“Todas as discussões de como ser mulher nesse mundo, graças às deusas, estão latentes”, frisa Bárbara Colen


No Festival de Cinema de Gramado, a atriz fala com exclusividade ao site HT sobre “Bacurau”, a parceria com o diretor Kleber Mendonça Filho, que lançou o trabalho dela em circuito nacional e internacional ao convidá-la para viver a primeira fase da personagem de Sonia Braga no filme “Aquarius”, e os novos trabalhos na sétima arte

Bárbara Colen no Festival de Cinema de Gramado (Foto: Edison Vara / Agência Pressphoto)

*Com Thaissa BarzellaiO Brasil conheceu, pela primeira vez, em escala nacional – e internacional -, a força que é Bárbara Colen nas telas em 2016, quando a mineira deu vida à versão mais nova da personagem Clara, papel interpretado por Sonia Braga na segunda fase, no longa-metragem Aquarius, direção de Kleber Mendonça Filho. Com esse papel, a jovem atriz chamou a atenção da crítica pela sua performance, principalmente na passagem pelo Festival de Cannes, no qual a obra concorria à Palma de Ouro. Agora, Bárbara retorna aos holofotes mais uma vez ao lado de Kleber Mendonça Filho e Sonia Braga interpretando Teresa, uma das protagonistas do longa-metragem “Bacurau”, que ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes e teve sua primeira exibição no Festival de Cinema de Gramado. “A estreia veio acompanhada da sensação de dever cumprido, porque, finalmente, o filme chegou ao público. É uma historia brasileira que trata de questões muito necessárias. Eu acho que essa gente retratada em “Bacurau” me faz viver, atuar e mover o meu destino”, afirma.

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O filme, que se passa em um futuro distópico, é uma metáfora nada sutil do Brasil de hoje com todas as discrepâncias e falhas sociais oriundas de um passado que desde sempre estruturou as desigualdades vistas – e debatidas – hoje. Nesse universo, os cidadãos de Bacurau, uma cidade do interior do sertão nordestino, precisam lidar com os efeitos dessa nova sociedade nas relações de troca e poder quando se deparam com a exclusão da região do mapa e a invasão de uma onda de assassinatos misteriosos. É nesse clima de resistir para viver que Teresa retorna à região e, desde o primeiro momento como mulher do mundo, e, acima de tudo, mulher de Bacurau, ela se transforma em uma das forças protetoras da região quando o perigo se torna iminente. “A essência a gente não perde. A Teresa é de Bacurau e a força dela no filme é muito para dizer o que é voltar para o seu grupo e aceitar que algumas coisas precisam ser feitas e que vamos fazê-las”, disse a atriz que por cinco anos morou em Barcelona e retornou ao Brasil exatamente para viver essa história.

Como essa mulher, que carrega em si a ancestralidade do lugar como filha de Seu Plínio (Wilson Rabelo), o professor da região, e neta de Carmelita (Lia de Itamaracá), a líder centenária cujo falecimento é o ponto de partida da trama, Bárbara teve a chance de sentir na pele a potência nordestina e feminina, ampliando o rompimento dos ideias patriarcais que por anos dominou não só a essência social das mulheres como também comportamental. Para ela, ter uma figura como Teresa, que vem de um lugar tão representativo quanto o sertão com relação às questões de luta, identidade e pertencimento, em uma obra tão gigante quanto “Bacurau” é mais um passo rumo à libertação. “Todas as nossas discussões de como ser mulher nesse mundo, graças às deusas, estão latentes e nós não estamos mais dispostas a nos enquadrar em nada. Nesse momento de rompimento, você precisa construir novos caminhos. Então todo trabalho de ficção que traz uma personagem feminina com subjetividade e complexidade respeitadas, serve como ferramenta de inspiração de novos lugares que as mulheres podem ocupar”, declara. Logo em uma das primeiras cenas do longa-metragem, mesmo sem diálogos, o espectador já entende o que Bárbara está falando: na imagem está Teresa, sozinha, em uma estrada de terra e com uma mala na mão – como uma mulher independente e presa somente a ela. “Uma mulher com uma mala no mundo quer dizer muito. Ela é uma mulher que anda, um novo símbolo e é disso que a gente precisa para esse trabalho de construção tão necessário”, frisa.

Com tanta responsabilidade não só de produção como também social, já que o roteiro trazia uma complexidade de personagens e detalhes, o processo de encontro da Teresa e da Bárbara foi de muito aprendizado para a atriz de 33 anos. Durante o tempo que passou no Rio Grande do Norte, a atriz absorveu todo o espírito nordestino e os efeitos do sertão na personalidade daquela mulher, aflorando ainda mais a vontade de mudar e se impor no mundo que já existia dentro dela. “Teresa me trouxe um empoderamento em todos os sentidos. Tanto pelos valores que ela me inspirava, que te faz querer ser um ser humano maior e mais íntegro, quanto pelo próprio processo de estar ali naquele momento com tanta responsabilidade de contar essa história. Isso me fez avançar barreiras como atriz e crescer enquanto mulher”, reflete.

Teresa não foi a única mulher a cruzar o caminho da atriz e promover todo esse crescimento pessoal e profissional. Em parceria com a produtora Filme de Plástico, equipe com a qual Bárbara deu os primeiros passos no cinema dez anos atrás quando desistiu da carreira no Ministério Público de Belo Horizonte, a atriz vive Rose no longa-metragem “Coração do Mundo”, que conta com direção de Maurício e Gabriel Martins e já está em cartaz no circuito nacional. “A Rose é uma mulher interessantíssima e forte. Às vezes, eu fico com receio de falar que mulheres são fortes porque eu acho que todas são para viver nesse mundo. A Rose é isso: uma mulher intensa, com muito poder de ação, que já está bem resolvida na vida e exercendo a sua ação no mundo”, conta. Assim como “Bacurau“, a trama envolve uma comunidade pobre e decadente, a de Contagem, em Belo Horizonte, e os jovens que desejam que, muitas vezes, terminam caindo no mundo do tráfico.

E não pense que esse furacão feminino e artístico se limita às telonas do Brasil. Bárbara agora se prepara para lançar pela plataforma GloboPlay a série “Onde está meu coração”. Com roteiro de George Moura e Sergio Goldenberg, a atriz divide cena com Letícia Colin, que interpretará uma médica viciada em crack. “A série vai tratar a questão de como a dependência química se insere no mundo do crack”, conta. Além da série, outros trabalhos no cinema também estão prontos para sair do forno. Filmes como “Breve Miragem do Sol”, de Eryk Rocha, e “Desterro”, de Maria Clara Escobar, são alguns dos projetos já finalizados pela atriz.