Filme O Nome da Morte conta a história real de um assassino de aluguel que matou 492 pessoas


“Quem matou Marielle Franco? Isto é um caso claro de pistolagem. Isto existe em todos os lugares, não é só em cidades pequenas. É claro que temos que falar de impunidade, mas antes disso temos que falar sobre acesso à cultura. Ele claramente não seria isso se tivesse tido outras oportunidades”, afirmou Marco Pigossi

A violência das cidades brasileiras tem feito parte de grandes noticiários do Brasil e do mundo. Nestas matérias, traficantes, ladrões e corruptos são figurinhas repetidas, no entanto pouco se fala sobre os chamados ‘assassinos de aluguel’. O longa O Nome da Morte vai colocar uma lupa em um caso real que aconteceu no Brasil e mostrar a dubiedade destes ‘vilões’ da vida real, que podem ser carinhosos e ao mesmo tempo mortais. Baseado na história de Júlio Santana, o filme mostra a vida sem perspectiva de um jovem que cresceu no interior do país e, por lealdade ao tio, acabou entrando para esta profissão. Com 35 anos de carreira, o rapaz matou 492 pessoas. “Quem matou Marielle Franco? Isto é um caso claro de pistolagem. Isto existe em todos os lugares, não é só em cidades pequenas. É claro que temos que falar de impunidade, mas antes disso temos que falar sobre acesso à cultura. Ele claramente não seria isso se tivesse tido outras oportunidades. Este filme veio para abrir o diálogo. Toda a manifestação artística é uma denúncia e questionamento, mas também é entretenimento. De qualquer forma, mostra muitas coisas que acontecem no nosso país como impunidade, obrigação social e do indivíduo”, afirmou Marco Pigossi, que interpreta o personagem principal.  Dirigido por Henrique Goldman, O Nome da Morte foi exibido no Festival do Rio, onde foi muito elogiado pela crítica, e vai estrear nos cinemas de todo o país no dia 02 de agosto.

A montagem foi inspirada no livro do jornalista Klester Cavalcanti, que fez uma intensa pesquisa sobre o caso de Júlio Santana. O exemplar –que carrega o mesmo título do filme- já foi publicado em 13 países e ganhou o prêmio Jabuti de 2016 pela genialidade de uma escrita que não deixa passar nada, contando desde a personalidade do matador até a narração dos assassinatos, as vítimas e os nomes dos mandantes. “O autor fez uma pesquisa maravilhosa, recolheu fatos inéditos e o resultado foi muito bonito. Esta literatura me despertou a vontade de fazer o filme”, comentou Henrique Goldman. Apesar do livro conter diversas informações imprescindíveis para a construção do roteiro, transformá-lo em um produto cinematográfico foi um pouco mais difícil do que pode parecer. “A linguagem audiovisual é muito diferente da escrita e, por isso, tivemos que usar os fatos de uma maneira mais dramática. Dessa forma, nós praticamente construímos uma mentira para depois contar uma verdade. É um retrato muito mais subjetivo do que factual”, salientou.

Fabiula Nascimento, Henrique Goldman e Marco Pigossi na pré-estreia do filme no Rio de Janeiro (Foto: AGNEWS)

Além deste trabalho literário, o produto audiovisual também foi fruto de uma densa pesquisa da equipe que se inspirou em outros longas, livros, esculturas e quadros. No entanto, o diretor resolveu fugir do óbvio e não procurou estabelecer um contato muito grande com o verdadeiro protagonista da vida real. “Não quis encontrar o Júlio pessoalmente ou com a família dele. Sinceramente, não tenho uma preocupação com o que os parentes irão achar desta versão. Nós estamos contando uma história e gostaria que ela levasse as pessoas a refletir a respeito da violência e o valor da vida”, explicou o diretor.

Marco Pigossi faz o Júlio Santana, o matador profissional que inspirou a trama (Foto: AGNEWS)

A dificuldade de transformar esta pessoa da vida real em um personagem ficou a cargo, principalmente, do ator Marco Pigossi. Antes de compor Júlio, ele precisou entender as dualidades deste rapaz que consegue ser amoroso com o filho e um matador. Tanto na trama como na realidade, este jovem veio de uma família muito humilde do interior e cresceu sem qualquer perspectiva de ascensão. De acordo com o próprio protagonista, ninguém apostava no futuro dele por ser uma pessoa sem qualquer instrução. “O meu processo de construção foi muito baseado na frase: ‘O ser humano é um produto do meio em que vive. É igual um cachorro, se é treinado para atacar ele ataca’. Esta frase extremamente simplista de divisão de mundo me serviu para entender a cabeça do Júlio, que teria que passar por um trabalho de desconstrução. Além disso, contei muito com a ajuda do livro para compreender este cara”, relembrou Marco.

Fabiula Nascimento e Marco Pigossi interpretam o casal principal do filme (Foto: AGNEWS)

Esta sentença, de acordo com o mesmo, foi essencial para a construção do papel, porque, para ele, Júlio não teria seguido o caminho da morte se tivesse outra escolha. “O Júlio é o resultado de uma falta de acesso a tudo e, de repente, a única pessoa que demonstrava afeto por ele era o tio. Ele acaba sendo levado pelo tio para esta profissão, o que prova como conseguimos ser manipulados se não temos cultura”, considerou. O filme tenta mostrar que, apesar de sua profissão ser voltada para o mal, não estamos falando de uma pessoa cruel. “O nosso maior objetivo e desafio era mostrar como se sente uma pessoa que passa o dia matando e precisa voltar para casa para colocar o filho para dormir. Queremos que o público compreenda sem julgar este paradoxo”, afirmou o diretor Henrique.

Fabiula Nascimento interpreta a esposa do pistoleiro, uma mulher que precisa sobreviver neste meio para ficar com o amado (Foto: AGNEWS)

Marco Pigossi não é o único que precisou entender o seu personagem para tentar não julgá-lo. Na trama, Fabiula Nascimento interpreta a mulher deste matador profissional. Tanto na vida real como no audiovisual, Júlio sempre se mostrou uma pessoa carinhosa e religiosa. É casado com Maria e ambos formam uma família juntos. O amor pelo pistoleiro faz esta mulher continuar com ele, mas isto não significa que ela não se afete pela situação. “Existem cinco Marias dentro deste filme, na verdade, pois ela mostra faces diferentes de si mesma em cada momento. O pior é que ela acaba fazendo parte desta situação também, porque, afinal, os dois estão juntos e tem um filho”, salientou Fabiula. Inicialmente, a atriz comentou que precisou aprender a não julgar esta personagem. “Tive que entender que é uma pessoa sem perspectiva de vida, educação e cultura, o que torna complicado exigir que tome uma atitude”, lamentou.

Luiz Miranda foi prestigiar a amiga Fabiula Nascimento no tapete vermelho do longa (Foto: AGNEWS)

O Nome da Morte poderia facilmente ser vista como uma história de ficção, mas a triste realidade é que este tipo de profissão e criminalidade existe no nosso cotidiano. De acordo com os dois protagonistas e o diretor, isto se deve, em grande parte, pelo meio no qual este indivíduo cresceu. “Acho que nem todo mundo pode ser corrompido, isto é uma questão somente de acesso à cultura e à educação. Ter isso diminui a probabilidade de ir para um caminho ruim. Este filme fala exatamente desta linha na qual existe uma responsabilidade social sob o indivíduo e há a responsabilidade do mesmo. O fato de não ter instrução justifica as suas atitudes? Qual seriam, então, a culpabilidade do indivíduo? “, afirmou Marco. Dessa forma, o longa abre exatamente este discurso de até que ponto a sociedade tem culpa sobre a criminalidade do outro e vice-versa. “Sinceramente, não sei as respostas para estas perguntas, mas o grande barato é abrir o diálogo. Jamais vou falar o que acho, mas vou me expressar, como artista, através da minha arte, instigando a reflexão”, garantiu Marco Pigossi.