Último astro de sua geração ainda atuando em filmes artísticos, Al Pacino brilha em “O último ato”, parente próximo de “Birdman”


Produção intimista de Barry Levinson supera em profundidade e qualidade o vencedor do Oscar 2015 ao lidar com um tema precioso na atualidade: o ofício do ator

Aos 75 anos, Alfredo James Pacino – ou simplesmente Al Pacino – é o último de sua geração de atores emplacando um filme “artisticamente respeitável” atrás de outro. Integrante da turma que despontou em Hollywood na virada dos anos 1970, quando era importante se aproximar do público através de personagens e histórias que refletissem sua realidade, o ator rapidamente caiu no gosto popular em longa-metragens como “O poderoso chefão” (The Godfather, de Francis Ford Coppola, 1972, Paramount) e “Sérpico” (Serpico, de Sidney Lumet, 1973, Paramount). E se manteve no topo, mesmo depois que o novo rat pack formado pelo trio George Clooney, Brad Pitt e Matt Damon – encorpado por outros astros contemporâneos como Ben Affleck – engoliu sua presença nas telas, resgatando aquele charme pré-contracultura dos astros bonitões.

Agora, ele brilha em “O último ato” (The Humbling, de Barry Levinson, Ambi Pictures e Hammerton Productions, 2014), um filme que no âmbito da indústria audiovisual pode ser considerado mais restrito (de plateia), seguindo a leva de realizações que lidam com o ofício de atuar (em moda atualmente no cinema) e que estreia na próxima quinta-feira (2/4). Assim como o oscarizado “Birdman ou (A inesperada virtude da ignorância)” (Birdman: Or (The Unexpected Virtue of Ignorance,) de Alejandro González Iñárritu, New Regency Pictures e outros, 2014), “Mapas para as estrelas” (Maps to de Stars, de David Cronenberg, Prospero Pictures e outros, 2014) e “Acima das nuvens” (Cloud of Sils Maria, de Olivier Assayas, CG Cinéma, 2014), esta produção vai fundo na questão do ator enquanto alguém que precisa se deparar com sua persona em algum momento, diante do seu mais difícil papel: ser ele mesmo em sua própria vida, quando nem sempre seus atos vêm acompanhados de aplausos. E o pior: quando não existe sequer script daquilo que pode vir a acontecer.

"O último ato": na seleção oficila de Veneza e Toronto em 2014 (Foto: Divulgação)

“O último ato”: na seleção oficila de Veneza e Toronto em 2014 (Foto: Divulgação)

Nesse âmbito, o filme consegue ir mais longe que seu parente mais próximo – e mais notório –, “Birdman”, sobretudo na questão da intimidade do ator com o palco (ou as telas) e sua estranheza em relação ao mundo real quando, já em uma certa idade, nada mais parece fazer sentido. Se o filme de Iñárritu se cerca de tintas psicanalíticas e usa o personagem do super-herói com asas para representar voos individuais, em “O último ato” o Simon Axler interpretado por Pacino se divide entre angústias que o impedem de sair do solo e uma nova possibilidade de catapulta na forma de uma lésbica com idade para ser sua filha e fixação em sua pessoa, tão envolvente quanto uma devotada fã, com quem ele se envolve afetivamente. Com a diferença que, muito possivelmente àquela altura da existência, o personagem talvez não viesse a cogitar se enroscar com uma tiete sob um edredon numa noite chuvosa.

Como um misto de vampira emocional e flapper inconsequente que faz o que lhe dá na telha, Greta Gerwig é a afilhada que ele não vê desde criança e reencontra nesse momento de crise, cria de uma antiga colega de profissão (Dianne Wiest) e que o enreda nesse relacionamento no qual ele não exerce qualquer domínio, assim como acontece nessa fase de sua carreira. Mas, com o tempo, ela acaba se tornando para ele tão essencial quanto respirar, e é com esse sopro de jovialidade que ele pretende conseguir superar a atual incapacidade de interpretar.

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A direção de Barry Levinson abusa convenientemente dos planos de câmera solta que acentuam a estranheza desse momento singular na vida do veterano astro e o roteiro envereda por um exercício de metalinguagem quando associa o protagonista ao próprio Pacino, hoje também um venerando senhor dos palcos, aclamado na vida real por viver “Rei Lear” no teatro, papel do qual Axler reluta em aceitar, apesar da insistência de seu agente.

No mais, chega a ser curioso que o diretor, geralmente um competente artesão despido de brilho próprio, mas sempre a serviço dos estúdios, consiga fazer um filme tão autoral, com destaque para a enevoada fotografia Adam Jandrup se encarregando de passar para o público o quanto aquele momento vivido pelo protagonista é nebuloso.

Trailer oficial (Divulgação) 

Em um longa que é veículo para exibir seu talento, Pacino deita e rola, provando que o tempo continua lhe sendo generoso e brindando os espectadores com essa pequena pérola, que competiu nas seleções oficiais dos festivais de Veneza e Toronto em 2014. E isso é um feito e tanto quando se observa aonde seus antigos companheiros de tela chegaram.

Jornada dupla no Festival de Veneza: Pacino pisa o red carpet para lançar este filme e "Manglehorn" (Foto: Divulgação)

Jornada dupla no Festival de Veneza: Pacino pisa o red carpet para lançar este filme e “Manglehorn” (Foto: Divulgação)

Outrora um touro indomável, Robert De Niro (71 anos) hoje abrilhanta comédias, várias das quais parodia o papel de mafioso que ajudou a imortalizar na telona. Atualmente, Dustin Hoffman (77) faz filmes descompromissados, participações especiais em super produções e dubla desenhos como “Kung Fu Panda” (idem, de Mark Osborne e John Stevenson, Dreamworks Animation, 2008). Jon Voight (76) e Nick Nolte (74) costumam ser escalados para imprimir certo respeito em blockbusters de ação, muitas vezes na pele de vilões. Muito tem se especulado sobre a incapacidade de decorar textos que levou Jack Nicholson, prestes a completar 78 anos, a não por os pés num set de filmagem desde 2010, mas a família não confirma, nem desmente.

Com 85 anos, Gene Hackman é outro que não faz um filme sequer há onze anos e, um ano mais novo que este, Robert Duvall ainda continua na ativa, até concorrendo ao Oscar desse ano como ‘Melhor Ator Coadjuvante’ por “O Juiz” (The Judge, de David Dobkin, Warner Bros, 2014), mas sem o mesmo brilho do passado. E o tempo não foi tão generoso assim para o galã Robert Redford, considerado um dos homens mais bonitos do cinema nas décadas de 1960/1970, agora com quase 80 anos (78) e se dedicando mais a atuar como produtor do que como ator nos  últimos tempos.

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Em tempo: trinca das mais poderosas na Hollywood atual, George Clooney, Matt Damon e Brad Pitt parecem emular com sua camaradagem o famoso rat pack, como era conhecida a patota, nos anos 1950/1960, formada pelos astros Frank Sinatra, Dean Martin e Sammy Davis Jr., mais uma penca de agregados como Peter Lawford. Além dos filmes, badalos e apresentações em cassinos, essa turma movimentava o jet set e alimentava as colunas sociais dos tabloides na época, tal qual o trio atual. Não por acaso, Clooney e seus amigo encabeçam a refilmagem de “Onze homens e um segredo” (Ocean’s Eleven, de Steven Soderbergh, Warner Bors e outros, 2001), o longa que consolidou de vez a parceria entre a trinca original dentro e fora das telas.

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