Lina Mello: “É preciso desconstruir o patriarcado para acabar com assédios como aconteceu comigo”


Intérprete de Zilpa na novela Gênesis, a atriz explica que hoje consegue falar sobre essa história que aconteceu na escola, aos 15 anos. “Fui assediada no colégio por um professor de 37 anos, que acabou sendo expulso da escola. Foi uma fase difícil. Na piração da cabeça dele, tinha a ideia de que um dia ia namorar comigo, de que um dia ia me ter”, revela. O machismo também pode ser visto na trama bíblica, da Record, onde sua personagem, Zilpa, serva de Jacó, gera filhos para seu senhor, em uma época em que era costume o homem ter várias mulheres

* Por Carlos Lima Costa

Em Gênesis, estreia da atriz Lina Mello em novelas, sua personagem, Zilpa, vive história peculiar como concubina. Lia, mulher de Jacó, pede para Zilpa gerar filhos para ele. Na época, era costume uma serva ter este tipo de obrigação para com seus senhores, mesmo sem ter qualquer relação afetiva. Outra prática, que neste caso ainda persiste em determinadas culturas árabes, é o homem ter várias esposas. Sem se colocar no lugar da dona da verdade, Lina assegura que não toparia nenhuma das duas situações. “Não acredito que existe um jeito certo de as pessoas viverem. E também não me acho no direito de julgar. Quem sou eu para dizer que esta ou aquela situação está errada. Mas não é o tipo de relação que me faria feliz. Minha questão não é nem fidelidade, é lealdade. Eu sou uma mulher de um homem só. Também não me sentiria bem nesse tipo de relacionamento com alguém dizendo o que devo fazer. Não gosto desse machismo exacerbado”, pontua.

Por conta desse machismo, na atualidade, ainda vemos mulheres apanhando e sendo mortas, muitos homens achando que podem tudo. “Isso é como o patriarcado foi construído, então, uma desconstrução é necessária”. Lina respira fundo ao revelar que já esteve no lugar da vítima: “Fui assediada no colégio por um professor de 37 anos, que acabou sendo expulso da escola. Foi uma fase difícil. Eu tinha 15 anos. Daí se separou da esposa coincidentemente na mesma época que meus pais estavam se separando. E vinha conversar comigo nos recreios como se eu fosse sua melhor amiga. Eu me sentindo supermadura, porque ele estava pedindo a minha opinião. Isso foi criando uma fantasia na cabeça dele que eu não tinha ideia”.

Lina Mello estreia em novelas interpretando Zilpa, em Gênesis, na Record (Foto: Camila Curty)

Lina Mello estreia em novelas interpretando Zilpa, em Gênesis, na Record (Foto: Camila Curty)

Relembra ainda que “o colégio começou a virar um inferno pra mim, minhas amigas começaram a me maltratar. Minhas notas consequentemente começaram a cair. Um dia, ele me levou para uma sala em um dos prédios onde não tinha ninguém, me trancou lá e começou a falar que era apaixonado por mim, estava desesperado, não sabia como lidar com essa situação. Foi um susto. Não quis contradizer para não dar problema, mas me senti na jaula do leão. Ele me deixou ir e eu cheguei em casa urrando de chorar”.

Lina contou o ocorrido para os pais, que, no dia seguinte, foram ao colégio. “Chorando, contei para minhas amigas o que tinha acontecido. Aí descobri que elas não estavam falando comigo direito, porque ele tinha inventado várias mentiras. Foi uma loucura”, recorda.

Lina Mello integra o elenco da série Unidade Básica da Universal TV (Foto: Camila Curty)

Lina Mello integra o elenco da série Unidade Básica da Universal TV (Foto: Camila Curty)

“Na piração da cabeça dele, tinha a ideia de que um dia ia namorar comigo, de que um dia ia me ter. Não encostou o dedo em mim, mas foi traumatizante, falou palavras que não era para eu ter escutado. E como todo mundo da escola gostava dele, até que todas as histórias saíssem debaixo do tapete, me trataram como se eu tivesse fazendo mimimi. Aos poucos, começaram a falar histórias, uma das meninas tinha ido para a casa dele, já tinha rolado. Ele era o cara que entendia a gente, mas por baixo do pano estava sendo extremamente perverso e pervertido. Ele realmente passou muito do ponto com outras pessoas, comigo não”, ressalta.

E completa: “Não me deixou um trauma, mas na questão sobre confiança me causou muito, porque eu abri para ele histórias superimportantes da minha vida. Tive que trabalhar isso na terapia”, completa ela que teve seu primeiro namoro com quase 17 anos, mas durou pouco. Ela foi para o Canadá fazer intercâmbio.

Lina analisa o que falta para a mulher se desvencilhar dessas situações que ainda acontecem. “Hoje, com 32 anos eu falo sobre essa história. Mas, antes eu tinha vergonha. Pensava em como fui otária de ter entrado naquela sala. Se eu berrasse ali, ninguém ia escutar. Então, tive a sorte dele não ter feito nada comigo. Acho que a gente ainda tem muito a conquistar, isso parte muito da educação. É recente essa questão do empoderamento, do chegar e falar. Tenho nove anos a mais que o meu irmão mais novo e vejo como o discurso dos amigos dele já é diferente do que falam os meus amigos. Mas ainda está muito aquém do que seria legal. Já escutei amigo meu falar que na Olímpiada a mulher não deveria ganhar prêmio parecido, porque o time das mulheres não dá tanto ibope quanto o time masculino. Absurdos assim”, explica.

"O valor da mulher ainda está muito na estética do que na capacidade dela", aponta Lina (Foto: Camila Curty)

“O valor da mulher ainda está muito na estética do que na capacidade dela”, aponta Lina (Foto: Camila Curty)

Recentemente, jogadoras da seleção de handebol de praia da Noruega foram multadas por não usar biquíni na competição europeia. E nas Olimpíadas, atletas alemãs tiveram a mesma atitude de protesto. “Elas jogam bem e tem que estar de biquíni? É a compreensão de que o valor da mulher ainda está muito na estética do que na capacidade dela. Isso ainda está muito incrustado no inconsciente, em baixo do pano do machismo”, reforça.

Lina não foi criada com ideias retrógadas. “Eu tive a sorte de ter uma mãe (Maria Dulce, que morreu há três anos) muito pra frente. Ela me educou para fazer o que eu quisesse. Por exemplo, nunca falou ‘não tome droga’. Ela dizia: ‘Se você usar, vai acontecer isso, isso, isso’. Minha mãe sempre me mostrou as consequências de tudo e eu fui escolhendo para onde ia. Ela sempre me deu muita liberdade”, pondera Lina, que na TV paga, interpretou uma estagiária de Medicina, na série Unidade Básica, da Universal TV, em 2019, trabalho que a remeteu a adolescência quando pensou em ser médica.

A vida amorosa, hoje, vai muito bem. Desde o início de março de 2020, ela namora o ator Ronny Kriwat, que participou de Gênesis. Os dois se conheceram gravando um comercial em setembro de 2019. “Passar a pandemia sem namorar ia ser mais difícil (risos)”, diz ela. Os dois acabaram morando juntos nos três primeiros meses da pandemia e em outros quatro, dividiram um sítio com um casal de amigos. “Eu me mudei para o Rio em novembro, mas, hoje, cada um tem seu canto. Vivemos uma experiência de casal, foi muito legal, mas ainda estou nova para casar. Na verdade, já tive minha experiência de casamento, em que meu ex tinha filho, cachorro, tudo junto, mas dessa vez quero ir com mais calma. Nunca sonhei com véu, grinalda, flor de laranjeira. Agora, não sei como vai ser o futuro, mas queria realizar um ritual que fosse legal para a gente poder juntar os nossos trapinhos”, afirma ela, que começou a cursar teatro aos 14 anos.

Ronny Kriwat e a namorada, Lina Mello (Foto: Reprodução Instagram)

Ronny Kriwat e a namorada, Lina Mello (Foto: Reprodução Instagram)

A estreia profissional no palco aconteceu interpretando a Bela no espetáculo A Bela e A Fera, em 2018. “Hoje em dia, brinco falando que sou uma multiartista, desenho muito bem. Desde pequenininha sou muito criativa. Eu acumulava muita sucata em casa, por exemplo, transformava pote de Yakult em vários brinquedos diferentes, eu era superrainha da sucata, inventava várias coisas. Hoje, estou com um projeto de moda em crochê e tricô, que aprendi a fazer com minha mãe. Já estou vendendo para os amigos. Eu cursei design, então, no momento, estou criando a identidade visual da marca”, conta ela, que costuma fazer crochê nas pausas das gravações. “É o meu jeito de respirar fundo e me concentrar para gravar a próxima cena. É meu ócio criativo. Sempre me zoam, falam: ‘Ih, saiu a Zilpa, encarnou a vovó’. Eu acho graça”, diverte-se ela.