Daniela Gracindo: “Não tenho vocação para ser famosa, não abro mão de ser uma pessoa comum”


Neta de Paulo Gracindo e Lima Duarte, a filha de Gracindo Junior e Débora Duarte não quis saber dos holofotes como atriz . “Não queria abrir mão de ter a minha privacidade, e me angustiava também a inconstância que é a vida do ator. Um dia você não sabe o que vai comer, no outro você está ótima. Um dia tem trabalho, depois passa três anos sem nada. Ser ator no Brasil é uma aventura para poucos”. Após descobrir um talento para produção, ela criou o Festival Internacional Pequeno Cineasta e se realiza ministrando aulas e dando voz à infância e à juventude na criação de curta-metragens. “Ver o brilho do olhar dessas crianças e jovens ao ver na tela uma obra realizada por eles é muito lindo, alimenta a minha alma. Eu descobri o propósito da minha vida”, enfatiza

Daniela Gracindo: “Não tenho vocação para ser famosa, não abro mão de ser uma pessoa comum”
"Não deixa de ser uma pressão a mais essas referências tão grandiosas, não só dos meus avós, mas da família inteira. Na minha cabeça eu tinha que ser no mínimo excelente. Mas não foi isso que me desviou desse caminho”, frisa Daniela (Foto: Marta Azevedo)

“Não deixa de ser uma pressão a mais essas referências tão grandiosas, não só dos meus avós, mas da família inteira. Na minha cabeça eu tinha que ser no mínimo excelente. Mas não foi isso que me desviou desse caminho”, frisa Daniela (Foto: Marta Azevedo)

* Por Carlos Lima Costa

Daniela Gracindo nasceu em uma família de estrelas da classe artística. Filha de Gracindo Junior e Débora Duarte, ela é neta de Paulo Gracindo (1911-1995) e Lima Duarte, monstros sagrados da dramaturgia brasileira, e de Marisa Sanches (1924-2002). Sem falar que é irmã por parte de mãe de Paloma Duarte. Partindo do princípio que filho de peixe, peixinho é, com esse DNA artístico ela poderia estar se destacando na profissão. Durante certo tempo até atuou como atriz, mas naturalmente enveredou pelo caminho da produção.

Não por qualquer receio de comparação. “Você pega só o Lima Duarte e o Paulo Gracindo, nossa, são exemplos de uma estatura muito alta. Não deixa de ser uma pressão a mais essas referências tão grandiosas, não só dos meus avôs, mas da família inteira. Sou perfeccionista, me cobro muito. Na minha cabeça, eu tinha que ser no mínimo excelente. Mas não foi isso que me desviou desse caminho”, assegura ela, que por parte de pai tem ainda dois irmãos atores, Pedro e Gabriel Gracindo.

Daniela relembra como se deu internamente o processo desde quando era pequena e todas as brincadeiras eram teatrais. “Desde que me entendo por gente eu queria ser atriz, enquanto ainda era criança, livre das obrigações da vida. Só que, na adolescência, comecei a questionar. Eu amo esse ofício, mas não tenho a vocação de ser famosa. Não queria abrir mão de ter a minha privacidade, de ser uma pessoa comum, de poder pegar um ônibus ou o metrô tranquilamente, ir em um mercado. E me angustiava muito também a inconstância que é a vida do ator. Um dia você não sabe o que vai comer, no outro você está ótima. Um dia tem trabalho, depois passa três anos sem nada. Ser ator no Brasil é uma aventura para poucos. E eu gosto de estabilidade, rotina, sou bem organizada”, ressalta.

"Do meu avô Paulo e do meu pai, eu aprendi a dedicação e o amor ao trabalho. Vejo muito isso em mim", conta Daniela (Foto: Arquivo Pessoal)

“Do meu avô Paulo e do meu pai, eu aprendi a dedicação e o amor ao trabalho. Vejo muito isso em mim”, conta Daniela (Foto: Arquivo Pessoal)

No decorrer dessa trajetória, ela participou de alguns trabalhos como atriz a partir da adolescência. “Antes disso não fiz nada, porque meu pai sempre falou que criança tem que estudar, que a gente fosse ser atriz depois”, lembra ela, que contracenou com Gracindo. Em uma história do Você Decide, na Globo, atuaram como pai e filha. Marcou presença também em outra emissora, a Record, em Escrava Isaura. Foi de Thiago Santiago, autor desse remake, o trabalho que marcou a estreia dela como atriz, o espetáculo Quatro Formas de Amar.

“Um dia, fui me meter a produzir uma peça de teatro, Incidências, que eu mesma escrevi. Batalhei, corri atrás, consegui grana, teatro. Mesmo sem saber como fazer, fui indo com dicas do meu pai, que sempre foi produtor, diretor e ator. E aí, depois dessa primeira vez que eu fiz produção, de forma muito competente, nunca mais trabalhei como atriz. Foi produção para o resto da vida. Eu tenho totalmente vocação para produtora (risos)”, ressalta.

Formada em Cinema, realizou com o pai o documentário sobre o avô, Paulo Gracindo – O Bem Amado, na função de produtora executiva. O irmão Pedro foi o montador, e o pai, diretor e roteirista. “Com isso, criei a Gracindo Filmes. Meu pai até então só produzia teatro”, diz ela que, com a irmã Paloma, dividiu a função de produtora executiva do longa-metragem Léo e Bia, de Oswaldo Montenegro.

Daniela entre o cunhado, o ator Bruno Ferrari, a mãe, Débora Duarte, a irmã, Paloma Duarte, e o avô, Lima Duarte. (Foto: Arquivo Pessoal)

Daniela Gracindo entre o cunhado, o ator Bruno Ferrari, a mãe, Débora Duarte, a irmã, Paloma Duarte, e o avô, Lima Duarte. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Aí lá no estúdio que tinha na produtora, eu comecei a dar aula de cinema para crianças no fim de semana. Pesquisei o que estava sendo feito no cinema em termos de educação no mundo afora e fiquei encantada. Senti necessidade de compartilhar. Aí surgiu O Festival Internacional Pequeno Cineasta, que já tem oito edições. E que agora eu estou preparando a edição online para esse ano. A ideia do projeto é dar voz à infância e a juventude através do cinema. Criar um espaço qualificado para uma faixa etária que ainda não tinha um contato com o cinema como ferramenta de aprendizado, de linguagem. Então, o que me tirou mesmo do trabalho de atriz foi o meu projeto O Pequeno Cineasta, que surgiu em 2009 e ganhou várias frentes”, explicou, ela, que, ano passado, realizou uns vídeos sobre o avô Lima Duarte para serem exibidos na homenagem que a Itaú Cultural fez a ele, em São Paulo.

No trabalho que desenvolve e na vida leva o aprendizado do que absorveu com os familiares. “São pessoas tão sensíveis e talentosas. Eles têm um olhar tão poético sobre o mundo, sobre o contracenar. É como se a vida ganhasse mais cores, é muito mágico. Do meu avô Paulo Gracindo e do meu pai, Gracindo Junior, eu aprendi a dedicação e o amor ao trabalho. Vejo muito isso em mim. E com o Lima e com a minha mãe, o lado das cores da vida, da poesia, do encanto”, conta.

“O efeito da pandemia foi devastador. Fiquei um ano sem trabalhar, sem me animar em fazer o Pequeno Cineasta", observa a produtora (Foto: Marta Azevedo)

“O efeito da pandemia foi devastador. Fiquei um ano sem trabalhar, sem me animar em fazer o Pequeno Cineasta”, observa a produtora (Foto: Marta Azevedo)

Ela, então, explica como a pandemia impactou seu projeto e a vida. “Foi devastador. Fiquei um ano sem trabalhar, sem me animar em fazer o Pequeno Cineasta. Ele é realizado muito com evento, com estar presente, trocando, ensinando, estar com as crianças, é muita troca presencial e eu comecei a não ver mais sentido. Então, fiquei fazendo yoga para a mente não enlouquecer. Sou muito organizada e sempre guardei dinheiro para uma emergência. E aconteceu a emergência. Consegui passar por esse baque e estamos trabalhando agora, eu e minha pequena equipe para adaptar e realizar uma versão online como todo mundo tem feito”, explica. No final do ano, começou a ministrar oficinas virtuais. No momento, dá uma de roteiro. Ela também convoca ex-alunos para dar aulas supervisionadas por ela. “Assim, os preparo para dar aula de forma independente”, explica.

Com o Festival Internacional ela não somente trouxe diretores de outros festivais, professores, pessoas que estão à frente dos projetos para compartilhar a experiência deles aqui. Ela também levou alunos para participar de um festival na Dinamarca.

"Ver o brilho do olhar dessas crianças e jovens ao ver na tela uma obra realizada por eles ou por alguém da idade deles é muito lindo, alimenta a minha alma em um nível. Eu descobri o propósito da minha vida", explica Daniela (Foto: Marta Azevedo)

“Ver o brilho do olhar dessas crianças e jovens ao ver na tela uma obra realizada por eles ou por alguém da idade deles é muito lindo, alimenta a minha alma em um nível. Eu descobri o propósito da minha vida”, explica Daniela (Foto: Marta Azevedo)

Com o Pequeno Cineasta, Dani premia os melhores na categoria criança de 8 a 13, e jovem, entre 14 e 17 anos. “Não é videoclipe, não é youtuber, é cinema. Eles realizam curta-metragens”, enfatiza. Enquanto prepara a nona edição, o balanço é positivo. “O festival me surpreende a cada ano. Foi muito além do que eu tinha como expectativa. E como era um festival por crianças e jovens, eu não esperava a dimensão que ele alcançou, de ser internacional e de eu chegar e levar aluno daqui pra Dinamarca em um festival com jovens da Europa inteira. Ele começou pequenininho com três dias, aí a oitava edição foram quatro semanas, dando workshop para educadores da rede pública. O que me faz entrar nessa batalha que é fazer cultura no Brasil, produzir um evento cultural é também ver o brilho do olhar dessas crianças e jovens ao ver na tela uma obra realizada por eles ou por alguém da idade deles. Isso é muito lindo, alimenta a minha alma em um nível. Eu descobri o propósito da minha vida. Só que é muito duro no Brasil o propósito na vida ser esse, mas eu persisto, sou guerreira”, enfatiza.

Nesses anos todos, um dos momentos mais emocionantes aconteceu na 4ª edição, quando o avô Lima Duarte foi mestre-de-cerimônias. “Ele ter saído do sítio, em Indaiatuba, até o Rio de Janeiro para me prestigiar, sendo mestre-de-cerimônias de um festival só de filme feito por criança, foi uma honra, um presente inestimável. E o discurso que fez falando de mim, me elogiando foi inesquecível”, recorda Daniela, que há uns três anos decidiu viver em São Paulo, para onde a mãe acaba de se mudar também. Estão morando no mesmo prédio, cada uma em um apartamento. “Eu me formei em cinema e, agora, quero fazer mestrado em educação, porque me apaixonei por pedagogia”, explica sobre um de seus próximos passos.

"Meu avô ter saído do sítio dele, em Indaiatuba, até o Rio de Janeiro para me prestigiar, sendo Mestre de Cerimônias de um festival só de filme feito por criança, foi uma honra, um presente inestimável", vibra Daniela (Foto: Marta Azevedo)

“Meu avô ter saído do sítio dele, em Indaiatuba, até o Rio de Janeiro para me prestigiar, sendo Mestre de Cerimônias de um festival só de filme feito por criança, foi uma honra, um presente inestimável”, vibra Daniela (Foto: Marta Azevedo)

Daniela passou a pandemia sozinha em seu apartamento, lendo, bordando, meditando e fazendo yoga. Ela está solteira e não tem filhos. “Não deu tempo (risos), trabalho muito, igual meu pai. Já passou o prazo. Não foi por falta de querer não, mas é que fiquei muito focada no trabalho e aí passou do tempo (ela está com 45 anos), mas eu me supro com os meus alunos, eu tenho uma realização enorme em ver a evolução deles. Eu me realizo também com os meus sobrinhos (ela tem 9) e trabalhando muito como o meu pai e o meu avô”, relata. Gracindo Junior, aliás, Débora Duarte e Lima Duarte já foram imunizados com as duas doses da vacina contra a Covid-19.