo?
GD – Foi logo no início da pandemia, quando eu já estava de volta ao Brasil, e queria adotar um segundo cachorro há um tempo. Como o meu primeiro era americano, queria que o segundo fosse brasileiro. Durante o projeto fiquei com o coração apertado e me sensibilizei com a história do Loki. Ele foi resgatado pela ONG Focinhos de Luz de uma acumuladora, e ainda foi adotado e devolvido 7 vezes por “motivos” de destruição e hiperatividade. Na hora que eu li a respeito dele, eu senti que eu poderia descrever o Bandit da mesma forma, afinal todos cachorros até uns 3 anos têm necessidade de roer. Ainda me lembro da bolsa da Chanel que o Bandit me tomou, mas de quem foi a culpa? Dele? A criança tem culpa ou os pais que não a educaram? Faz parte do crescimento errar também. É um processo. Enfim, adotei.
Hoje em dia o Loki tem estrutura. Ele é um cachorro super calmo, o Bandit é muito mais agitado. Porém, nenhum dos dois são fáceis, dão muito trabalho. Educar é um processo, mas os dois são muito carinhosos e fazem tudo valer a pena. Devemos sempre lembrar que são vidas que somos responsáveis por cuidar. Adote com responsabilidade!
HT – E a adaptação em casa com Bandit?
GD – O Bandit de início não gostou muito da ideia de não ser mais filho único, mas ele se acostumou e se gostam bastante. O Loki é inseguro e se espelha muito no Bandit que sempre foi autoconfiante. E o Loki faz companhia para o Bandit que ficava muito sozinho quando eu saía de casa.
HT – Quais os sonhos de vida que permeiam sua mente e coração com relação à causa?
GD – Eu ainda gostaria de poder fazer mais pela causa. Me entristece muito que tenham tantos animais de rua e gostaria de mais punição para maus-tratos animais. Como artista quis começar esse projeto para colaborar com tantos ativistas maravilhosos que lutam para disseminar a cultura de adoção no nosso país, mas tenho ideias e planos para poder continuar nessa luta.
HT – Durante esta pandemia observamos duas realidades: donos de pets capazes de abandonar os animais nas ruas – dados apontam que a cada 10 animais encontrados nas ruas, oito tiveram um lar -, mas também o acolhimento feito por muitos ao encontrarem os bichinhos vagando em busca de comida e repletos de ferimentos. Qual o seu comentário a respeito do que estamos vendo?
GD – Estamos vivendo um momento econômico desfavorável e, consequentemente, o número de doações para as ONGs diminui. É uma luta constante, mas se cada um puder ajudar com um pouco podemos fazer a diferença em conjunto. Esse é o principal objetivo do projeto, dar voz e visibilidade para as ONGs que abrigam esses animais, sempre com o cuidado da adoção responsável.
Se antes da pandemia a causa animal já necessitava de ajuda, agora, precisa ainda mais. Durante o isolamento social tem aumentado o número de adoções, o que é ótimo. Mas também aumentou, simultaneamente, o número de abandonos. Por isso é importantíssimo lembrar que adotar um animal é uma responsabilidade muito grande e deve ser feita conscientemente. O abandono ou devoluções criam uma instabilidade péssima para os bichinhos.
Também é essencial frisar que o tempo livre durante a quarentena não é sua rotina normal, então é necessário avaliar se você está apto para adotar uma vida que depende de você.
HT – As ONGs Ação Animal e Focinho de Luz contaram com seu apoio durante toda essa etapa do projeto. Quais as histórias que ouviu sobre a realidade do trabalho desenvolvido por elas?
GD – O objetivo maior do projeto é ajudar a tornar a adoção uma opção real para o brasileiro que quer trazer um pet para a casa, seja ele resgatado na rua ou adotado em uma ONG.
A ONG Ação Animal foi me apresentada por uma amiga que é completamente amante dos animais. Os coordenadores toparam a parceria e esperamos também trazer mais visibilidade para eles que são uma ONG pequena com pouquíssimos voluntários. É um trabalho muito difícil e muitas vezes invisível.
Queríamos mostrar o resultado de quando se cuida e dá amor, que é o que as ONGs fazem quando resgatam um animal. Eles vacinam, castram e começam sua missão de conseguirem um lar para eles chamarem de seu.
HT – Na sua opinião, por que ainda é tão complicado no Brasil uma conscientização sobre a adoção de pets? Como se dá a criação de estruturas que facilitem o acesso da população a essa proposta?
GD – Nos últimos anos tem sido forte o movimento em prol da adoção de pets e a informatização, mas as pessoas ainda têm muitos preconceitos a respeito e mitos que tem que ser quebrados. Existem muitas ONGs como a Focinhos de Luz, Instituto Luiza Mell, fazendo um lindo trabalho em informatizar e criar essa estrutura para que não seja uma realidade tão distante.
HT – Como os pets fotografados com as celebridades se comportavam no estúdio de fotos frente a tanta carência de afeto?
GD – Foram comportamentos dentro do esperado, alguns estavam acuados, alguns curiosos com as informações novas. Teve todo um tempo de ajuste ao ambiente e às pessoas, suborno com petisco e carinho, e tiveram um dia de spa com banho e tosa antes de começar o processo de fotografar.
HT – Como foi a elaboração de cada set escolhido por você para registrar tantos famosos que apoiaram a causa? Como foi a definição das histórias que você nos conta em cada imagem?
GD – A cor é muito importante para mim como artista e diretora criativa. Acredito que uma boa paleta de cores é essencial em qualquer foto. Eu gosto muito da alegria e energia que o colorido traz e a estética do projeto reflete muito meu estilo pessoal. Sempre fui uma fotógrafa vibrante e um pouco artista plástica.
A escolha do monocromático em cada fotografado foi para deixar em evidência os grandes astros do shooting que são os animais. Meu objetivo era trazer glamour para ações cotidianas do dia a dia com seu pet e mostrar o quanto raça e pedigree não são parâmetros. Vira-Lata também é chique!
HT – Os famosos fotografados dividiram o protagonismo das fotos com cada um dos pets. Como você sentia a sensibilidade entre eles durante o shooting? E a despedida pós-fotos?
GD – Fotografar com pets não é uma missão fácil, ainda mais quando estamos falando de animais que não são treinados e na maioria das vezes têm medo e insegurança. Então foi essencial a sensibilidade dos artistas que posaram, que realmente criaram uma conexão com cada animal para registrarmos esse momento. Sou muito grata a todos os artistas por doarem seu tempo e todo o carinho que tiveram com o projeto, a causa e os animais. E, claro, a despedida foi muito triste. Um dos doggies não queria deixar a Marcella Rica ir embora e se agarrou na perna dela.
HT – Tem histórias de backstage para nos contar?
GD – A criação de cada foto foi muito especial, e definitivamente foi uma aventura. Acho que a maior missão foi colocar a moto no estúdio para a foto do Nando. Tivemos que subir com ela empinada dentro do elevador. E a foto da Erika Januza teve tanto limão siciliano que cada integrante do time levou uma cesta de presente pra casa. Dizem que rendeu para várias receitas a quarentena inteira (risos). Existem vários vídeos de backstage nos meus highlights do instagram @gigdias também.
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