“Sou contra cancelamentos e julgamentos precipitados. Prezo os que dialogam e sabem argumentar”, frisa Malu Mader


A atriz, que não tem redes sociais simplesmente porque não teve vontade para tanto, estreia, em 12 de novembro, com a terceira versão cinematográfica de Boca de Ouro, clássico de Nelson Rodrigues. “O texto continua atual, infelizmente. Ele mostra um Rio de Janeiro totalmente corrompido, violento e dominado pelo crime. De lá pra cá, mudaram apenas os personagens. Antes os bicheiros, depois os traficantes, e agora os milicianos”, ressalta. E vibra com os primeiros passos do primogênito, João Mader Bellotto, na carreira artística. “Tentei me segurar para não ficar palpitando demais”, lembra

* Por Carlos Lima Costa

Em outubro de 1960, estreava nos palcos, Boca de Ouro, um dos maiores clássicos de Nelson Rodrigues (1912 – 1980). Seis décadas depois, no próximo dia 12 de novembro, a história chega aos cinemas em uma nova adaptação. No principal papel feminino, Malu Mader interpreta Guigui, uma das amantes do temido bicheiro, protagonista da produção, vivido por Marcos Palmeira. A atriz não tem dúvida de que o texto continua atual e se encaixa perfeitamente no Rio de Janeiro de 2020. “Infelizmente sim. Mostra um Rio de Janeiro totalmente corrompido, violento e dominado pelo crime. De lá pra cá, mudaram apenas os personagens. Antes os bicheiros, depois os traficantes, e agora os milicianos”, afirma ela, categórica.

Malu Mader em cena de Boca de Ouro (Foto: Ique Esteves)

Malu Mader em cena de Boca de Ouro (Foto: Ique Esteves)

Na fase de criação da personagem, enquanto buscava referências para compô-la, teve elementos também fornecidos por Daniel Filho, diretor do atual projeto, que participou como ator da primeira versão cinematográfica, em 1963. “Fizemos muitas leituras e conversamos bastante com o Daniel, que tem um conhecimento profundo da obra. O figurino e a caracterização também foram fundamentais”, ressalta Malu, que não é novata nas obras de Nelson. Na televisão, participou de A Vida Como Ela É, quadro do Fantástico, também sob a direção de Daniel, e no teatro, encenou Vestido de Noiva. “É difícil dizer do que mais gosto, se do teatro, das crônicas, dos contos ou dos títulos. Nelson sabia tudo sobre o ser humano, especialmente o carioca de classe média. O que mais gosto é a capacidade dele de me fazer rir mesmo nas tragédias”, assegura.

Antes mesmo de encarnar seus personagens, Malu conhecia bem o universo rodrigueano. “Primeiro, eu me apaixonei pelas crônicas de O Óbvio Ululante, depois fui lendo tudo e também fiquei encantada. Ganhei de um amigo o teatro completo e li inteiro em uma viagem. Li também a biografia escrita pelo Ruy Castro e logo em seguida fui convidada para fazer Vestido de Noiva. Depois veio A Vida Como Ela É, na TV com Daniel Filho, e Boca de Ouro. A gente acaba invocando um autor quando gostamos muito dele”, reflete. E relembra que os bastidores do filme foram ótimos, afinal estava entre amigos. Palmeira e Guilherme Fontes, por exemplo, brilharam com ela no filme Dedé Mamata. “Quando Daniel me ligou dizendo que iria dirigir Boca de Ouro, e contou que os dois seriam meus companheiros de cena, aceitei antes mesmo de ler o roteiro. O clima foi maravilhoso. Mas além deles, que são amigos da vida inteira, a convivência com todo o elenco e a equipe foi uma delícia”, relembra.

O diretor Daniel Filho entre Guilherme Fontes e Malu Mader (Foto: Ique Esteves)

O diretor Daniel Filho entre Guilherme Fontes e Malu Mader (Foto: Ique Esteves)

O longa-metragem já era para ter estreado. O adiamento ocorreu por conta da quarentena. “O filme estava para ser lançado quando começou a pandemia. Foi muito complicado sim. Mas me senti muito afetada por todos os acontecimentos desse ano terrível, não só pela pandemia, mas também pelos sofrimentos impostos por esse governo autoritário e destrutivo. Mas foi bonito ver tantos colegas inventando novas formas de emocionar e divertir. É impossível reprimir a criação artística por muito tempo. É como a natureza. Não podemos nos esquecer que nós somos parte da natureza”, pontua.

Malu, aliás, discorda da expressão “novo normal”, que vem sendo utilizada bastante nos últimos tempos. “Essa palavra, ‘normal’, não parece se aplicar de forma alguma ao momento”, analisa. Sobre a possibilidade da pandemia ter transformado as relações entre as pessoas, é reticente. “É difícil fazer uma análise precisa de um momento enquanto estamos passando por ele, mas acho que existe sim algo que nos marcará definitivamente, um antes e depois da pandemia de 2020”, aponta. Ela reflete ainda sobre a atual cultura do “cancelamento” nas redes sociais. “Não tenho redes sociais e não existe propriamente um motivo para isso, apenas não tive vontade ainda. Apoio com entusiasmo os movimentos progressistas e de representatividade, foi o que aconteceu de mais importante nos últimos tempos. Mas sou contra cancelamentos, linchamentos e julgamentos precipitados. Cada vez mais prezo os que escutam, dialogam e sabem argumentar com delicadeza e educação. Tenho tentado me educar nesse sentido”, assegura.

Cartaz do filme

Cartaz do filme

Ano passado, Malu concluiu um roteiro para cinema. “Já estávamos começando a produzir quando tudo começou a ficar ainda mais complicado para a cultura e as artes. Vamos ver como vai ser daqui pra frente”, explica sem dar detalhes.

Sobre as publicações veiculadas dando conta de que estaria no elenco da novela Feira das Vaidades, que marcaria o reencontro dela com uma obra do autor Gilberto Braga, de quem participou de novelas como O Dono do Mundo e Celebridade, Malu garante que não recebeu nenhum convite. “Mas assim como você, já li algumas notícias a respeito”, explica. No momento, os fãs matam a saudade de Malu na reprise de Haja Coração, de 2016, no horário das 19 horas. Ainda não vi a reprise, mas alguma hora vou dar uma olhada. O que mais me marcou nessa novela foram as cenas com minhas companheiras inseparáveis, Carolina Ferraz e Ellen Rocche. E claro, com o Alexandre Borges. E a alegria de ter as companheiras de camarim mais engraçadas do mundo. Você pode imaginar o que é trabalhar todos os dias com Tatá Werneck, Claudia Jimenez, Marisa OrthGrace Gianoukas e Cristina Pereira. E ainda reencontrei duas amigonas, Betty Gofman e Ana Carbatti”, recorda.

Malu Mader está na reprise de Haja Coração (Foto: Ique Esteves)

Malu Mader está na reprise de Haja Coração (Foto: Ique Esteves)

No momento, ela observa seu primogênito, João Mader Bellotto, do casamento com o músicoTony Bellotto, dos Titãs, seguir seus passos na carreira artística, na série Dom, no Amazon Prime. Com quase 40 anos de experiência na área, que conselhos dá para ele? “Tony e eu sempre conversamos muito com nossos filhos sobre filmes, atores, personagens, livros, músicas. São nossos temas preferidos, além de política e comida (risos). Sempre senti que o João tinha uma sensibilidade voltada para tudo isso.  Não estou me lembrando exatamente que conselhos dei, mas conversamos sobre as cenas, tanto as do teste, como as da filmagem. Tentei me segurar para não ficar palpitando demais”, explica. Ela e Tony são pais ainda de Antonio.

Malu comenta sobre o filho João que segue seus passos na carreira (Foto: André Wanderley)

Malu comenta sobre o filho João que segue seus passos na carreira (Foto: André Wanderley)