Rafael Theophilo, no ar em ‘Cara e Coragem’, aborda receio de ator assumir-se gay e prejudicar carreira


Para interpretar Hugo Sá, ele buscou referências na vida de Rock Hudson, lenda hollywoodiana, que para manter imagem viril e esconder homossexualidade, teve casamento de aparências com secretaria de seu agente. “Hugo esconde sua sexualidade e encarna um homem hétero e pegador para todos a sua volta. É um reflexo do cotidiano que muitos atores vivem e não é distante da minha realidade. Empresto meu corpo, minha voz, meu coração para o personagem. E eu sou o que sou, minha trajetória também está ali contida. É um encontro”, pontua. Paulista de 36 anos, Rafael conhece bem as angústias do personagem. “Por muito tempo, me senti inferior, achei que ser gay era um erro e que nunca seria bom o suficiente, afinal, eu não era como os outros. Isso me causou traumas e crenças que ainda venho descobrindo e curando”

* Por Carlos Lima Costa

Nos anos de 1950 e 1960, quando predominava uma sociedade tradicional e preconceituosa, atores homossexuais não revelavam a orientação sexual por medo de verem a derrocada da carreira. Um dos maiores galãs dessa época de ouro do cinema hollywoodiano, Rock Hudson (1925-1985) seguiu esse padrão de comportamento. Para manter a imagem, ele, que provocava suspiros nas mulheres, chegou a casar-se com a secretaria de seu agente. Hoje em dia, astros e estrelas assumem com mais frequência, mas o preconceito não deixou de existir. O receio de ver a carreira prejudicada é uma das tramas da novela Cara e Coragem. Para interpretar Hugo Sá, ator galã que vive essa situação, Rafael Theophilo, estreante em novelas, buscou referências na trajetória de Hudson, além de assistir filmes sobre o tema. “Para não perder trabalhos por ser gay, ele encarna um homem hétero e pegador para todos a sua volta. Apenas com Andréa (Maria Eduarda de Carvalho), revela a verdadeira identidade. Ele é um reflexo do cotidiano que muitos atores vivem e não é distante da minha realidade”, pontua.

Paulista de 36 anos, Rafael conhece bem as angústias do personagem. “Por muito tempo, me senti inferior, achei que ser gay era um erro e que nunca seria bom o suficiente, afinal, eu não era como os outros. Isso me causou traumas e crenças que ainda venho descobrindo e curando. Desde criança, eu sabia que seria ator, então, não poderia aparentar ser gay. Essa sombra sempre existiu no meio artístico e endossada: ‘Se falar ou parecer que é gay, não vai ter trabalho’. Os tempos são outros, a mentalidade está mudando, as pessoas, inclusive do meio artístico, estão mais conscientes. Um ator é um ator. Empresto meu corpo, minha voz, meu coração para o personagem. E eu sou o que sou, minha trajetória também está ali contida. É um encontro. Pessoas gays sempre existiram e vão existir até que a raça humana permaneça na Terra. Advogados gays, médicos gays, caminhoneiros gays, políticos, astronautas…Isso não é uma condição é uma existência. Espero encontrar muitos personagens na minha carreira, gays ou não”, reflete.

Rafael Theophilo vivencia em Cara e Coragem receio de artistas assumirem orientação sexual (Foto: Oseias Barbosa)

A temática LGBTQIA+ também está presente em seu primeiro grande personagem no cinema. Em Vento Seco, dirigido e escrito por Daniel Nolasco, lançado em 2021, e que atualmente está disponível no Telecine, Maicon, seu personagem é inspirado nos desenhos de Tom of Finland (1920-1991), artista finlandês conhecido em todo universo da arte, não se restringindo somente ao meio LGBTQIAP+, pelo trabalho de caráter homoerótico. “O Daniel disse que o Maicon foi escrito para mim. Não deixo de me gabar um pouco (risos), ainda mais quando se trata de um projeto que tanto me orgulho. Posso afirmar que existe um Rafael/Ator, antes e depois dessa experiência transformadora. O longa foi feito por uma equipe quase 100% LGBTQIAP+. Ali pude conhecer pessoas que abriram minha mente. Eu tinha, talvez ainda tenha, alguns pudores. No processo do filme fui me despindo de julgamentos de valores, acreditando mais em mim, em quem sou, no que acredito. O Maicon banca uma postura, é seguro de si, sensual, sexy, bem resolvido com sua sexualidade. O Maicon e todo esse processo do filme me fizeram deixar alguns medos de lado como aprender a pilotar uma moto e outros mais profundos, como assumir minha sexualidade, minha força, minha potência e ocupar o meu lugar. Ele me ensinou a ser mais destemido”, salienta.

O filme que mostra a história de Sandro (Leandro Faria Lelo), trabalhador do agronegócio que tem vida monótona no interior de Goiás, quando Maicon, rapaz misterioso chega na cidade e começa a flertar com seu parceiro sexual, fez a estreia internacional em 2019 no Berlinale, Festival de Berlim, onde concorreu ao prêmio Teddy Award de Melhor Filme, com grande aceitação do público e da crítica. Há ainda uma narrativa política. “Ele é atual, incomoda, questiona, subverte, além de ser um deleite para qualquer artista. Daí quando você entende o propósito, passa a servir, a contribuir para aquela obra. Não é sobre mim, mas sobre o todo. Compreendendo essa minha função enquanto artista, eu só me entrego”, diz e frisa a importância do teatro no início de sua trajetória.

“Desde criança, o lúdico, a imaginação de criar histórias eram minhas brincadeiras favoritas fosse sozinho, com meu irmão ou com amigos. Eu adorava montar peça de teatro e apresentar para família e vizinhos, montava cenários e figurinos. Com o tempo, o que era brincadeira foi se tornando meu objetivo. Comecei a fazer curso de teatro amador. Durante três anos, assistir essas aulas era o momento mais feliz do meu dia. Mais pra frente me profissionalizei e nunca parei de estudar. Adoro conhecer novas técnicas, cursos complementares, como aulas de corpo, voz, cinema e direção”, conta ele, que estreou profissionalmente no teatro, em 2016, com a peça Antes do Fim do Mundo, comandada pelo diretor de Vento Seco.

“É tão mesquinho alguém se achar superior à outra pessoa, por ela ser diferente, seja pela raça, gênero, classe social…”, enfatiza Rafael (Foto: Oseias Barbosa)

Graças a novela e ao filme, vive o momento de maior retorno na carreira. “Sempre fiz teatro, que eu amo. Com ele me formei ator e nunca quero deixar de fazer. Então, seria leviano não mencionar minha escola”, diz. Diante das dificuldades da profissão, Rafael se virava também com outras atividades. Quando surgiu o convite para o filme e o teste para a novela, ele estava trabalhando respectivamente como instrutor de yoga e garçom. “Nunca desisti de ser ator, mas nessa profissão, às vezes, precisa ter um plano B, C…Agora, com Vento Seco, tive a oportunidade de estrear no Festival de Berlim. Me ver em uma tela de cinema e pisar no tapete vermelho de um grande festival internacional, são conquistas inesquecíveis. Também é um sonho realizado ver meu nome na abertura da novela. Constato que estou no caminho certo e cada conquista é para ser celebrada”, vibra.

Rafael está eufórico também com as possibilidades interpretativas na novela e com a parceria com Maria Eduarda.  “Gravo quase que 100% das vezes com ela. Que sorte a minha! Não poderia ser melhor. Além de Duda ser uma atriz magnífica, ainda ganhei uma amiga. Na trama, o Hugo vai conhecer Enzo (Pablo Sanábio), professor na companhia de dança em que Hugo e Andréa vão ensaiar uma peça. A química com Pablo já rolou no teste, tenho certeza que vai sair faísca na tela”, ressalta.

A felicidade em estrear em uma novela foi tanta, que no primeiro dia de gravações postou vídeo em seu Instagram, para os seguidores: “A vida do ator tem altos e baixos, poucas vezes financeiramente me supriu. Estar, hoje, aqui, não quer dizer que todos os problemas foram resolvidos e estou salvo. Mas sinto como uma batalha ganha. Existe medo envolvido, de não fazer bem. Mas isso cada vez mais vai ficando pra trás. Estar no estúdio é o que eu quero para a minha vida. Poder fazer o que se ama é a melhor coisa do mundo. Esperava essa oportunidade faz tempo, por isso compartilho isso com vocês”, disse, vibrando.

Rafael Theophilo e Maria Eduarda de Carvalho, parceiros profissionais em Cara e Coragem (Foto: Arquivo Pessoal)

E avalia a importância de que outras produções retratem o tema para que o preconceito seja combatido. “É tão mesquinho alguém se achar superior à outra pessoa, por ela ser diferente, seja pela raça, gênero, classe social…. A arte tem o poder e o dever, de questionar, denunciar, subverter a lógica branca heteronormativa em que se construiu a sociedade. Essa lógica que não é nada lógica, aliás é um erro, deve ser combatida. A cultura cria e forma seres pensantes. A TV, o cinema e o teatro são vertentes da arte, se comunicam diretamente com os seres humanos, pois se apropriam das palavras e das imagens que geram as emoções e o público se identifica com a obra, com aqueles personagens, é catártico. Passou da hora de normalizar protagonistas gays. A comunidade Queer viveu por muito tempo inferiorizada, escondida, mimetizada. Somos plurais e quando digo plurais não é só na coletividade, mas na individualidade também. O ser humano em si é plural. Então é importante que cada vez mais o assunto deixe ser o assunto para que seja uma história como outra qualquer”, comenta.

No último dia 19, cerca de quatro milhões de pessoas tomaram as ruas de São Paulo, para participar da 26ª edição da Parada LGBTQIA+, cujo tema foi “Vote com orgulho por uma política que representa”. “Quatro milhões é muita gente! E nem é todo mundo… Isso representa muita coisa: ‘Nos vejam, nos respeitem, nos incluam’. O Brasil é o país que mais mata pessoas da comunidade LGBTQIAP+ no mundo! MAIS MATA. E o número de casos vêm aumentando, reflexo de um governo conservador e preconceituoso. Diante desse cenário fica difícil enxergar conquistas. O movimento existe, há muitas pessoas na linha de frente ao combate do preconceito, que todos os dias lutam pelos direitos da comunidade. Mas até 2020, por exemplo, homossexuais não podiam doar sangue. Então, tem que haver mais políticas públicas de inclusão e conscientização. É dever do estado mudar esse cenário aterrorizante que envolve a comunidade LGBTQIAP+. Para isso têm que haver interesse, diálogo, respeito, cuidado…”, aponta.

Ele relata que a homofobia acontece todos os dias, mesmo que indiretamente. “Uma ‘brincadeira’ de chamar o outro de veado, os olhares preconceituosos quando veem pessoas do mesmo sexo de mãos dadas na rua, alguém que pergunta sobre ‘sua namorada’. A homofobia está tão internalizada que as pessoas nem se dão conta que estão sendo preconceituosas. Eu já ouvi, ‘que pena que você é gay’, ‘que desperdício’. Vamos nos preocupar com coisas que realmente importam. Vamos deixar de normalizar o preço da gasolina à oito reais, as pessoas passando fome. Como uma pessoa jogada na rua feito um lixo, não choca, e duas pessoas do mesmo sexo demonstrando afeto na rua, choca? Estamos em 2022, é pra frente que se caminha, preconceito é cafona. Vai ficar pra trás quem não se atualizar”, finaliza.