“Se interessar pelo nu é um reflexo natural para quem trabalha com imagem”. A frase é de Jorge Bispo, um dos fotógrafos brasileiros mais conceituados da contemporaneidade, que vira e mexe encontra uma forma de sair da caixinha que a profissão impõe aos mais desavisados e sempre surge com um novo projeto. O mais recente deles é uma revista própria, que chega agora à sua segunda edição (batizada “2”) e tem como grandes estrelas o casal de atores Mariana Lima e Enrique Diaz. Mais do que exibir seus corpos para as lentes de Bispo, a dupla se despe de conceitos e pudores para mostrar a intimidade da alma. Algo que, inevitavelmente, todos que passam pela câmera do fotógrafo fazem.
Em sua primeira edição (nomeada “1”), a revista causou burburinho por mostrar logo na capa uma Bruna Linzmeyer completamente nua, encarando o espectador com seus imensos olhos azuis penetrantes, como se o desafiasse a ir através da pele que ela exibia. “Meu objetivo não é retratar apenas um corpo bonito, não é esse o motivo pelo qual escolhi a profissão. Mais do que beleza, é poder fotografar as pessoas que eu tenho vontade, quem tem algo mais a oferecer”, nos revela Jorge, com exclusividade.
A quebra de padrões do que é belo e a individualidade de cada um dos seus retratados é algo que ele também abordou com o projeto “Apartamento 302”. Pois é. Além de clicar nomes como Patti Smith, Roberto Carlos, Spike Lee, Ney Matogrosso e Caetano Veloso, o fotógrafo começou, em 2010, a capturar mulheres de todas as raças, idades, credos, formas e tamanhos, sempre na mesma parede branca de seu antigo apartamento, no Jardim Botânico. O sucesso foi tanto que, do submundo online do Tumblr, a iniciativa se transformou em livro e, posteriormente, em uma série do Canal Brasil, já com duas temporadas. “Tenho refletido muito sobre isso e, agora, acho que o programa é o formato mais relevante e importante. Ele vai além das fotos das mulheres, ele lhes dá voz. Ali, nós entendemos por que elas foram, três anos antes, posar para os livros, e por que algumas continuam a fotografar assim. Pessoas que, em 90% dos casos, não estão acostumadas a serem fotografadas nuas”, explica.
Apartamento 302 – Abertura
Mesmo em seus trabalhos de cunho comercial, ele consegue fugir do óbvio, como o fez durante o projeto #UmShotdeAtitude, uma parceria com a Schweppes, na qual fotografou Carol Teixeira em uma caixa preta e os clientes do Bar Sobe, em Botafogo, assistiam a tudo por uma fresta meio voyéur. De uma forma ou de outra, Jorge sempre atinge aquele raro e tão procurado limiar que transforma a fotografia em arte de verdade, daquelas que fazem pensar, inquietam, despertam e instigam o público.
Abaixo, você lê uma conversa entre Jorge Bispo e HT sobre seus inúmeros projetos, a liberdade de ter sua própria revista, a opinião do fotógrafo sobre os excessos do Photoshop e qual o sonho que ainda tem na carreira. Vem com a gente:
HT: De onde surgiu a ideia de ter seu próprio conteúdo no formato de revista?
JB: Veio um pouco do desejo de ter maior controle e liberdade sobre o que eu faço. Isso eu posso ter na vida profissional, de forma geral, claro. Mas, com a digitalização, acostumamos a não ter o trabalho impresso – e isso eu digo tanto sobre a fotografia pessoal quanto a profissional. Esse projeto é algo meu, mas que já existia em um formato pré-estabelecido de diagramação, no qual você é enquadrado. Isso não é uma reclamação, mas o que eu queria mesmo é não ter nenhuma limitação com o meu trabalho, então pensei em uma maneira na qual o formato físico fosse adequado às fotos, e não o contrário. O projeto gráfico é feito depois de as imagens chegarem à diretora de arte e editora, Lila Botter.
Como eu coleciono fotografias, pensei “Por que não ter o formato físico de uma revista, mas com uma relação mais próxima à gravura, algo diferente e artesanal, com um papel melhor?”. Fiz o primeiro número com a Bruna (Linzmeyer) e a edição esgotou super rápido. Então, senti gosto pelo trabalho e retomei o projeto.
HT: Quando você começou a se interessar pela fotografia do nu, mas fora do conceito de erotismo comercial?
JB: Desde sempre, trabalho muito com a nudez, a atitude e esse querer quebrar as regras. Seja por trabalho com modelos ou fotografando namoradas – digo, isso há mais de 20 anos -, é um interesse que sempre tive. O nu é um tema inerente à arte e à fotografia. Sempre se fotografou, desenhou e pintou corpos nus. É um reflexo natural para quem trabalha com a imagem, a própria história da arte prova isso. Só depois de algum tempo, trabalhei com esse aspecto no sentido comercial, em revistas como a Playboy e a VIP.
HT: Mas, mesmo depois de ter passado por trabalhos comerciais, você continuou imprimindo um olhar diferente ao corpo feminino, como é o caso do “Apartamento 302”…
JB: O 302 é um caso muito específico. Ali, meu trabalho vai muito além da fotografia. Tenho refletido muito sobre isso por causa do programa de TV e, agora, acho que ele é mais relevante e importante do que o livro. E me sinto à vontade para falar isso: ele continua como um projeto meu, mas não sou o diretor da série, nem nada. Sou o idealizador, já que é algo baseado em uma ideia minha. O (programa) 302 vai além das fotos das mulheres, ele lhes dá voz. Ali, nós entendemos por que elas foram três anos antes posar para os livros, e por que algumas continuam a fotografar assim. Pessoas que, em 90% dos casos, não estão acostumadas a serem fotografadas nuas. Eu não dirigi muito essas mulheres, tentava deixá-las à vontade para capturar um momento espontâneo.
Já a revista é mais dirigida, com um conceito por trás das imagens, e eu me envolvo mais. A luz, por exemplo, eu penso e faço do jeito que quiser. São projetos bem diferentes, mas iguais no sentido de que nenhuma das duas são revistas comerciais de nu. A revista, ou até meus próprios projetos, são com fotos que podem ser sexy. Ou até sugerir desejo para quem está como espectador, mas não de maneira tão óbvia.
HT: O que você acha que seu trabalho desperta nas mulheres para que elas se sintam tão à vontade a ponto de se despirem completamente para você?
JB: O principal, acredito, é a carreira que eu estou construindo. Já faço isso há algum tempo e tenho credibilidade com o meu trabalho. A Bruna, Mariana [Lima] e Enrique [Diaz] gostam do que faço, mas há também muito sobre a maneira que eu me posiciono. Sempre tenho respeito com a individualidade de cada um e sei que estou lidando com o mais íntimo de alguém. Tenho uma preocupação extra com isso. Não tento me impor, até porque isso pode ocasionar algum problema. Sempre jogo limpo e dou ideias, mas é o fotografado quem propõe isso. Meu objetivo não é retratar apenas um corpo bonito, não é esse o motivo pelo qual escolhi a profissão. Mais do que beleza, é poder fotografar as pessoas que eu tenho vontade, quem tem algo mais a oferecer. A Bruna é linda, sim, mas isso existe aos montes. Ela ultrapassa esse estereótipo da atriz bonita….
HT: Recentemente, teve o projeto #UmShotDeAtitude, no Bar Sobe, em que as pessoas podiam observar você fotografando a Carol Teixeira através de uma fresta. Como essa experiência foi diferente para você?
JB: Foi muito divertida. Eu sou muito tímido e, a princípio, isso me gerou um certo medo. Lá, eventualmente, as pessoas estariam me vendo, algo com o qual eu não estou acostumado. Mas foi tudo um sucesso! A galera da Schweppes ficou feliz e o projeto se tornou em algo muito maior do que eu pensei, até pelas mídias sociais mesmo. Outro ponto legal é que a marca se tornou também uma parceira da revista. Eles acreditaram, gostaram do trabalho e acharam o projeto legal.
HT: Agora, Jorge, você trabalha muito com as formas mais puras e diferentes do corpo. O que acha de publicações e profissionais que abusam do Photoshop para criarem figuras irreais?
JB: Eu, mais do que nunca, tento manter minha vida com o lema “Cada um faz o que quer”, em todos os aspectos. E nisso também sou um pouco chato. Eu não sei usar o photoshop. Eventualmente, quando preciso limpar uma área, acertar a luz ou apagar o que apareceu na roupa para um trabalho comercial, eu contrato um cara em São Paulo, que trabalha comigo há anos e faz isso para mim. Agora, falando da revista, na número 1 não tinha nada de edição e na 2 também não tem praticamente, só acertos de cor. Mas nada de pele refeita ou manipulações dessa forma. Não é algo que faça a minha cabeça. Não sou muito um fotógrafo de técnica, sou um fotógrafo de gente, do contato com o retratado. Claro que sei iluminar etc., mas isso não é o mais importante. Para mim, é a minha relação com o fotografado.
Eu penso da seguinte forma: fotos sempre foram manipulada. Eu fazia isso na época em que trabalhava para a Trip e para a TPM, por exemplo. Ali, antes da era digital, eu já colocava indicações para o cara do laboratório corrigir: tipo contraste, limpe um pouco aqui etc. Sempre se tratou a foto, desde o negativo isso é feito. O Photoshop meio que traz isso para a era digital. Agora, exageros podiam ser feitos antigamente tanto quanto hoje. A diferença é que, atualmente, as ferramentas são mais acessíveis. Cada um tem o seu caminho. Vejo por aí uma geração que já nasceu usando o Photoshop e que é boa nesse tipo de trabalho, assim como no Instagram. Não é isso que faz um fotógrafo bom.
HT: Quais foram as suas primeiras e maiores influências na fotografia?
JB: Arnold Newman (1918 – 2006), Richard Avedon (1923 – 2004) e, no Brasil, o Bob Wolfenson. Dos profissionais contemporâneos, pelo menos para mim, ele é o cara que mais gosto.
HT: Quem você gostaria de fotografar se pudesse?
JB: O Pelé! Tenho muita vontade… Imagina ter essa sorte de capturar um dos maiores atletas do mundo e que, ainda por cima, é brasileiro. Já fotografei tanta gente… Mas o cara tem uma imagem muito forte. Você consegue reconhecê-lo pela silhueta, como todo ícone verdadeiro.
Revista 2, de Jorge Bispo
Com Mariana Lima e Enrique Diaz
À venda pelo site http://loja.likestore.com.br/jorgebispo
70 páginas
Gramatura: capa 240 gramas, miolo 120 gramas
Preço: R$ 200,00 (com frete incluído)
Apoio: Schweppes
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