Direto do Festival de Locarno: na capital do cinema autoral mais uma consagração da sétima arte asiática. Vem saber tudo!


O festival que marcou com pioneirismo a reconstrução da cinematografia européia no pós-guerra e é vitrine fiel das produções “indies”, conferiu o prêmio máximo ao diretor sul-coreano Hong Sangsoo

*Por Flávio Di Cola, diretamente de Locarno

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Dias ininterruptos de sol, temperaturas constantes acima de 35 graus; hordas de turistas com a pele tostada, chinelos de dedo e bermudas, leques multicores nas mãos agitadas de senhoras à beira de um desmaio, filas imensas diante de sorveterias, festas noturnas tomadas por jovens dourados em férias. Esta descrição bem que poderia ser aplicada ao Rio de Janeiro nos meses de janeiro e fevereiro. Mas não é: estamos falando de Locarno, linda e acolhedora cidade suíça de língua italiana, incrustrada entre o Lago Maggiore e um paredão de montanhas que prenunciam a barreira dos Alpes, durante estes últimos 10 dias em que transcorreu a edição do festival de cinema mais respeitado no mundo pela sua inabalável opção pelos filmes independentes, provenientes de países cinematograficamente emergentes e que apostam em linguagens experimentais.

O diretor sul-coreano Hong Sangsoo recebe o seu "Pardo d'Oro" por "Right Now, Wrong Then"

O diretor sul-coreano Hong Sangsoo recebe o seu “Pardo d’Oro” por “Right Now, Wrong Then”

 

Enquanto o Festival de Cannes – que precede a mostra de Locarno em dois meses – ostenta despudoradamente a sua indisputável potência e liderança no mercado de mega eventos cinematográficos, os suíços preferem investir em uma fórmula aparentemente contraditória e incoerente: misturar o charme de um pequeno e gracioso balneário de sabor quase mediterrâneo com a preocupação de apresentar e discutir os rumos do cinema autoral em gestação em qualquer parte do globo. Considerando que o Festival de Cinema de Locarno é uma espécie de termômetro dessa produção artisticamente mais engajada, a franca hegemonia de produções do extremo oriente na lista dos premiados deste ano (veja abaixo) prova que o eixo criativo cinematográfico mundial também se desloca do oeste para o leste, acompanhando o movimento econômico.

Durante 10 dias, a acolhedora Locarno foi “a casa do cinema”, vivendo sob o signo do leopardo, mascote do festival. Acompanhe:

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Mas apesar do clima relaxante que contagiou o dia a dia deste festival, o evento não conseguiu ficar imune a algumas celeumas que vem polemizando a cena cultural contemporânea como, por exemplo, o boicote às políticas do governo e do estado de Israel no que tange a nação palestina. Quando a direção do Festival de Cinema de Locarno decidiu que a edição de 2015 seria consagrada à produção israelense sabia que estava comprando uma briga muito boa. Em abril passado, uma vez confirmado o destaque dedicado este ano a Israel, depois de uma longa fase de homenagens ao cinema latino-americano – em que foram contemplados países como Brasil, Chile, Colômbia e México – uma chuva de petições pelo boicote recaiu sobre Locarno, encabeçadas pelo manifesto assinado por mais de 200 cineastas e produtores do mundo todo, incluindo o celebrado diretor Ken Loach, e entitulado “Don’t give Israel Apartheid a Carte Blanche”. Os organizadores do festival contra-argumentaram afirmando que o boicote à florescente indússtria cinematográfica de Israel seria um atentado à liberdade de expressão e uma injusta punição aos artistas. A seção do festival “First Look on Israel” foi confirmada e os israelenses ainda saíram de Locarno com vários prêmios. Vale lembrar que Caetano Veloso e Gilberto Gil passaram por embaraço semelhante recentemente durante a última turnê internacional da dupla.

O Festival de Cinema acabou ontem, mas o verão europeu prossegue inclemente, e Locarno – como diria Gil: “Continua linda”.

Locarno, além do seu festival pioneiro, tem lugar garantido na história dos filmes de ação por ter sido o cenário do eletrizante salto de 220 metros de bungy jumpy na represa de Verzasca para a abertura de “007 Contra Goldeneye” (1995). Prepare-se!


E, hoje, na mesma represa e por apenas 314 Euros, os corações mais destemidos podem experimentar o mesmo frenesi do filme de 007:

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Foto: Flávio Di Cola

São estes os principais premiados do Festival de Cinema de Locarno:

Concurso Internacional “Pardo d’oro”
Right Now, Wrong Then, de Hong Sangsoo, Coréia do Sul

Prêmio Especial do Júri
TIKKUN, de Avishai Sivan, Israel

Prêmio Pardo para a Melhor Direção
Andrzej Zulawski para COSMOS, França/Portugal

Prêmio para a Melhor Interpretação Feminina:
Sachie Tanaka, Hazuki Kikuchi, Maiko Mihara e Rira Kawamura por HAPPY HOUR, de Hamaguchi Ryusuke, Japão.

Prêmio Pardo para a Melhor Interpretação Masculina
Jung Jaeyoung por JIGEUMEUN MATGO GEUTTAENEUN TEULLIDA (Right Now, Wrong Then), de Hong Sangsoo, Coreia do Sul

Menções especiais:
Para o roteiro de HAPPY HOUR, de autoria de Hamaguchi Ryusuke, Japão

Para a fotografia de Shai Goldman para TIKKUN, de Avishai Sivan, Israel

Concurso Cineastas do Presente:

Prêmio “Pardo d’oro Cineasti del presente”
THITHI, de Raam Reddy, India/Estados Unidos/Canadá

Prêmio Especial do Juri Ciné + Cineasti del presente
DEAD SLOW AHEAD, de Mauro Herce, Espanha/França

Prêmio para o Melhor Diretor Emergente
LU BIAN YE CAN (Kaili Blues), de BI Gan, China

Prêmio do Público UBS
DER STAAT GEGEN FRITZ BAUER de Lars Kraume, Alemanha