Isabel Teixeira fala de ‘Pantanal’ e reflete: “Me vejo com essa beleza que está além da geração, do gênero”


“Recebo relatos de pessoas que se reconhecem em situações similares à Maria Bruaca”, diz Isabel, acrescentando que já teve muito sucesso na vida, mesmo com pouco público, algumas vezes: “A fama é diferente do sucesso. Acredito que sucesso é ter dias belos e úteis trabalhando”. Fala de como se sente bem sendo exatamente quem é. “Estou nesta novela como uma atriz que traz outro corpo. Mas isso não sou eu, é um movimento muito maior. Eu me vejo com a Liniker, com o Paulo Vieira, com a Gaby Amarantos. Me vejo nessa turma. Além do corpo, além do padrão, sem problematizar isso”

Isabel Teixeira como Maria Bruaca em 'Pantanal' (Divulgação/ Globo)

Isabel Teixeira como Maria Bruaca em ‘Pantanal’ (Divulgação/ Globo)

*Por Brunna Condini

No único dia de folga da intensa rotina de gravações de ‘Pantanal’, Isabel Teixeira passou dando entrevistas. “Mas gosto. Aliás, sempre gostei. É um momento importante de pensar sobre o trabalho”, diz a atriz paulistana de 48 anos, que começou sua trajetória no teatro aos 10. Ela deu essa entrevista por vídeo ao site, do apartamento em que está hospedada no Leme, Zona Sul do Rio de Janeiro. “Uma grande amiga me emprestou, estava há seis meses em hotéis. Aqui me sinto um pouco mais em casa”. E começa analisando o efeito ‘Maria Bruaca’ em sua vida, a personagem que conquistou o Brasil. “Ela é linda, não é em linha reta, tipo heroína de folhetim. Têm muitos percalços no caminho, mas agora começa também uma fase mais solar. Recebo muitos relatos no Instagram, de pessoas que se reconhecem em situações similares à dela ou dizem que isso aconteceu com sua mãe, avó. Me pega muito quando leio que tem gente hoje tentando encontrar o próprio caminho, como a personagem”.

Com uma performance potente (não dá para tirar os olhos dela em cena), Isabel comenta sobre o fato da sexualidade de uma mulher mais madura também estar em foco em uma novela no horário nobre. “Outro dia falei que revolucionário seria mostrar meu corpo nu, com o meu peito como ele é, com a vivência que teve – e é lindo, gostoso – em uma novela das 21h. Em seguida me perguntaram se eu faria isso. Não. Porque não estamos preparados para isso. Porque o que estariam olhando é se o peito é caído ou não. E não para uma personagem, uma mulher, que se depara com uma natureza tão grande, que deseja tirar a roupa e estar ali”.

Isabel Teixeira fala sobre sua Maria Bruaca de 'Pantanal' e a trajetória de 38 anos de carreira (Foto: Jorge Bispo)

Isabel Teixeira fala sobre sua Maria Bruaca de ‘Pantanal’ e a trajetória de 38 anos de carreira (Foto: Jorge Bispo)

Em novelas ela estreou há três anos, em ‘Amor de Mãe‘, mas o caminho foi trilhado até então pelo teatro, como atriz, dramaturga, diretora e pesquisadora. O momento de intensa visibilidade é bem-vindo, mas não a deslumbra. “A televisão nunca foi um lugar que eu quisesse chegar como um ápice da minha carreira. Sempre me importei com o caminho, e esse trabalho que faço hoje é parte dele, vem para somar muito. Me orgulho da minha trajetória. E quero trabalhar até o meu último dia aqui. Não tem ápice, entendeu? É flat, movimento ininterrupto”, analisa.

A personagem suscita nas pessoas questionamentos do tipo: será que o que estou vivendo me faz bem? Vivo de acordo com o que diz seu coração? – Isabel Teixeira, atriz

“Profissionalmente, há uma mudança de alcance na comunicação, mas não do propósito. Todos os trabalhos que fiz não foram menos importantes do que esse. Sempre os ‘lacei’ com a mesma importância. A vida é escrita pelos trabalhos que você fez como se fossem um só. Já tive muito sucesso na vida, mesmo com pouco público, algumas vezes. A fama é diferente do sucesso. Acredito que sucesso é ter dias belos e úteis trabalhando”.

“A televisão nunca foi um lugar que eu quisesse chegar como um ápice da minha carreira" (Foto: Jorge Bispo)

“A televisão nunca foi um lugar que eu quisesse chegar como um ápice da minha carreira” (Foto: Jorge Bispo)

Sucesso de público

Esse sucesso da Maria Bruaca se deve a quê? “Acho que é uma conjuntura de fatores. Trabalho pondo meu coração. Às vezes dá certo, outras não. É algo imprevisível. E estou trabalhando dentro de uma técnica que não domino, estou aprendendo, sempre fui do teatro. Às vezes esse ‘não dominar’ é muito bom. O não saber fazer gera uma novidade”, elabora. “Mas penso que o principal é como o público recebe essa história hoje. O fator tempo-espaço. Conversei com a Ângela (Leal) sobre isso. A Maria Bruaca da primeira versão também foi uma personagem forte, mas foi diferente lá na década de 1990. As pessoas não diziam para colocar um cropped e reagir, porque esses abusos que ela sofre eram comportamentos ainda meio naturalizados na época. Mas o mundo vem mudando. Não digo que é um avanço, o retrocesso coexiste com a abertura. A humanidade caminha também dando passos para trás. O que existe hoje é um movimento de liberdade”.

Isabel Teixeira como Maria Bruaca em 'Pantanal' (Divulgação/ Globo)

Isabel Teixeira como Maria Bruaca em ‘Pantanal’ (Divulgação/ Globo)

E frisa: “O caso da personagem é muito específico. É um abuso matrimonial, patrimonial, moral, está tudo englobado na Lei Maria da Penha. Isso ainda existe muito no Brasil, então existe uma identificação direta. O que a Maria Bruaca passa ela não consegue nominar, e tem que ser apontado, nominado. Não pode mais acontecer. Ela aprende a identificar durante a novela. Pela queda, pelo erro, e isso gera uma comoção. Acho que ela suscita nas pessoas alguns questionamentos também, do tipo: será que o que estou vivendo me faz bem? Vivo de acordo com o que diz seu coração?”.

Além do corpo, além do padrão

Pensar em padrões impostos para definir a beleza feminina não é algo de que Isabel se ocupe hoje. “Saquei uma hora da minha vida que estava vivendo muito em função do que alguém pensaria ou do que um homem gostaria em mim, do tipo: “Tenho que ser gostosa para ele me olhar quando eu passar”. Me via sempre em relação ao olhar de alguém. E entendi que não. Quando eu estiver com alguém, quero estar ‘com’, e não em relação à pessoa”, reflete a atriz, mãe de Flora, de 11, e Diego, de 18, que teve com o ex-marido, o fotógrafo Roberto Setton.

Me vejo além do corpo, além do padrão, sem problematizar isso – Isabel Teixeira, atriz

Isabel diz que história de Maria Bruaca representa diferentes formas de abuso (Foto: Jorge Bispo)

Isabel diz que história de Maria Bruaca representa diferentes formas de abuso (Foto: Jorge Bispo)

Ela ama ser exatamente quem é. “Estou nesta novela como uma atriz que traz outro corpo. Mas isso não sou eu, é um movimento muito maior. Eu me vejo com a Liniker, com o Paulo Vieira, com a Gaby Amarantos. Me vejo com essa beleza que está além da geração, do gênero. E por que não, me vejo também na Anitta e na Pabllo Vittar , que é um corpo que deseja plastificar, fazer intervenções, porque pode fazer se quiser. Me sinto nesta turma. Além do corpo, além do padrão, sem problematizar isso. Não é mais uma questão para eles e para mim também não. Quando isso sair da pauta, não precisaremos mais nomear, porque o olhar muda. Estamos acolhendo muito mais possibilidades”, observa.

Para elas

Sua personagem mostra que nem toda mulher é atingida pelo movimento de libertação feminista, mas nem por isso está alheia à busca por respeito e igualdade. “Tem uma fala da Maria Bruaca em que diz: “O mundo é feito pelos homens, para os homens”. Ela foi privada de cultura, de outro olhar com esse abuso matrimonial. E redescobre a sexualidade de uma maneira que não consegue controlar. Depois sente ódio, culpa, arrependimento. Maria refaz o chão que perde, na chalana, e isso é simbólico também. Está sobre a água, é feminino, é restauro, movimento. Agora com essa fase na casa do José Leôncio, tapera, vai se restaurar enquanto pessoa em sociedade, que tem direitos. Ela tem direito a um teto, dela. Com ou sem Alcides”, salienta.

"Me sinto além do corpo, além do padrão, sem problematizar isso" (Foto: Jorge Bispo)

“Me sinto além do corpo, além do padrão, sem problematizar isso” (Foto: Jorge Bispo)

Para mulheres que vivem situações similares à de Maria Bruaca ou de opressão, Isabel diria: “Tem saída. Sempre tem. Pode não ser fácil e nem rápida. Mas busquem o autoamor, autoperdão, auto-acolhimento, e paciência consigo. Pede a mão para alguém se puder, vai te ajudar neste processo. A sororidade, esse restauro da mulher, é feito também por meio da conversa com outra mulher. Não se prive disso”.