“Com a quarentena, eu vi que tinha dois caminhos: sucumbia ou atravessava”, desabafa Andréia Horta


Atriz, atualmente no ar na TV com a quinta temporada do programa “O país do cinema”, gravada no ano passado, e na internet com o projeto “Cara palavra” – criado por ela e pelas atrizes Bianca Comparato, Mariana Ximenes e Débora Falabella, no qual, uma vez por semana, o quarteto publica um vídeo no Instagram @cara.palavra e replica o material em seus próprios perfis – conta como lidou com a ansiedade causada pela pandemia. “No começo, absorvia muita notícia, o dia inteiro, e isso causava estresse, porque ficava atolada de informações, sem nenhum poder de ação. Estou mais serena desde que percebi que o que me cabia mesmo era ficar quieta em casa e ajudar a quem precisa”, diz

*Por Simone Gondim

“Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”. Em meio à pandemia, os versos de Walter Franco (1945-2019) podem servir de inspiração para ajudar a lidar com a ansiedade causada pelo novo coronavírus e seus desdobramentos. Para a atriz Andréia Horta, essa espécie de mantra tem funcionado. “No começo, absorvia muita notícia, o dia inteiro, e isso causava estresse, porque ficava atolada de informações, sem nenhum poder de ação. Estou mais serena desde que percebi que o que me cabia mesmo era ficar quieta em casa e ajudar a quem precisa”, conta.

“Com o passar dos meses da quarentena, vi que tinha dois caminhos: sucumbia ou atravessava. Escolhi atravessar. Colocar a coluna no lugar, respirar e fazer tudo que estiver ao meu alcance. Para o que não estiver ao meu alcance, compreender que a gente tem que fazer a nossa parte, não podemos cruzar os braços”, pontua.

No ar com a quinta temporada do programa “O país do cinema”, no Canal Brasil, do qual é apresentadora, e esperando a volta das gravações da próxima novela das 21h da TV Globo, Andréia reconhece que essa serenidade vem muito de seus privilégios. Felizmente, ela não sofre com problemas financeiros, como é o caso de muitos trabalhadores, especialmente da área de cultura. “Tenho comida na mesa, cama para dormir e um teto sobre a cabeça. Profissionalmente, o que houve foi um adiamento da novela, mas vai acontecer. Tem muita gente em situações muito graves, porque nosso setor inteiro está passando por necessidades tremendas”, diz.

“Estou mais serena desde que percebi que o que me cabia mesmo era ficar quieta em casa e ajudar a quem precisa”, diz Andréia (Foto: Ana Paula Amorim)

A atriz destaca a mobilização da área cultural para socorrer quem precisa, especialmente aderecistas, figurinistas, camareiras e integrantes de equipes técnicas, como quem cuida da parte elétrica e de maquinaria. “O próprio setor começou a se organizar em diversas frentes para arrecadar fundos. Todos esses profissionais trabalham, pagam seus impostos. Deveriam, também, receber um amparo do governo neste momento, porque é uma situação de emergência”, observa. “Já passamos de 60 mil mortos. Que horas que a gente parou de contar o quanto cada um importa? Não dá para dizer ‘passamos de 60 mil’ como se fosse só um número e isso não tivesse importância. São vidas que estão indo embora”, indigna-se.

Andréia aponta o fato de as pessoas se recusarem a conversar como um dos grandes problemas da atualidade, que acaba resultando nos recentes ataques à cultura e a quem é ligado às artes em geral. “Por causa da falta de diálogo, temos um abismo que nos separa, infelizmente. Quando digo diálogo é o momento em que um fala e o outro escuta, depois um escuta e o outro fala. Precisamos, urgentemente, criar pontes, porque somos um só país. Nesse momento de pandemia, por exemplo, as pessoas estão consumindo, sobretudo, cultura. As pessoas estão lendo livros e vendo séries, novelas e filmes. Isso é trabalho de artistas”, pondera.

Andréia Horta apresenta a quinta temporada do programa “O país do cinema” (Foto: Ana Paula Amorim)

Enquanto não volta a gravar “Em seu lugar”, título provisório da novela na qual vive a protagonista, Lara, ao lado de Cauã Reymond, Andréia toca o projeto “Cara palavra”, criado por ela e pelas atrizes Bianca Comparato, Mariana Ximenes e Débora Falabella. Uma vez por semana, o quarteto publica um vídeo no Instagram @cara.palavra e replica o material em seus próprios perfis. “Inicialmente, a ideia era apresentar esse conteúdo no palco. Mas, diante da pandemia, a Bianca propôs fazermos agora e todas concordamos. Nos reunimos uma vez por semana, cada uma na sua casa”, explica. “Estamos em criação constante, lendo muito e pensando no que vamos falar. Uma coisa que era para depois de 2020 virou o nosso 2020”, acrescenta.

O “Cara palavra” trouxe a Andréia novidades no campo profissional. O vídeo mais recente, com trechos do conto “Mineirinho”, de Clarice Lispector, marca a estreia da atriz como diretora. “Foi excelente a experiência. Temos um time de uma ótima escuta. É uma direção a distância, a gente conversa muito sobre como gostaria que fosse, mas está cada um na sua casa, fazendo com o celular. É bem artesanal nesse sentido, por isso mesmo nos dá, também, uma liberdade maravilhosa. Quero repetir”, festeja. “Foi muito enriquecedor estar, pela primeira vez, do lado que vai pensar como é esse plano, onde essa câmera está, qual música entra, que horas entra a voz, quando entra o som, em qual momento a gente corta a imagem para colocar a atriz no melhor momento dela. Quanto mais você pode experimentar outros lugares, mais ganha consciência e admiração pelos trabalhos dos outros”, acredita.

(Foto: Reprodução Instagram)

Além dos projetos exibidos na TV e na internet, Andréia aguarda a estreia de “Colônia”, série do Canal Brasil sobre o manicômio de Barbacena, no interior de Minas Gerais, marcado pelo péssimo tratamento destinado aos pacientes. Na trama, ela interpreta uma ex-prostituta que tem um caso com um prefeito. “Para abafar o possível escândalo que seria a relação dos dois, ele a joga no Colônia. Infelizmente, essa personagem representa a maioria das pessoas que estavam internadas lá, que não tinham patologia”, revela. “A série se passa na época da ditadura militar, entre 1970 e 1971, que foi o período mais tenebroso, desumano e absurdo daquele lugar. E ela representa todas essas pessoas que foram trancafiadas lá dentro sem ter doença mental. Eram mendigos, prostitutas, pessoas um pouco mais rebeldes pertencentes a famílias ricas, gente que, por questões morais da época, era trancada ali à revelia”, descreve.

Assim que os cinemas reabrirem e a programação for normalizada é grande a chance de entrar em cartaz “O jardim secreto de Mariana”, de Sérgio Rezende, primeiro longa-metragem de ficção rodado em Inhotim. Na trama, Andréia é a personagem-título e contracena com Gustavo Vaz, que vive João. “O filme conta a história de um casal que vive bem, se ama e deseja muito engravidar, mas nunca consegue. Aí, começa um grande drama para eles”, adianta a atriz.

Ainda sobre a sétima arte, Andréia garante que a atual temporada de “O país do cinema” está cheia de boas conversas. “Um dos relatos mais bonitos é o de Caio Blat sobre ‘Carandiru’. Ele era bem jovem quando fez o filme e foi nesse trabalho que entendeu a importância de o cinema brasileiro contar a nossa história”, afirma. “Outros momentos impactantes são Gregório Duvivier falando do mal-estar que foi para ele construir aquele personagem supermachista de ‘A vida invisível’ e Matheus Nachtergaele lembrando de ‘O auto da Compadecida’“, conclui. Ao todo, são 13 episódios, mostrando o processo criativo sob a ótica de atores e diretores.