Cia de 4 Mulheres estreia programa de humor do E!: “Mulher é subjugada a certos papeis ou tipos”, diz Lorena Comparato


Lorena Comparato, Karina Ramil, Anita Chaves e Andrezza Abreu se juntaram após perceberem que os papeis femininos eram menores no teatro: “Sempre as turmas eram cheias de mulheres, mas quando chegava o momento de montar a peça final do curso, a maioria dos papeis, principalmente os mais legais e os dos protagonistas eram sempre dos homens. Sobrava para a gente brigar pelo único papel feminino, que ou era ‘a bonita’, ‘a sensual’ ou então personagens muito menores”, explica Lorena

*Por Karina Kuperman

A Cia de 4 Mulheres, de Lorena Comparato, Karina Ramil, Anita Chaves e Andrezza Abreu, estrela o primeiro programa de humor do E! Entertainment: o E! #NOFILTER WKND, nas noites de sextas e sábados. As atrizes farão intervenções humoradas em formato de pílulas cômicas, em que elas encenam situações de acordo com os longas exibidos naquele fim de semana, com temas como “Mulheres Reais”, “Vale Night”, “Vida de Calouro” e outros. “A ideia do E!NoFilterWKND veio do próprio canal e do diretor e produtor do programa, o Guilherme LaMotta, que conhecemos no evento Rio2C esse ano. O canal e o Gui queriam fazer um programa de comédia, de pílulas de humor, uma novidade até então para o canal, e resolveram apostar na gente, como atrizes e também roteiristas. Nós demos a ideia de trazer nossa vivência do teatro – que você joga um lenço, faz uma corcunda, e vira uma senhorinha, ou então prende o cabelo, joga um boné e interpreta um homem no fundo preto e a mágica acontece – para a concepção que tinham. E fomos nós que escrevemos os roteiros, então o programa acabou ficando muito com a nossa cara, porque é isso que sempre fizemos: piada com tudo, sem censura. E na cara de pau”, adianta Andrezza.

Lorena Comparato, Karina Ramil, Anita Chaves e Andrezza Abreu (Foto: Fábio H Mendes)

Todas as sextas-feiras e sábado, às 21h, o canal exibe um filme diferente e o programa estará no ar durante 17 finais de semana, ou seja, quatro meses. Como são oito pílulas, por final de semana, o resultado serão 136 pílulas. “Foi muito intenso. Tivemos que realmente mergulhar de cabeça nesse projeto para entender o objetivo do canal com o programa, fazer brainstorm e escrever todas as pílulas. São histórias totalmente independentes!”, destaca Karina. “E também tivemos que filmar em SP, sendo que todas nós quatro moramos no Rio! Foi bem corrido, mas divertido. O fato de a gente ter escrito todos os roteiros foi algo que com certeza facilitou o trabalho, por duas razões: como roteiristas, já escrevíamos pensando em como íamos fazer aquele personagem, falar aquela piada, etc. E quando chegamos no set, mesmo sem ter muito tempo de preparação, nós já sabíamos exatamente o que falar, o que fazer, como interpretar, qual era o contexto daquela pílula, como era aquele personagem, etc. Geralmente, quando a gente entra em um trabalho como atriz, conversamos com o diretor, o roteirista pra entender certos detalhes, e nesse caso, a gente já sabia essas respostas. Além disso, é muito legal fazer como atriz um texto que veio da sua cabeça. E nós, além de sócias, somos muito amigas, nos ajudamos muito durante as gravações. Tentávamos sempre ter outra junto, assistindo, para ficar com a cara do Cia de 4”, conta Karina.

A Cia de 4 Mulheres (Foto: Reprodução)

Para realizar o programa ENoFilterWKND foi uma verdadeira força tarefa: “Cada uma escrevia quatro episódios, daí a gente se reunia, fazia uma leitura e já ia mexendo para resultar em um texto final que todas gostassem. Todas nós opinamos na escrita da outra companheira. Também foi mérito do canal ter dado tanto espaço para as nossas vozes e para a nossa criação! Eles embarcaram totalmente nas nossas loucuras, tivemos muita liberdade e tudo que vai ao ar é 100% a nossa cara”, garante Karina.

Fundada em 2011, a Cia de 4 Mulheres sempre abordou questões profundas em estrutura cômica. “É que o humor ajuda a levantar as questões importantes porque, de alguma forma, ele traz uma leveza mesmo quando a discussão é tensa! E também consegue atingir as pessoas que, às vezes, estão desinteressadas nos temas atuais que estão rolando. O humor pode levantar qualquer discussão sim, mas com responsabilidade. O que não dá para fazer é usá-lo para diminuir a dor dos outros. Aí não tem nenhuma graça”, ressaltam.

“Nesse momento do país com diversos setores em crise e uma divisão de ideias tão acirrada, onde todos querem estar certos e ter a razão, o papel da comédia também é trazer um pouco de alegria para as pessoas. Mesmo que seja uma pílula de um minuto ou até de 20 segundos, ela pode te ajudar a dormir bem depois de um dia difícil”, ressalta Anita. “Tem muitas discussões necessárias que têm sido abordadas hoje nos seriados de humor. Mais importante do que uma discussão específica é dar espaço para que diferentes artistas e humoristas possam trazer suas próprias discussões e pontos de vista”, destaca Anita.

(Foto: Fábio H Mendes)

As quatro amigas se conheceram em cursos de teatro e, ao perceber que os papéis femininos geralmente eram objetificados, decidiram tomar à frente de um projeto para mudar esse histórico. “Sempre as turmas eram cheias de mulheres, mas quando chegava o momento de montar a peça final do curso, a maioria dos papéis, principalmente os mais legais e os dos protagonistas eram sempre dos homens. Sobrava para gente brigar pelo único papel feminino, que ou era ‘a bonita’, ‘a sensual’ ou então papeis muito menores. E óbvio que gente reclamava entre nós sobre isso…”, lembra Lorena. Queríamos atuar, fazer papéis diferentes, explorar, afinal era para isso que estávamos no curso. Na época iria acontecer a primeira edição do FESTU, o principal festival de teatro universitário do país e a Andrezza combinou com a Anita de participar, pois elas eram alunas do mesmo professor no Tablado, o mestre Bernardo Jablonski. A Karina, que havia voltado de um intercâmbio, também foi chamar a Anita para participar do mesmo festival e assim se juntaram. Eu, que já conhecia a Karina também de outro curso de teatro, estava participando do mesmo festival e amei assistir a cena das três. Aí fui falar com a Karina que queria trabalhar junto. E assim que nós criamos o nosso grupo. A Andrezza e eu, por exemplo, nos conhecemos por causa da Cia de 4, era para ser! Começamos a escrever cenas e criar personagens que queríamos viver, narrativas femininas com arcos próprios, e participar de vários festivais. E foi assim que vencemos a terceira edição do FESTU Nacional e com o prêmio (um patrocínio) escrevemos e estreamos o nosso primeiro espetáculo autoral, a peça ‘Ricardo'”, afirma Lorena sobre a história de  humor que falava da idealização do amor.

(Foto: Reprodução)

E, se houve uma época em que a mulher no humor tinha dois caminhos: a feia ou a gostosona, isso tem ficado para trás e hoje vemos mulheres lindas e interessantes fazendo humor de muita qualidade. “É uma mudança muito significativa e positiva, mas ainda há muito a ser feito. É lindo ver cada vez mais esse espaço sendo ampliado e nós mulheres tendo voz e ocupando espaços de destaque nas mais diversas áreas, não só no humor. Claro que para nós é uma realização imensa, uma vitória, termos no ar um programa escrito e interpretado por nós quatro, jovens atrizes criadoras. E também ficamos felizes da vida ao assistir, ler e ouvir trabalhos idealizados, escritos, produzidos e feito por mulheres. Mas ainda é um número reduzido, principalmente se falarmos desse espaço para mulheres negras e trans. Acreditamos na igualdade e equidade. Então só vamos estar 100% satisfeitas quando isso acontecer em uma escala global e para todas. Nós estamos o tempo todo sendo bombardeados por um padrão de beleza socialmente estabelecido que é inatingível e não tem nada a ver. O padrão não existe, todo mundo é diferente e isso é lindo”, diz Andrezza.

(Foto: Reprodução)

Para Lorena, Karina, Anita e Andrezza, produzir esquetes que mostram o ponto de vista feminino sobre diversos assuntos também é uma forma de empoderar mulheres. “Nós somos muito feministas e gostamos muito de ler sobre o assunto. Um exemplo, como falamos acima, é que o feminismo nos ajudou a ver que muitas vezes a mulher é subjugada a certos papeis ou tipos. Então, no programa E!NoFilterWKND, a gente sempre tenta desconstruir esse estereótipo e, por isso mesmo, tivemos a oportunidade de fazer personagens e dizer coisas que geralmente não colocam para as mulheres fazerem. Por exemplo, as ‘Manas da Quebrada’ que criamos e falam de assuntos diversos como ‘Boys-Lixo’, ‘Natal’ e até ‘Karaokê'”, adianta Lorena. “Outra coisa que nos ajudou muito foi além de ver nosso lugar ‘subjugado’ da sociedade, também nos faz perceber nossos privilégios principalmente como mulheres brancas. Então a gente sabe que nossa visão é feminina, mas ela não representa a totalidade da visão feminina, sabe? E nunca nenhuma vai representar, as mulheres são muito plurais”, frisa ela.

(Foto: Fábio H Mendes)

O ano de 2019 tem sido mais do que especial: elas começaram janeiro com uma série de ficção em podcast no Spotify e, agora, chegaram ao E!. O que será que vem pela frente na Cia de 4? “Foi incrível ter esses dois projetos nesse ano. Os dois têm alguns pontos em comum: o humor, o fato de serem várias pílulas/esquetes diferentes, interpretamos personagens distintos nos episódios, e tanto o podcast quanto o programa têm roteiro e interpretação nossa”, ressalta Anita. “Agora, temos vários projetos em desenvolvimento para o audiovisual, a maioria deles de humor, alguns dramáticos. Mas queremos também voltar para os palcos e estamos elaborando um projeto transmídia sobre teatro! A gente começou no palco e queremos torná-lo mais acessível ao público. As pessoas tem ido cada vez menos ver peças, por conta da violência urbana e pela crise na cultura que estamos vivendo agora. Estamos realmente pensando em fazer algo para mudar isso, e quem sabe, fazer da internet uma aliada a essa forma de arte milenar?”, questiona.  Mal podemos esperar para ver.