Drica Moraes faz primeira protagonista no cinema, 40 anos de carreira e revisita ‘Travessia’: “alvo de politizações”


Em 40 décadas de trabalho, a atriz, definitivamente, escreveu seu nome na história da TV brasileira. Depois de três anos quase ininterruptos de produção, Drica esteve na TV em “Sob Pressão” e Travessia”, e, agora, vive a personagem central em “Pérola”, longa com direção de Murilo Benício que revisita a obra de Mauro Rasi (1949-2003). Ela exalta a direção do longa e o fato de Mauro Rasi (1949-2003) estar de volta em evidência. Além disso, analisa sua última novela, “Travessia”, que, a seu ver “sofreu mais que merecia”, e quanto à sua personagem, que transitou em vários registros, fez com que “não a compreendesse plenamente”. Atriz também relembra um projeto antigo e esquecido da Globo, pioneiro em falar de humor sob a prerrogartiva feminina. “Garotas do Programa” não deu certo na época, mas hoje, segundo Drica, seria “melhor compreendido (….). Era uma grande ideia que podia ser revisitada”

Drica Moraes faz primeira protagonista no cinema, 40 anos de carreira e revisita Travessia: "alvo de politizações"

*por Vítor Antunes

Uma das atrizes mais celebradas de sua geração, Drica Moraes completou, em 2023, 40 anos de carreira. Deu-se conta da importante passagem de tempo através desta reportagem: “Nunca me liguei muito nessa questão dos números”. Com o mesmo carisma que empresta aos seus personagens, atriz fala sobre “Pérola”, sua primeira protagonista no cinema e personagem de maior importância da dramaturgia de Mauro Rasi (1949-2003), um dos mais relevantes escritores e dramaturgos brasileiros e expoente do Teatro Besteirol. Mais uma das coincidências, este ano completa 20 anos da partida do dramaturgo, que, por acaso, tem um de seus textos encenado no Rio, depois de muitos anos sem ter nenhuma obra sua em cartaz: “O atual momento resgata o autor para uma geração que muito pouco, ou nada sabe dele”. Muitos imbróglios familiares fizeram com que a obra de Rasi não fosse montada nos teatros nacionais por alguns anos.

Drica Moraes: primeira protagonista no cinema, 40 anos de carreira e revisita Travessia: "alvo de politizações"

Drica Moraes fala sobre sua primeira protagonista no cinema, que marca 40 anos de carreira como atriz (Foto: Divulgação)

Recém saída de “Travessia” novela das 21h fartamente criticada durante sua exibição, Drica ressalta as qualidades da trama de Gloria Perez, porém não doura a pílula. Ressalta que, até hoje, meses após o fim da trama, ainda não compreendeu plenamente sua personagem, Núbia, marcadamente uma mulher inconstante, tanto em sua própria atitude como na direção do folhetim: “Até hoje não a entendi direito. Por vezes me era pedido que ela fosse cômica, por vezes cruel, ou que mostrasse ser uma pessoa de valores. Foi uma personagem difícil de montar”. Isso, porém, não a faz crítica da novela. “‘Travessia‘ levantava questões importantes nesse excesso de tecnologia, especialmente no que diz respeito aos jovens e à pedofilia, ou ao abuso de poder”. Drica também relembra um show esquecido exibido na Globo, em 2000, pioneiro em ser majoritariamente feminino. “Garotas do Programa, hoje, talvez fosse melhor compreendido”, diz.

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Drica sobre “Travessia”: “Novela sofreu mais que merecia” (Foto: Divulgação/Globo)

40 25  20 → HOJE

A crítica, queira ou não, é algo que atemoriza o ator. Relembraremos então, uma de 39 anos atrás feita por Wilson Cunha, na Revista Manchete: “Há de se ressaltar, ainda, os bons momentos de Drica Moraes”. O comentário feito pelo teatrólogo remete a um dos primeiros trabalhos profissionais da atriz em “Nossa Cidade“, peça de Wilder.  Num elenco jovem, Drica e Joana de Morais foram as únicas a serem mencionadas por Wilson. De lá pra cá, muitos outros trabalhos vieram e não foram poucas as vezes nas quais ela recebeu direito à menção, elogio, prêmios. Neste ano, 2023, Drica celebra 40 anos de carreira. E nesse correr da vida que embrulha tudo – como dizia Guimarães Rosa (1908-1967), nem ela mesma deu-se conta da data. “Não sou ligada em datas e nem estava com essa consciência. Acho que “Pérola” , com direção de Murilo Benício, pode ocupar este espaço celebrativo por ser minha primeira protagonista no cinema e que me trouxe grande alegria, não só por conta da personagem, mas por ser uma obra linda, baseada na peça que vi, nos anos 1990, com Vera Holtz“.

Segundo Drica, lançar um filme como “Pérola” é tão ou mais difícil que fazê-lo “já que por vezes damos muitas entrevistas e acabamos por falar sobre as mesmas coisas, mas é sempre um acontecimento. Dá uma trabalheira, porém vamos sempre procurando dar novas informações, burilando o que é dito. Ainda que gravado em um mês, o filme demorou anos para maturar, e logo depois veio a pandemia  e ele ficou guardado, esperando ser lançado. São praticamente sete anos”. E o momento não poderia ser mais oportuno. O atual ano marca, também, os 20 da morte de Mauro Rasi. E, coincidentemente, há uma peça dele em cartaz, “A cerimônia do Adeus“. “São dois trabalhos ganhando luz. Mauro ficou por anos sem ter nada montado, nada em cena. Trata-se de uma feliz coincidência do destino essas datas haverem se cruzado”.

Mauro Rasi e seu gato Davi, às raias do lançamento de “Pérola”, em 1995 (Foto: Biblioteca Nacional/Revista Manchete)

Nos anos 1980, o gênero Besteirol, que teve em Mauro Rasi um de seus expoentes, passou convivendo com dois registros: A ojeriza da crítica e o apoio popular. Ao ver de Drica, isso “machucava bastante o Mauro, ele tinha muito ressentimento com isso. O Besteirol era um humor carioca, que se estabelece aqui no Rio e trata-se de um jeito peculiar de fazer humor. Ele, e os outros autores, foram os pioneiros desse grande humor que acabou desembocando na TV Pirata [programa roteirizado pelos comediantes do gênero]. Mas esse texto, muito ligado às crônicas do cotidiano, da família e das relações acabou por receber a pecha de ser um teatro menor, ainda que fosse de grande audiência. O gênero deu a volta por cima pelo apoio do público”.

Não que eu ache que faltem programas de humor, mas poderia haver algo como “Pérola”, que misture humor e afeto. Uma comédia que faça identificar através do coração ou que permita uma identificação através de um humor diferenciado. “Pérola” mesmo é difícil categorizar num gênero.  Transita entre a comédia e o drama – mas me recuso a chamar de dramédia. Isso parece nome de remédio para intestino – Drica Moraes

“Pérola” marca como sendo a primeira protagonista de Drica Moraes no cinema. “Eu já fiz papel principal no teatro, e na TV – nesta, destaques como a Violante de “Xica da Silva” (1996) e a mocinha de “Era Uma Vez” (1998). No cinema, já desempenhei bons papéis como em “O Banquete“, mas nada como o atual longa, na qual as cenas são centradas nesta mulher. É prazeroso contar essa trajetória, fazer esse arco dramático, notar esta personalidade, caráter, defeitos e revelar tantas camadas, que só são possíveis quando se faz uma protagonista e isso foi um prazer”.

Drica Moraes: primeira protagonista no cinema, 40 anos de carreira e revisita Travessia: "alvo de politizações"

Drica em cena caliente de “Pérola” (Foto: Divulgação)

Sobre sua relação com Mauro Rasi, Drica diz o haver conhecido ainda durante a encenação de “O Crime do Dr. Alvarenga (1999). Igualmente uma peça do autor e com forte toque autobiografico. Desta vez, o protagonista era baseado no seu pai, Vado, em vez de Pérola. “Tive o privilégio de conviver com o autor, e ter a vivência de seu humor crítico, ácido, rápido. Há ali também, o universo prosaico da família de classe média interiorana. E esse recorte é um espelho do mundo. Não há quem não se identifique”

Infelizmente, Mauro partiu muito cedo, porém deixou um legado importante. Reside aí a importância desse filme, quando resgata o autor para uma geração que muito pouco, ou nada sabe dele, e traz de volta sua a inteligência, humor e afeto – Drica Moraes

Outra protagonista de destaque na carreira de Drica Moraes é a Madalena de “Era Uma Vez (1998) . “O meu personagem e o do Antônio Calloni, Maneco, eram artistas mambembes. Eu era muito jovem e a novela tinha essa cara infanto-juvenil, era leve e do qual o público tem muito carinho. Madalena era a mocinha, a heroína, a mulher de bons valores, amorosa, do bem, honesta na relação com as crianças [que tinham importância fundamental na trama]. Uma mulher do bem, decididamente”. Mais uma das coincidências, a primeira novela de Drica na Globo foi “Top Model” (1989), igualmente uma novela co-roteirizada por Walther Negrão e de pegada infanto-juvenil. “Eu era recém saída do Tablado, inventei de cantar e isso fez a personagem ter muita aceitação”. Cida, sua personagem, era fã do cantor Fábio Jr e cantava suas músicas. “Devo muito ao Jorge Fernando (1955-2019), diretor de “Era Uma Vez” e ao Walter Avancini (1935-2001), diretor de “Xica da Silva“, que foram os que me deram oportunidade como essas na carreira”.

Droca Moraes foi a Madalena de “Era Uma Vez” (Foto: Cedoc/Globo)

TRAVESSIA E OUTROS PRODUTOS

Depois de três anos quase ininterruptos de produção, Drica relata que este semestre será mais relaxado. Além de alguns filmes, esteve na TV em “Sob Pressão” e Travessia”. Novela cercada de polêmicas em narrativa e repercussão, Drica avalia a trama como positiva no que se propôs a discutir, como os temas sobre tecnologia, mas encontrou batalhas grandes: “A trama foi alvo de politizações por conta das divergências ideológicas – ainda que o elenco se desse muito bem e o clima fosse bom”. Ela levantava questões importantes nesse excesso de tecnologia, especialmente no que diz respeito aos jovens e à pedofilia, ou ao abuso de poder”.

A novela sofreu mais do que merecia – Drica Moraes

Sobre sua personagem ressalta que “foi uma personagem difícil de montar, especialmente por tratar-se de uma obra aberta”, observa. Considerando, porém, que “Gloria Perez foi pega de surpresa. Não seria ela a estar naquele horário. (…) Fomos meio que criando juntos “Travessia”, que, além de tudo, pegou uma época de eleições e Copa do Mundo”.

Drica Moraes e Chay Suede. A inconstância de Núbia, personagem de Drica em “Travessia”, tornava difícil sua compreensão (Foto: Divulgação/Globo)

Ainda entre os programas que não tiveram bom resultado, conversamos sobre o esquecido “Garotas do Programa”, uma especie de “Casseta e Planeta Urgente“, porém conduzido, atuado e protagonizado por mulheres. “A ideia partiu, justamente, do pessoal do ‘Casseta’ que juntou-se às meninas do Grelo Falante – grupo de comédia liderado por mulheres e nascido em 1998. Claro que os movimentos feministas já aconteciam , mas,  naquela época, não tão fortes como hoje. Talvez nos tempos atuais fosse um programa melhor aceito. Além de tudo, havia um problema no formato, no texto. Num todo, era meio irregular, mas uma grande ideia que podia ser revisitada”. Hoje há poucos programas de humor na TV aberta, mesmo com propostas disruptivas como o “Garotas”.

Entre os trabalhos de Drica, um dos que mais gerou repercussão foi “Os Outros“. Drama urbano de alta voltagem, exibido pelo Globoplay. “A série tem uma temática dura, pesada, do medo e da falsa sensação de segurança que os condominios oferecem, além de revelar que as pessoas não tem mais muita capacidade de  interlocução. “Os Outros” é uma fotografia de uma sociedade adoecida, dura de encarar, o que faz ainda mais necessário que exerçamos nossa capacidade de ter empatia, solidariedade, amor e cuidado”, frisa.