“Ninguém ama ninguém… por mais de dois anos” leva Nelson Rodrigues às telonas para discutir a fragilidade dos relacionamentos amorosos


O longa conta as histórias de cinco casais do início dos anos 60 no Brasil. Sem nenhuma relação, as tramas são perfeitamente costuradas pelo roteiro de Clovis Mello. “Falamos da vida como ela é”, disse

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O cartaz de “Ninguém ama ninguém… por mais de dois anos” (Foto: Divulgação)

A convivência de cinco casais do início dos anos 60 é retratada paralelamente em uma narrativa ágil e bem humorada no longa “Ninguém ama ninguém… por mais de dois anos”. O roteiro de Clovis Mello reúne, nas telonas, cinco contos de ninguém menos do que Nelson Rodrigues para discutir medos, insatisfações e desejos que fogem do moralismo na vida íntima de cada um dos personagens. Apoiado por um elenco de nomes como Gabriela Duarte, Marcelo Faria, Ernani Moraes, Julianne Trevisol, Luana Piovani e muitos outros, Clovis estreia na direção de longa-metragens com o pé direito e disse que o maior desafio foi conectar cinco histórias distintas em um mesmo roteiro. “A questão era ter núcleos diferentes e casá-los de uma maneira que parecessem vividos no mesmo tempo, sem que um roubasse a atenção do outro e fazendo com que fossem compreendidos como histórias independentes. Cada um dos contos tem um tamanho. Tem histórias que se resolvem em um mês, outras em seis meses, algumas em semanas. Como fazer casar de maneira atraente sem cansar o espectador? Houve uma costura fruto do trabalho de equipe”, analisou.

“Coroa de orquídeas”, “Rainha de Sabá”, “Despeito”, “Infidelidade” e “Vendida” foram as escolhas do roteirista para levantar a questão da fragilidade dos relacionamentos. A união de todos se dá pelo personagem de Ernani Moraes. O bar Epitácio, onde o garçom Juventino trabalha, é único lugar comum dos personagens de cada uma das cinco histórias. “É um roteiro inteligente de tramas entremeadas costuradas por um restaurante. O drama de uma história que alavanca a emoção de outra de uma maneira muito única do Clovis”, disse Ernani, que ressaltou que trabalhar com o texto de Nelson Rodrigues é uma honra. “Só se montou, nos últimos 15 anos, três longas dele. Existe uma geração órfã e isso não pode acontecer, porque o inglês está para o Shakespeare, como o francês para Molière e o português para Nelson Rodrigues. A embocadura, o tipo de interpretação, o canalha, as situações surpreendentes, as traições, é tudo incrível”, analisou.

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Ernani Moraes em cena como o garçom Juventino (Foto: Divulgação)

Para Ernani, seu personagem é o mais bom caráter do filme. “Ele é o garçom do bar que todo mundo gosta, é boa gente, que dá toque, aconselha, diz para parar de beber”, explicou. Ainda assim, Juventino tem seu próprio drama. “Ele tem uma mulher doente em casa, fala muito dela, trabalha para comprar penicilina. Na última cena, ele chega em casa e ela está morrendo. Na hora de enterrar, ele encomenda uma coroa de flores barata e no meio do velório entra outra, de orquídeas, linda, caríssima, escrito ‘Com todo amor do seu Otávio’. Quem é Otávio? Isso é Nelson Rodrigues!”, disse o ator, que acredita que o longa tem todos os ingredientes para conquistar o grande público. “Tem lindas cenas picantes, muito bem feitas, com homens e mulheres bonitos, tramas envolventes, enredos bem contados, com assinatura de Nelson. Tenho certeza que o público vai gostar. São histórias simples com desfechos surpreendentes demais”, apostou.

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Gabriela Duarte vive a audaciosa Elvira (Foto: Divulgação)

A simplicidade, porém, necessita atenção: “No começo não é tão fácil compreender, mas tem que apresentar de alguma maneira. O Clovis optou, de maneira corajosa, por não fazer aquela coisa mais careta de contar uma história, fechar o pano, contar outra, fechar o pano. Ele quis elaborar de um jeito que uma entrasse na outra, então são cinco histórias contadas ao mesmo tempo. É interessante e quando embarca, ai vai”, adiantou Ernani. O roteirista também explicou a forma de apresentação. “Precisávamos fazer com que os contos tivessem algum ponto de conexão, porque eram completamente distintos. Veio a ideia de fazer com que o personagem principal do último conto, que é o ‘Coroa de orquídeas’ virasse uma espécie de lugar comum. Ele virou um garçom de um bar e é um cara que vive a vida de cada um dos personagens”, explicou Clóvis Mello.

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Luana Piovani e Gabriela Duarte comemoram a estréia do longa (Foto: Karina Kuperman)

Gabriela Duarte, que está morando em Nova York, fez questão de prestigiar a pré-estreia e contou que assistiu ao filme pela primeira vez há pouco tempo. “Tinha visto em uma cabine pequena na produtora, mas ontem (9) assisti com o público mesmo. É diferente. Eu adorei”, ressaltou ela, emendando que alguns fatores foram essenciais para aceitar o convite de viver a ninfomaníaca Elvira. “Além de a personagem ser muito boa, a equipe, o Clovis Mello e o fato de ser Nelson Rodrigues, né? Eu adoro personagens intensos. Nelson faz parte da minha vida, da minha formação como atriz”, disse.

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Gabriela Duarte foi a estréia no Cine Roxy e disse que o texto de Nelson Rodrigues fez parte de sua formação (Foto: Karina Kuperman)

Luana Piovani, que fez uma participação pontual e decisiva na história, contou que o resultado a emocionou. “Eu faço uma pequena cena de carinho. É uma irmã mais velha aconselhando a mais nova que tem problemas no casamento. Fiquei muito contente com o resultado, é meu primeiro contato com Nelson Rodrigues e eu ainda acho ele pouco homenageado no Brasil. O teatro faz uma homenagem bacana, mas o cinema está devendo muito. Achei o filme absolutamente incrível. O Clóvis costurou muito bem os contos, a direção de arte está linda, os atores estão impagáveis, arrebentando, fazem com que os diálogos que já são maravilhosos ganhem mais vida. Fiquei muito orgulhosa”, elogiou.

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Luana Piovani fez uma cena pontual e marcante no longa (Foto: Divulgação)

Marcelo Faria também ressaltou a honra de interpretar um texto de Nelson Rodrigues. “É incrível, maravilhoso e surpreendente. Fazer Nelson é sempre uma alegria e essa comédia romântica é muito gostosa. Conhecer o Clóvis foi algo ímpar, virou um amigo para a vida. Foi uma honra participar disso”, declarou ele, que aproveitou para brincar com o nome do longa. “Ama sim por mais de dois anos. Eu amo”, disse. Seu personagem é um homem tímido e passivo que casa com uma mulher da alta sociedade. “A partir daí, ele descobre uma mulher totalmente dominadora, racista, egocentrada, extremamente manipuladora. Ele acaba ficando oprimido pela relação e a surpresa é quando ele rompe essas barreiras”, contou.

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Marcelo Faria interpreta um homem submisso em “Ninguém ama ninguém… por mais de dois anos” (Foto: Divulgação)

A mulher em questão é Teresinha Seixas, vivida por Julianne Trevisol. “Ela é uma burguesa, mimada, que se apaixona pelo personagem do Marcelo, mas, não satisfeita, como ela está acostumada a ter tudo do jeito dela, vai dominando a vida dele do jeito que ela quer, manipulando até que ele não aguenta. Resumindo: ela é preconceituosa, chata e insuportável. Se vocês acharem isso dela, está ótimo”, disse ela, que foi mais uma a ressaltar a importância de levar a obra Nelson Rodrigues às telonas. “Eu tinha feito no teatro e é ótimo poder estar no cinema com uma direção incrível como do Clovis, que foi superfiel à trama. É um trabalho muito legal, tem que estimular os autores brasileiros cada vez mais”, destacou ela, que também está no ar como a it-girl Lu ena novela“Totalmente Demais”.

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Luana Piovani, Gabriela Duarte e Clovis Mello conferem foto no celular (Foto: Karina Kuperman)

Em seu primeiro trabalho como diretor de cinema, Clovis Mello, que já foi editor na Rede Globo e dirigiu diversos filmes publicitários, acredita que o longa é de fácil compreensão. “’Ninguém ama ninguém… por mais de dois anos’ não está distante da realidade, não tem elaborações filosóficas. É a vida como ela é”, garantiu. Simples assim.