Na intimidade com David Lynch: direto de NY, a gente conta os highlights de um encontro na Brooklyn Academy of Music


Diretor fala de sua paixão por Kanye West (em especial pela música ‘Blood on the Leaves’) e Jimi Hendrix, revela que tem tocado guitarra, morre de medo de metrô e sente a falta de explicação para suas obras

* Por Junior de Paula

E se você tivesse a oportunidade de conversar por quase duas horas com David Lynch? Pois foi exatamente isso que aconteceu com cerca de mil pessoas que lotaram o auditório principal da Brooklyn Academy of Music, no bairro do Brooklyn, claro, em Nova York.

Marcado para às 21h de uma terça-feira chuvosa, Lynch entrou no palco acompanhado pelo pensador Paul Holdengräber, que seria o responsável por intermediar a conversa. Paul é um especialista nessas mediações, já que é ele quem cuida da direção de um programa muito parecido com essa ideia, o projeto batizado LIVE, capitaneado pela New York Public Library.

No tablado, via-se, além da dupla mais do que da pesada, um tapete persa, duas cadeiras, uma mesa de centro e um telão, onde eram exibidos trechos de filmes famosos e emblemáticos da carreira de Lynch, como Blue Velvet, mas também as fotografias de fábricas desativadas ao redor do mundo (um de seu hobbies), e imagens de obras criadas por Francis Bacon e Edward Hopper.

O diretor, que começou um pouco tenso, ou um tanto quanto incomodado com as divagações filosóficas intermináveis de Holdengraber, fechou a noite de forma positiva, aplaudido de pé e sem deixar de falar de sua paixão por Kanye West, em especial pela música Blood on the Leaves, Jimi Hendrix, sua infância de boas lembranças e sobre a falta de explicação para suas obras. “Quando termino um trabalho, ele está pronto. Não gostaria de fazer nada melhor nem pior do que aquilo. Naquele momento, eu entrego para o mundo e nunca pensei em refazer ou perdi tempo pensando se eu teria feito de outro jeito, alguns anos depois”, disse Lynch.

O que mais ele falou? Vamos aos highlights:

Sobre o medo do metrô de Nova York

“Eu tinha muito medo de vir aqui nos anos 50. O metrô, então, era repleto de medo. Até hoje, quando resolvo descer em uma estação metrô, consigo sentir o cheiro do medo”.

He (heart) fábricas

“Eu amo fumaça “, disse Lynch, tentando explicar sua fascinação por fábricas abandonadas ao redor do mundo. “Eu amo o fogo. Amo metal. Amo vidro. Amo gesso. Amo tijolos. E eu amo a forma que a natureza age sobre essas coisas. Certa vez, fui convidado para um festival de cinema na Polônia, que celebra diretores de fotografia e achei que poderia ser uma boa ideia visitar aquele país. Perguntei se eles tinham fábricas antigas lá e se eu poderia visitá-las para fotografa-las. Pedi também algumas mulheres para que eu pudesse clicá-las nuas, à noite”. Nesse momento, Paul perguntou se Lynch já combinou os dois pedidos, e fotografou mulheres nuas nas fábricas. O público riu. Lynch também riu, mas disse que não, que nunca misturou as duas paixões.

“Elas vêm à minha cabeça como se fosse uma TV na minha mente. Elas são lindos presentes. Ter uma idéia é como uma isca no anzol. Você precisa puxá-las para dentro. Se você pescar uma idéia que você ama, vai ser um lindo dia de pesca. E se você olhar mais de perto, pode perceber que isso pode ser apenas um fragmento de um todo e você vai precisar de mais iscas. Em pouco – ou muito – tempo de pescaria você pode ter um script, ou uma cadeira, ou uma pintura, ou uma ideia para uma pintura. Na maioria das vezes, as minhas ideias surgem a partir de pequenos fragmentos. É como se em uma outra sala existisse um quebra-cabeça completo, e ele vai sendo lançado peça por peça para a outra sala, a da consciência”.

Açúcar

“É felicidade em grãos”.

 Janelas

“Eu acho que todo mundo é um voyeur. Eu gosto de olhar pelas janelas dos prédios. É algo tão fantástico. É um pouco como cinema. Tem a moldura da tela e a possibilidade de vislumbrar um outro mundo, uma outra vida. É muito bonito”.

Jimi Hendrix

“Ele é o melhor guitarrista de todos os tempos”, disse, depois de ouvir um trecho de ” Little Wing “. ” E eu vi o filme de Jimi Hendrix no Monterey Pop, e foi ali que eu entendi, acho que muita gente consegue entender isso, que ele e a guitarra são um, absolutamente um. Ele levou a arte de tocar uma guitarra para outro lugar, um outro patamar que ninguém nunca vai conseguir alcançar”. Lynch, aliás, confessou que tem passado muito tempo treinando acordes e tocando sua própria guitarra.

Kanye West

“Eu amo “Blood on the Leaves “, uma das faixas do álbum Yeezus. É uma das peças mais modernas de todos os tempos e, ao mesmo tempo, é tão minimalista, tão poderosa, tão bonita. É uma grande, grande música”.

 

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David Lynch falou sobre o medo de metrô, sua paixão pela fotografia e que ataca de guitarrista (Foto: Divulgação)

 

* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura.