‘Fico impressionado com a liberdade que perdemos. Se pudesse, eu abria um Dancin’ Days hoje’, afirma Érico Brás


O ator, que estrelou o musical ‘O Frenético Dancin’ Days’ e terá um programa na TV Globo ao lado de Fernanda Gentil, é conhecido por sua luta a favor da liberdade sob todas as formas e por sua postura acirrada contra o racismo

Érico Brás, o DJ Dom Pepe de ‘O Frenético Dancin’ Days’, elogia o clima libertário dos anos 1970 (Foto de Leonardo Aversa)

*Por Jeff Lessa

Quando o musical “O Frenético Dancin’ Days” encerrou sua segunda temporada no Rio, no domingo, o ator Érico Brás garantiu: vai levar para a vida uma lição de liberdade e alegria. Aos 40 anos, Érico não conheceu a Frenetic Dancin’ Days Discotheque, boate surgida em 1976, e nem assistiu à novela “Dancin’ Days”, de Gilberto Braga, de 1978. No entanto, para viver o personagem do lendário DJ Dom Pepe, um dos criadores da boate ao lado de Nelson Motta, Scarlet Moon, Leonardo Netto e Djalma Limongi, o ator passou por uma imersão no estilo de vida e no modo de pensar dos anos 1970. E ficou fascinado com o que viu e sentiu. “Havia muita liberdade, era cada um na sua, literalmente. Essa peça foi importantíssima agora. Eu nem era nascido na época, mas fico impressionado com a liberdade de expressão que perdemos”, lamenta. “Se eu pudesse, abria um Dancin’ Days hoje mesmo”.

Érico juntou-se ao elenco do musical escrito por Nelson Motta e Patricia Andrade, com direção de Deborah Colker, em outubro do ano passado: “Eles estrearam sem mim. Eu estava em um outro compromisso em São Paulo”. Foi um dos dois atores que não precisaram passar por audição para ser contratado para o elenco, ao lado de Débora Reis, intérprete da fictícia Dona Dayse. O ator acredita que a carreira vitoriosa do espetáculo, que já foi visto por mais de 120 mil pessoas em oito capitais, se deva à vontade de uma parcela da população de reviver momentos de maior felicidade. “As pessoas querem se ver no palco, querem reviver um momento. Estão em busca de um lugar atemporal. Era uma galera que estava no auge da vida e experimentava sem medo, fazia o que queria”, observa Érico.

Na ‘Escolinha do Professor Raimundo’, ele dá vida ao Eustáquio, papel que foi de Grande Otelo (Foto de Caio Gallucci)

Ouvir a alegria com que Érico comenta a liberdade é apaixonante. Mas, paralelamente, ele não esconde a preocupação com os tempos atuais. “Estamos avançando para algum lugar que não sabemos o que é. Agora sentimos a opressão misturada com a vontade de dominação da vida das pessoas. Está muito difícil. Acredito que a causa disso venha da globalização, que ampliou o alcance do capitalismo pelo mundo. Hoje, a gente sabe mais sobre o que se passa com uma pessoa na Síria do que o que está acontecendo com o vizinho”, opina. “Não aceito, também, as soluções iguais para todos, os problemas vistos do alto, generalizados. “O meu meio cultural faz de mim um cara diferente de outro em algum país. Não somos idênticos, é necessário que se diga isso”.

Conhecido por sua luta ferrenha contra o racismo, ele já passou por momentos no mínimo “pesados”. Em março de 2016, Érico e sua mulher, a escritora Kenia Maria, foram retirados de um voo da Avianca que vinha de Salvador para o Rio supostamente por não cumprirem as solicitações de segurança feitas por comissários de bordo. “O capitão nos tratou com grosseria, jogou a mala da minha mulher no bagageiro”, comentou à época. Em novembro do mesmo ano, o 23º Juizado Especial do Rio deu ganho de causa ao casal, mas a sentença só foi divulgada meses depois. Érico comemorou discretamente no Instagram, onde mandou o recado “E a luta continua…”.

Uma das facetas mais interessantes dessa militância é a web-série “Tá Bom pra Você?”, produzida a partir de 2013 (no momento, a produção está interrompida, mas deve voltar ao ar em breve). A ideia básica é recriar comerciais de TV com atores negros – na verdade, trata-se de uma colaboração em família, estrelada pelo ator, sua mulher e seus dois enteados, Mateus e Gabriela Dias. Na época do lançamento da série, o ator chamou a atenção para o fato de que a população negra também faz parte do mercado de consumo, embora a publicidade em geral faça de tudo para ignorar isso.

“A margarina, por ser um produto mais barato, é consumido muito mais pela população de baixa renda. E nós sabemos a cor da pobreza. Nem mesmo assim as empresas se propõem a colocar negros fazendo a propaganda. E é isso que o Tá Bom pra Você quer fazer. Estamos mostrando que o negro consome e os publicitários devem atentar para isso”, disse, na época do lançamento do canal.

Na websérie ‘Tá Bom pra Você’ ele fala de temas ligados ao racismo (Foto de Leo Aversa)

Eis uma das razões pelas quais Érico e Kenia entraram para a lista dos Cem Negros Mais Influentes do Mundo, celebrados numa cerimônia realizada em outubro do ano passado em Nova York, pela organização mundial Most Influential People of African Descent (Mipad). Também fazem parte dessa lista o ator Chadwick Boseman, protagonista de “Pantera Negra”, o neto de Nelson Mandela, Nbaba Mandela, e a ex-atriz americana Meghan Markle, duquesa de Sussex. Muito, muito chique.

O ator tem um currículo de qualidade. Fez “Ó Paí, Ó” no cinema e na TV, participou de “A Grande Família”, na Globo, fez parte do elenco fixo de “Tapas & Beijos”, também na Globo, integrou o elenco do “Zorra” e faz o Eustáquio na “Escolinha do Professor Raimundo”, papel que foi de Grande Otelo. Agora ele se prepara para comandar um programa ao lado de Fernanda Gentil na Globo. O projeto, ainda sem nome, deve estrear entre setembro e outubro desse ano. A atração deve misturar entretenimento, jornalismo e humor e terá uma plateia ao vivo em estúdio.

Ainda vamos ouvir falar muito de Érico Brás.