“Faço questão de entender quais são minhas atitudes machistas e tento não repeti-las”, diz Marcelo Cavalcanti


Pai da pequena Teresa, de 2 anos, e sobrinho-neto de Maria Clara Machado, Marcelo Cavalcanti prepara o espetáculo “Momento propício”, no qual vai falar de paternidade. “Quero provocar e chacoalhar a figura paterna, questionando algumas atitudes da sociedade, inclusive as minhas. A sociedade brasileira está afogada no machismo estrutural. Temos que localizar e exterminar essas atitudes e estruturas, educando nossas crianças para que não reproduzam esse pensamento totalmente ultrapassado, retrógrado e opressor”, explica

*Por Simone Gondim

Desconstrução é a palavra do momento na vida de Marcelo Cavalcanti. Cercado de mulheres – é casado com a atriz Aline Fanju, com quem tem a pequena Teresa, de 2 anos – o ator e diretor vem refletindo muito sobre a paternidade e o machismo tão presente na sociedade brasileira. “Faço questão de entender quais são minhas atitudes machistas e tento não repeti-las. Reconheço que é difícil, porque está muito arraigado, mas estou muito disposto e dedicado a mudar isso”, afirma. Seu próximo projeto é a peça “Momento propício”, na qual vai falar de um tema delicado: a ausência paternal. “Quero provocar e chacoalhar a figura paterna, questionando algumas atitudes da sociedade, inclusive as minhas”, explica.

Por causa da Covid-19, o espetáculo ainda não tem previsão de data para ganhar os palcos. “Caso a situação dos teatros continue ruim, vou adaptar para fazer essa estreia na web”, promete Marcelo. O coronavírus, aliás, prejudicou outro trabalho do artista. Junto com Cacá Mourthé, ele assinava a direção de “O cálice sagrado”, comédia inspirada em um dos clássicos do grupo britânico Monty Python, que estava em cartaz no teatro O Tablado, no Rio de Janeiro. “Como já havíamos vendido alguns ingressos antecipados, tivemos que devolver o dinheiro. Foi muito triste. A peça estava enchendo a casa”, lamenta. “A pandemia veio como uma rasteira. Tivemos que lidar de maneira imediata com algo invisível que até hoje está matando muita gente”, observa.

“Haters existem e temos que aprender a lidar com eles”, diz Marcelo (Foto: Divulgação)

Cumprindo as medidas de isolamento social, Marcelo reconhece que, como muitas pessoas em todo o mundo, precisou se reinventar durante a pandemia. “Estabeleci uma nova rotina e malhava todo dia. Só que isso foi se desgastando e eu comecei a me sentir improdutivo artisticamente. Precisava fazer alguma coisa e passei a criar conteúdos para internet, além de terminar meu texto sobre a paternidade. Também fiz um vídeo distópico de três minutos sobre ficar confinado. Tudo isso foi me aliviando”, conta. “Mas nem passei perto da chamada Síndrome da Cabana. Estou louco para sair de casa”, confessa.

Um dos conteúdos para internet elaborados por Marcelo durante a quarentena é o “Improlive”, disponível no Instagram @mqlc_. O projeto, que nasceu despretensioso, tem feito sucesso. Toda quinta, às 21h, entra no ar um esquete com ele e dois convidados, cada um na sua casa, atendendo pedidos do público. “O improviso é uma paixão. A ideia inicial era juntar e rever os amigos pra tentar se divertir e abstrair desses tempos difíceis. O retorno foi muito positivo, não só do público como dos convidados, que adoram a experiência”, comemora. “Eu produzo, faço a programação visual e apresento o ‘Improlive’. Amigos como Mateus Solano, Lucio Mauro Filho, Paulinho Serra, Daphne Bozaski, Dudu Azevedo, Jeff Schroeder, Polly Marinho, Thais Belchior, Thaty Taranto e George Sauma já participaram”, acrescenta.

Marcelo com a mulher, a atriz Aline Fanju, e a filha Teresa (Foto: Reprodução Instagram)

Embora tenha uma experiência positiva na internet, Marcelo sabe que nem tudo é paz e amor no mundo virtual. “Haters existem e temos que aprender a lidar com eles. Na minha opinião, o melhor é ignorá-los, assim perdem força e propósito. Não estão ali para debater ideias, então não existe dialogo, só embate ofensivo. Não vale a pena”, garante. Sobre a cultura do cancelamento, tão em voga atualmente, o ator acha necessário avaliar caso a caso. “Quando o cancelamento tem uma causa justa, acaba sendo muito importante para tirar do ar pessoas perigosas e com pensamentos antidemocráticos. Mas o grande perigo é quando as fontes não são checadas e esse linchamento acaba sendo desproporcional”, ressalta.

Ao falar em haters, Marcelo lembra que o machismo e a misoginia estão por trás de muitos discursos de ódio. “A sociedade brasileira está afogada no machismo estrutural. Temos que localizar e exterminar essas atitudes e estruturas, educando nossas crianças para que não reproduzam esse pensamento totalmente ultrapassado, retrógrado e opressor”, acredita. “O feminismo é uma luta por direitos iguais. Espero que Teresa possa crescer em um mundo mais igualitário, no qual as pessoas respeitem as diferenças. Um mundo menos machista, misógino e preconceituoso, onde ela possa ser quem quiser”, completa.

“Espero que Teresa possa crescer em um mundo mais igualitário, no qual as pessoas respeitem as diferenças”, torce Marcelo (Foto: Divulgação)

Quando o assunto é a filha, Marcelo se derrete. “Ao ter filhos, a perspectiva muda. Sua vida não é mais só sobre você. A prioridade é toda da criança. Não penso mais nada sem pensar na Teresa antes. Você entende o que é o maior amor do mundo”, descreve. “Sempre quis ser pai de uma menina e dividir a casa com elas já é maravilhoso. Acredito que um grande passo para que tudo continue bem é a gente sempre se escutar e se respeitar”, diz.

O ator defende a importância de marcar posição, especialmente no que se refere ao machismo. “Precisamos nos posicionar o tempo todo. Identificar,  apontar e entender que o machismo está em toda parte. Está nas estruturas familiares, no trabalho, com as diferenças de salários, na origem dos casamentos, na exposição do corpo da mulher nas mídias em geral e muito mais. As pautas não são poucas”, esclarece. “Acho que minha maior colaboração, em parceria com Aline, minha esposa, vai ser na criação que estamos dando para Teresa. Focados em criar uma mulher forte, ciente de seus direitos e cheia de autonomia. Os pais de meninos precisam ter essa consciência e comprometimento também. Só assim podemos refazer os pilares da sociedade de maneira igual”, enfatiza.

Sobre os ataques recentes à cultura e a crise no setor, Marcelo procura ser otimista. “Estou sem trabalho contratual há cinco meses e sem perspectiva. Isso mexe com o psicológico. Ando muito emotivo ultimamente”, revela. “A arte e a cultura não morrem. São abafadas e censuradas por governos autoritários e voltam mais fortes. No caso das produções audiovisuais, já estão voltando aos poucos, mas em relação ao teatro creio que o retorno pós-pandemia virá pelas ruas, praças, jardins, espaços arejados e público reduzido, que já é uma marca do teatro contemporâneo. O teatro vai renascer em espaços alternativos e ventilados, não em uma caixa preta. Para o teatro renascer, precisamos revisitar as origens ancestrais”, conclui.

(Foto: Divulgação)