Em sua estreia, “Ligações perigosas” conquista o público com atuações magistrais e o nascimento de uma nova vilã queridinha: Isabel D’Ávila de Alencar


A personagem vivida por Isabella Santoni e Patrícia Pillar foi o grande destaque do primeiro capítulo da nova minissérie global, com cenas de luxúria, acessos de raiva e dissimulação dignas das melhores antagonistas da teledramaturgia nacional

Marcando uma média de 22,5 pontos na audiência (algo regular para o horário da globo), “Ligações perigosas” estreou na noite de ontem para a agrande alegria do público e dos internautas, que acompanharam a adaptação do clássico “Les liaison dangereuses”, escrita por Choderlos de Laclos como uma exposição crua e visceral da alta sociedade francesa de 1782, em todas as redes sociais. Com tecnologia 4k de ultra-alta definição (recurso aproveitado por uma parcela ínfima do público), o texto de Manuela Dias, com direção geral de Vinícius Coimbra e direção de núcleo de Denise Saraceni se passa na cidade interiorana e fictícia de Vila Nova, em 1928, e tem por objetivo escancarar o lado obscuro da alta sociedade da época. Com 10 episódios, a minissérie segue os jogos sexuais e as manipulações de Isabel D’Ávila de Alencar (Patrícia Pillar) com seu parceiro de crime Augusto de Valmont (Selton Mello), enquanto ambos tentam corromper as pessoas à sua volta.

No episódio inicial, não houve quem mais brilhasse mais do que Isabel e, como causa ou consequência, suas intérpretes. O público de casa, claro, já viu Patrícia Pillar como uma mulher megalomaníaca e sociopata em outras ocasiões, com a mais memorável sendo Flora, de A Favorita” (2008), mas em “Ligações perigosas” ela consegue adicionar um desprezo pelas amarras sociais e a ingenuidade dos que a cercam que transparece em cada sílaba. Ao mesmo tempo, a liberdade sexual da personagem é um quê a mais que ajuda no quesito empatia, uma vez que ela se mostra muito à frente de seu tempo e, mesmo que tente não demonstrar, acaba se prejudicando, vide a cena em que é criticada por “se dar ao desfrute sem ser casada”.

Patrícia Pillar como Isabel D'Ávila de Alencar, em "Ligações perigosas" (foto: Divulgação)

Patrícia Pillar como Isabel D’Ávila de Alencar, em “Ligações perigosas” (foto: Divulgação)

A grande surpresa trazida nesse piloto foi indubitavelmente Isabella Santoni. Sim, ela já havia dado outras provas de que é uma das atrizes mais promissoras da nova geração global e, como quase toda ex-“Malhação”, carrega atrás de si uma legião de fãs. Mas sua versão de Isabel foi perversa e cruel na medida certa, dosando muito bem a suposta ingenuidade de uma adolescente casada contra sua vontade. Na cena em que tenta seduzir o padre no confessionário, a forma entorpecida com que sorri, sussurra e se toca na Igreja trouxe uma completa transformação da atriz, que parece ter saído do casulo e virado uma borboleta devassa em frente aos olhos do público. E, diga-se de passagem, não deve ser tarefa fácil dividir um personagem com Patrícia Pillar, mas Santoni mostrou que dá conta do recado e não fica à sombra da colega.

Na pele da inescrupulosa Isabel, Isabella Santoni foi a maior surpresa do primeiro episódio de "Ligações perigosas" (foto: Divulgação)

Na pele da inescrupulosa Isabel, Isabella Santoni foi a maior surpresa do primeiro episódio de “Ligações perigosas” (foto: Divulgação)

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Na pele de um incurável sedutor, Selton Mello se esbalda com as possibilidades que Augusto de Valmont proporciona. Mais do que isso, sua química com Patrícia Pillar parece genuína, e a dupla consegue prender a atenção do público enquanto comanda as cenas com maestria, em um duelo de ótimas atuações, cheias de nuances e trejeitos subliminares que não deixam os papeis caírem no fosso da generalização ou em um lugar comum de burguesia entediada. Isso sem falar nas perversões sexuais de ambos, que dão uma apimentada a mais na história e ainda devem trazer ótimos momentos.

Selton Mello como o playboy garanhão da década de 1920, Augusto de Valmont (foto: Divulgação)

Selton Mello como o playboy garanhão da década de 1920, Augusto de Valmont (foto: Divulgação)

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Apesar de ter sido curto, com cerca de meia-hora de exibição, o capítulo inicial já serviu ao menos para construir os arquétipos dos personagens, em um primeiro momento, mesmo que muitos deles certamente passarão por mudanças ideológicas e comportamentais ao longo dos próximos nove episódios. A carola altruísta de Marjorie Estiano (Mariana de Santanna) já se mostrou a medalha máxima entre as conquistas do garanhão pegador Augusto de Valmont, enquanto a tia do rapaz, vivida pela incrível Aracy Balabanian, ainda não teve muito espaço, mas promete divertir os telespectadores com seu jeito de madame que já viveu muito mais do que os jovens imaginam. Há também a moça inocente vivida por Alice Wegmann (Cecília), que tem tudo para ser uma das moças mais enjoadas da TV, não fosse o tom certo que a atriz escolheu para vivê-la, mesclando sua ingenuidade com curiosidade genuína e uma centelha (espere pelo incêndio nos próximos episódios) de inconformidade com as regras, seja o tamanho do vestido ou o seu enclausuramento em um internato.

Lavínia Pannunzio e Alice Wegmann como mãe e filha puritanas de "Ligações perigosas" (Foto: Divulgação)

Lavínia Pannunzio e Alice Wegmann como mãe e filha puritanas de “Ligações perigosas” (Foto: Divulgação)

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Apesar de o rascunho original dos personagens ter sido escrito há quase três séculos, o trabalho minucioso da direção de arte, figurino (no quesito roupas Augusto pode ser visto como o mais moderninho do grupo) e a própria atuação do elenco fazem com que o público não se sinta em uma aula de história, como já aconteceu em produtos anteriores da Rede Globo, mas sim se identifique e se envolva com o roteiro. Mesmo que ainda não tenha alcançado o sucesso de “Verdades secretas”, sua antecessora no horário (afinal, só tivemos um episódio por enquanto), “Ligações perigosas” já mostrou ao que veio e promete crescer ainda mais com o público. Detalhe também para a abertura, que trouxe uma melhora significativa em relação à anterior. E, como que deixando aquele gostinho de “quero mais”, a primeira frase marcante da minissérie chegou na última cena, proferida, claro, por Isabel: “Eu não sou de me queixar. Eu me vingo”.

 

Veja abaixo os principais tweets sobre a estreia da minissérie: