BBB 23 – Eliminação de Gabriel mostra que público do reality vem se alfabetizando em relação às pautas identitárias


“O comportamento de Gabriel foi típico daqueles que a gíria chama de ‘hétero tops’. Para o ‘hétero top’, o mundo é androcêntrico (gira ao redor dos homens) e binário (nada do que esteja fora deste espectro deve ser considerado). Foi assim que o machismo resistiu tantos anos na face da Terra, naturalizando relações abusivas”, diz a terapeuta Maria Rafart. O modelo catarinense faz retornar algumas discussões para dentro do reality sobre relações abusivas, racismo e gordofobia, pautas amplamente discutidas e batalhadas aqui fora nos últimos anos. O público foi duro com ele ou não ‘passa mais pano’ para esse tipo de comportamento? Convidamos Valmir Moratelli, pesquisador em teledramaturgia e jornalista, e a psicóloga Maria Rafart para estabelecermos diálogo e reflexão por aqui

*Por Brunna Condini

Eliminado do BBB23, Gabriel Tavares (Fop) tem lidado com a repercussão da sua saída em meio a polêmicas e foi duramente criticado por conta das suas atitudes grosseiras e consideradas abusivas no relacionamento com outra participante, Bruna Griphao. Tanto, que contou até com alerta ao vivo dado por Tadeu Schmidt. Seu comportamento considerado abusivo em relação à Bruna, movimentou fãs do reality e internautas. A hashtag #foragabriel ficou nos Trending Topics no Twitter. O catarinense de 25 anos fez questão de demonstrar arrependimento, lá dentro e aqui fora, falando de um processo de aprendizado, no entanto o espectador não passa mais ‘pano’, nem no BBB.

“O público do Big Brother está se alfabetizando ao longo dos anos em relação às pautas identitárias, ‘desculpas’ não são mais uma solução. As relações pessoais apresentadas no programa precisam desenvolver novos elementos e não repetir velhos dramas. A cada edição, novas pautas, por isso se torna latente o machismo voltando em mais uma edição. O público atento a isso, não aceita erros já cometidos anteriormente”, analisa Valmir Moratelli, pesquisador em teledramaturgia, jornalista e roteirista.

Nas redes, evidenciaram o comportamento de Gabriel violento com uma mulher e preconceituoso com outro participante, Bruno: Gabriel comparou o cabelo dele à textura de grama sintética, e em outro episódio, também fez um comentário gordofóbico sobre o corpo do alagoano. E um dia antes da decisão do Paredão, chamou o colega de ‘Penélope Gordosa’, em referência à personagem Penélope Charmosa, que sempre usava rosa —uma das cores que Bruno curte.

Gabriel Tavares foi o segundo eliminado do BBB23 na última terça-feira (Reprodução)

Gabriel Tavares foi o segundo eliminado do BBB23 na última terça-feira (Reprodução)

Sendo o BBB hoje bem mais do que um espaço de convivência em busca do ‘ouro’, já que muitas pautas importantes foram colocadas em destaque nas últimas edições, o que diria para quem ainda acredita que tanto o programa quanto o público foram duros com Gabriel? “O julgamento não é rígido a partir do momento que estamos discutindo essas pautas aqui fora já há algum tempo. É preciso evoluir. É preciso se discutir, mas também sabendo que racismo, homofobia e feminicídio são agressões puníveis por lei. Existe uma constituição que prega leis duras para estes tipos de crime. Então, se um rapaz branco, privilegiado, de classe média e que participa de um programa com uma audiência de milhões de espectadores, entre crianças, adolescentes, homens e mulheres, comete a besteira de falar durante uma conversa com a menina que estava se relacionando, que poderia dar uma cotovelada nela, no mínimo está fora da realidade e não está preparado para o convívio social. Esse tipo de comportamento é absurdo e aciona gatilhos perigosos, em uma sociedade que ainda sofre altos e alarmantes índices de feminicídio. Então é óbvio que ele teve que ser punido, a saída dele mostrou isso”, frisa Moratelli.

Bruna Griphao e Gabriel Tavares dentro do BBB23 (Reprodução)

Bruna Griphao e Gabriel Tavares dentro do BBB23 (Reprodução)

Muito a caminhar

O discurso de eliminação de Tadeu Schmidt mesmo dando ênfase ao fato de que a saída de Gabriel tinha relação direta com a forma abusiva como se relacionou com Bruna, também destacou a importância do modelo ter uma segunda chance. Nas redes muita gente achou que a fala foi uma bela ‘passada de pano’. É óbvio que também existe o machismo atravessado na votação, no discurso, no telespectador de forma geral, porque a sociedade ainda é machista, mas embora ele tenha sido eliminado com pouca diferença de votos, mesmo em uma sociedade machista e homofóbica, o fato de ter saído demonstra que o publico rejeita uma atitude como essa”, avalia Valmir Moratelli. “Foi uma punição que talvez o faça aprender um pouco tarde demais, tendo em vista que já é adulto e cometeu um erro grave, mesmo tendo acesso à boa educação. Seu perfil demonstra que foi uma questão moral e ética quebrada durante o programa. Seria muito perigoso se o mantivessem ali, seria como um prêmio. O julgamento dele não foi duro, porque as palavras machucam tanto quanto as ações e têm consequências pesadas. São falas que atravessam narrativas e vão contra tudo que estamos tentando virar a página nos últimos meses no Brasil, depois dos últimos anos bem pesados, ​​de discussões identitárias silenciadas de forma muito violenta. O BBB não pode dar voz a este tipo de comportamento”.
Gabriel Tavares foi o segundo eliminado do BBB23 na última terça-feira (Reprodução)

Gabriel Tavares foi o segundo eliminado do BBB23 na última terça-feira (Reprodução)

Consequências

“Como psicóloga e testemunha do sofrimento de pessoas que são vítimas de falas preconceituosas e de relacionamentos abusivos, só tenho a comemorar. A roda não foi inventada: a diferença, é que hoje mais pessoas se dão conta de que comportamentos e falas deste padrão não podem persistir. E isto se revela no resultado de eliminações em realities também – a tese de ‘entrei no BBB para aprender e sair diferente’ não pega mais”, observa a terapeuta Maria Rafart.

“O comportamento de Gabriel foi típico daqueles que a gíria chama de ‘hétero tops’. Para o ‘hétero top’, o mundo é androcêntrico (gira ao redor dos homens) e binário (nada do que esteja fora deste espectro deve ser considerado). Foi assim que o machismo resistiu tantos anos na face da Terra, naturalizando relações abusivas. Falas racistas disfarçadas de brincadeira entram no mesmo pacote. A segunda chance de Gabriel terá que passar por uma curadoria de imagem, semelhante àquela de Karol Konká, usando várias estratégias que demonstrem que o rapaz mudou. Se o público vai comprar a ideia ou não, saberemos mais tarde”, completa.

Cercado de outros participantes Gabriel critica a textura do cabelo de Bruno no BBB23 (Reprodução)

Cercado de outros participantes Gabriel critica a textura do cabelo de Bruno no BBB23 (Reprodução)