Julia Konrad e polêmica de falta de posicionamento de atores na web: ‘Se não houver debate, falhamos como cidadãos’


Atriz, no momento, grava a série ‘Rio Connection’, parceria da Globoplay com a Sony, toda com diálogos em inglês, e afirma que empresta sua visibilidade às causas que acredita. “Sou uma cidadã inquieta”, assegura Julia, que aborda desde questões sobre relacionamentos tóxicos até política e meio ambiente. “Aquele que se aliena de tudo isso, falha na função primordial do dever da arte que é promover mudanças e debates”, ressalta. Ano passado, partindo de sua própria experiência, a atriz trouxe à tona o debate do estupro conjugal. “Vi que era necessário falar sobre o assunto. A ideia era abrir a roda de conversa e entender o que é o consentimento. Não pode ter nenhum tipo de coação psicológica ou física”, enfatiza

Julia Konrad e polêmica de falta de posicionamento de atores na web: 'Se não houver debate, falhamos como cidadãos'

* Por Carlos Lima Costa

Conhecida por atuações em novelas como Geração Brasil, Sete Vidas, Malhação – Seu Lugar no Mundo e O Sétimo Guardião, e que este ano marcou presença nas plataformas de streaming com as séries Cidade Invisível, da Netflix, e Dom, da Amazon Prime Video, Julia Konrad, no momento, grava a série Rio Connection, parceria da Globoplay com a Sony, toda com diálogos em inglês e sobre criminosos europeus que faziam a rota de tráfico de heroína do Rio para Miami nos anos 70. E ela não se limita apenas a desempenhar o trabalho de atriz. Mas também o de cidadã. Antenada com os problemas da sociedade, ela usa seu Instagram para trocar ideias ao debater assuntos que considera relevantes. Ela aborda desde questões femininas como o ato sexual sem consentimento, o padrão de beleza, até política e meio ambiente.

Julia Konrad segue a linha da humorista Samantha Schmütz, que considera que o artista deve se posicionar. “Concordo plenamente com essa posição da Samantha, porque a gente faz parte de uma classe que tem voz, projeção, visibilidade. Como já disse, se a gente não usa isso para melhorar o mundo, colocando pautas que valem a pena ser conversadas, estamos falhando no nosso dever como artistas e cidadãos”, enfatiza. “Sou uma cidadã inquieta nesse sentido. Gosto de me manter informada sobre o que está acontecendo, estudar, emprestar a minha voz e plataforma para lutar pelas causas que acredito. Aquele que se aliena falha em uma função primordial do dever da arte que é promover mudanças e debates, e lutar pelos direitos dos oprimidos. Uma vez que temos certa visibilidade e estamos em um lugar de privilégio, o mínimo que podemos fazer é emprestar a nossa voz às causas que importam”, frisa.

Julia grava a série Rio Connection, parceria Globoplay e Sony, e em seu Instagram, gosta de postar temas relevantes (Foto: Dêssa Pires)

Julia grava a série Rio Connection, parceria Globoplay e Sony, e em seu Instagram, gosta de postar temas relevantes (Foto: Dêssa Pires)

Ano passado, Julia fez um desabafo em uma carta aberta a uma revista feminina sobre ter passado por estupro conjugal, quando uma mulher, mesmo sem consentir, se vê obrigada a ter relação sexual com o marido, na hora que o homem deseja, e abordou a importância das mulheres se livrarem de relacionamentos abusivos. A partir disso, muitas a procuraram em sua rede para desabafar sobre casos semelhantes. “Desde o primeiro momento que a carta se tornou conhecida, meu Instagram virou quase um centro de triagem, porque recebi inúmeras mensagens de mulheres que já tinham saído de situações de violência e queriam relatar, e de outras, que, ao lerem a carta, perceberam que estavam nessa situação, e procuravam ajuda. Foram meses de acolhimento na esfera digital e tentando encaminhá-las para os canais apropriados, especialistas no assunto, porque não sou médica, nem advogada. Uma foi validando a história da outra, então, foi um momento importante de troca”, relembra.

O desabafo serviu como uma catarse, mas o relato que fez foi pensado e ponderado durante um tempo. “Não foi uma atitude impulsiva, tipo do nada acordei um dia querendo falar. Fui amadurecendo a ideia e entendendo qual era a importância. Pensava em mim mesma anos atrás, quase como se eu pudesse escrever uma carta para mim, para que eu lesse naquela época e me despertasse. O que eu escreveria? Começou assim. Conversei com minha terapeuta, com outras mulheres, com minha advogada. Quis tomar todo cuidado para não me expor demais também. Vi que era necessário falar sobre o assunto. A ideia era abrir a roda de conversa e entender o que é o consentimento. Não pode ter nenhum tipo de pressão ou coação, seja psicológica, física. É um assunto que eu tento me aprofundar mais e mais”, observa.

Para ela, nessa sociedade patriarcal, os homens precisam entender que a mulher não tem a obrigação de estar disponível a hora que eles desejam. “Isso ainda é comum. Pelas conversas que tenho, eu sinto que existe essa cultura de que se você está casada, se tem um relacionamento, meio que tem esse dever de estar ali disponível a hora que o cara quiser, porque, caso contrário, ele vai procurar outra na rua ou terminar com você, ou até mesmo praticar violências mais explícitas e graves. Meu advogado me contou que até bem pouco tempo existia um termo que se usava na legislação, o débito conjugal. Uma mulher deveria estar ali pronta para satisfazer o marido, senão dava base para o divórcio. Isso é um reflexo de como é a sociedade”, aponta.

"Existe a cultura, de que se a mulher está casada, ela tem o dever de estar ali disponível a hora que o marido quiser, porque senão ele vai procurar outra na rua", frisa Julia (Foto: Dêssa Pires)

“Existe a cultura de que se a mulher está casada, ela tem o dever de estar ali disponível a hora que o marido quiser, porque, caso contrário ele vai procurar na rua”, frisa Julia (Foto: Dêssa Pires)

As palavras de Julia até remetem ao personagem interpretado por José Wilker (1944-2014), no remake da novela Gabriela, de 2012. Toda vez que o Coronel Jesuíno desejava fazer sexo com a esposa, ele repetia o bordão: ‘Deite, que vou lhe usar’. “Os tempos estão começando a mudar, mas, enfim, são debates que precisam vir para a mesa”, reforça.

Cobranças estéticas

Outro tema abordado por Julia é o da estética e da eterna busca da mulher pelo inatingível. “Isso vem de muito tempo atrás, das mulheres terem sempre que estar impecáveis, perfeitas e a gente sempre caindo em um lugar de se comparar com a outra, o que também alimenta a rivalidade feminina. É toda uma construção bem amarrada ali, um ciclo de onde a gente não consegue sair e eu acho que as redes, principalmente quando começou o boom das influenciadoras e via Instagram, começou-se a vender a imagem de uma vida, um corpo, uma pele e um relacionamento perfeitos e isso foi adoecendo as pessoas. A gente fica se comparando com a vida de outras pessoas e, às vezes, é tudo uma grande mentira, um grande photoshop em todos os sentidos. Então, esse movimento tanto da pele quanto do corpo livre é importante. Já que temos essa ferramenta de comunicação em massa, é bom a gente mostrar que não é bem assim, não existe um corpo perfeito, uma pele perfeita, nem uma vida perfeita e tudo bem”, pondera em longo desabafo. E acrescenta outro ponto: “Começamos a trocar as nossas referências do que a gente acha bonito e da onde vem esse padrão, como ele foi construído? São questionamentos que estão vindo à tona de uns anos para cá e que eu acho importante, principalmente para a saúde mental das mulheres”.

Julia mesma já viveu essa autocobrança. “Toda mulher passa por uma comparação infinita. É triste não conseguir sair disso. Você sempre vai achar que não é suficiente, não consegue se bastar. A quebra desse paradigma, digamos, vem justamente para fazer esses questionamentos, olhar para dentro e começar a entender que a gente se basta sim. Precisamos mudar nossas referências e padrões”, aponta.

"A gente fica se comparando com a vida de outras pessoas e, às vezes, o que vemos nas redes é tudo uma grande mentira, um grande photoshop em todos os sentidos", aponta Julia (Foto: Dêssa Pires)

“A gente fica se comparando com a vida de outras pessoas e, às vezes, o que vemos nas redes é tudo uma grande mentira, um grande photoshop em todos os sentidos”, aponta Julia (Foto: Dêssa Pires)

Temas relevantes em séries dos streamings

Muitas vezes, os temas podem surgir até por conta do trabalho que Julia esteja desenvolvendo. Por exemplo, em Cidade Invisível, da Netflix, ela interpreta uma antropóloga, ativista ambiental. A preservação do meio ambiente é um assunto vital e os últimos anos no Brasil têm sido marcados por desmatamentos e queimadas. “Este é um tema urgente. Quando recebi a personagem, em 2019, a realidade era ruim, mas não tanto como hoje em dia. Piorou bastante. A série tem uma mensagem de que temos que preservar o que é nosso. E é um assunto importante para debater fora da ficção. Temos que discutir e cobrar mudança da política em relação ao meio ambiente, porque é o futuro dos nossos filhos e das próximas gerações”, ressalta.

Em outro projeto recente, a primeira temporada da série Dom, da Amazon Prime Video, ela fez uma participação como uma agente da Interpol nos primeiros episódios. “Fiquei surpresa com o retorno que eu tive. Foi bem legal gravar. Já havia trabalhado com o Breno (Silveira) e sua equipe, então, foi como voltar para a família”, afirma ela, cuja personagem falava em espanhol. Fato que tirou de letra. Pernambucana de nascimento, Julia, na infância, foi com a família para Buenos Aires, onde viveu dez anos. “Muita gente começou a me seguir achando que eu era estrangeira e se surpreendeu ao ver que sou brasileira”, relata. A série mostra o submundo das drogas. “Este é um assunto delicado. Acho que a forma como a guerra as drogas é levada, é prejudicial ao todo. Mas não sei exatamente qual seria a melhor forma de lidar com isso. É um tema polêmico que precisa de muito estudo”, pondera.

Seria Julia uma mulher empoderada, como se diz atualmente? “Tenho os meus dias como qualquer outra pessoa. Tem dias em que me sinto muito bem comigo mesma e em outros, não. Aprendi a abraçar e acolher ambos os momentos e entender que isso faz parte. A gente oscila, muda todo dia, então, não tem como a nossa autopercepção não ser dessa forma também. Outra conversa que tenho com as mulheres é que devemos tomar cuidado para não cair na prisão da autoaceitação a todo custo. Isso é tão nocivo quanto. Se você se olha no espelho e não consegue se achar bonita, está tudo bem você realizar algum tratamento ou cortar o cabelo, por exemplo. Mas não precisa se forçar a nada para se aceitar. Essencialmente é ser mais gentil consigo mesma”, ensina.

"A mulher não precisa se forçar a nada para se aceitar. Essencialmente é ser mais gentil consigo mesma”, avalia a atriz (Foto: Dêssa Pires)

“A mulher não precisa se forçar a nada para se aceitar. Essencialmente é ser mais gentil consigo mesma”, avalia a atriz (Foto: Dêssa Pires)

Prazer de cantar e desejo de carreira internacional

Em paralelo aos trabalhos como atriz, Julia já lançou os singles Vuelve (composta por Johnny Hooker com versão em espanhol dela) e Colores, sendo esta canção autoral em parceria com Barro, e, às vezes, faz uns posts cantando. Mas, pelo menos por enquanto, não pensa em se desenvolver na profissão de cantora. “Está em aberto. É algo que eu curto bastante, mas é uma carreira que exige dedicação e tempo que eu não sei se tenho agora para parar, me fechar em um estúdio, compor e brincar com isso. Graças a Deus a minha carreira de atriz está indo bem, trabalho bastante. Então, a parte da música vem quando estou mais tranquila em relação aos projetos como atriz”, explica. E não descarta um dia participar de algum programa como o Popstar ou o The Masked Singer Brasil. “Acho que poderia ser uma possibilidade, depende muito do momento”, diz ela, que no início da pandemia, junto com o namorado, Pedro Marques, da área de marketing, ficou isolada na casa dos pais dele, no Morumbi, em São Paulo.

“Tive bastante sorte de estar em uma situação confortável e acolhedora no início dessa fase. Por ser uma casa, com jardim, conseguia, por exemplo, passear com a cadela, então, não tive uma sensação de enclausuramento. Quando comecei a voltar a ter compromissos profissionais, a ter novamente a convivência social, aí deu um choque. Ficava nervosa no começo com o que podia acontecer, depois relaxei, obviamente tomando todos os cuidados sempre”, explica ela, que no último dia 19, foi imunizada com a segunda dose da vacina contra a covid e foi surpreendida em seguida ao emitir seu Certificado de Vacinação. No registro, ela consta como estrangeira.

“Fiz a famosa enquete do Instagram e tentei entender se as pessoas estão passando por problemas ao tirar o certificado e parece que sim. Tem alguns vindo com dados errados. Me falaram que devo esperar o prazo de 20 dias, se não retificar sozinho é para ir em um posto de saúde e tentar resolver. Mas achei curioso (risos), deve ser algo do sistema ou um sinal do destino que em breve estarei no exterior”, conta com bom humor.

Além de viver em Buenos Aires, na Argentina, ela já morou, em Nova York, nos Estados Unidos, onde se formou pela American Musical and Dramatic Academy. E tem vontade de ir para o exterior novamente. “Desde que comecei a ser atriz, eu me vejo trabalhando internacionalmente. Eu naturalmente busco essa mudança de ares. Tenho tentado desenhar a minha carreira escolhendo uns trabalhos que de alguma forma me auxiliem nessa carreira mais internacional. Com certeza, é uma ambição”, finaliza ela que atuou no filme Allure, do diretor sérvio Vladan Nikolic.