Atriz de ‘Vai na Fé’, Ana Flávia Cavalcanti exalta especial ‘Falas de Orgulho’ e analisa veto de beijos LGBTs na TV


A atriz está em ‘Vai na Fé’, e será a protagonista na série ‘Histórias Impossíveis – episódio Sísmicas’, que vai ao ar no dia 26, na Globo, e faz parte da comemoração Falas de Orgulho pelo Dia do Orgulho LGBTQIAPN+ (28) a culminância do Mês de Orgulho, que joga luz nas lutas por direitos e contra a violência que acomete essa comunidade. Bissexual, Ana Flávia reflete: “Percebo que o fato de haver uma data para a comemoração da existência e resistência de um grupo étnico-social diz muito a respeito da nossa sociedade. Todas as pessoas que se encaixam no grupo LGBTQIAPN+ ainda sofrem com a falta de direitos e proteção devida do estado. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans. Nos últimos dias tivemos dois assassinatos claramente acusados de homofobia, em um deles a pessoa encontrada morta estava concretada no fundo de um poço. É muito forte, é muito violento e são várias camadas de violência. Por exemplo, não exibir um beijo entre duas mulheres em uma novela é uma delas, porque negar uma existência é negar uma vida”

*Por Brunna Condini

Atriz que pode ser vista na TV, na novela ‘Vai na Fé’, no streaming, no sucesso ‘Os Outros’, e no teatro com o solo ‘Confort’, Ana Flávia Cavalcanti também será a protagonista Lena na série ‘Histórias Impossíveis – episódio Sísmicas‘, que vai ao ar no dia 26, na Globo, e faz parte da comemoração Falas de Orgulho pelo Dia do Orgulho LGBTQIAPN+ (28) a culminância de um mês dedicado a reforçar a importância de discutir as temáticas que envolvem gênero e sexualidade, e também promover uma maior equidade e redução dos preconceitos direcionado a essa comunidade.

Existe uma parcela da sociedade que não quer ver duas mulheres se beijando na TV aberta e eles precisam ser ouvidos também, temos que negociar, mas a boa negociação começa quando ela está alicerçada através da proteção do estado e das leis – Ana Flávia Cavalcanti

Como cidadã e bissexual, a atriz fala sobre a representatividade do movimento. “Percebo que o fato de haver uma data para a comemoração da existência e resistência de um grupo étnico-social diz muito a respeito da nossa sociedade. Todas as pessoas que se encaixam no grupo LGBTQIAPN+ ainda sofrem com a falta de direitos e proteção devida do estado. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans. Nos últimos dias tivemos dois assassinatos claramente acusados de homofobia, em um deles a pessoa encontrada morta estava concretada no fundo de um poço. É muito forte, é muito violento e são várias camadas de violência. Por exemplo, não exibir um beijo entre duas mulheres em uma novela (‘Vai na Fé’), é uma delas, porque negar uma existência é negar uma vida. São muitas as lutas e os recortes que encarecem a luta, que problematizam a luta, mas se for ilustrar de maneira geral, a luta segue sendo pelo direito à vida, direito à liberdade, direito à felicidade, direito à herança no caso de cônjuges e direito a amar e ser amades”, observa.

Ana Flavia Cavalcanti fala da importância do mês do orgulho LGBTQIAPN+ (Foto: Jorge Bispo)

Ana Flavia Cavalcanti fala da importância do mês do orgulho LGBTQIAPN+ (Foto: Jorge Bispo)

A mesma emissora que exibe um especial tão representativo, andou vetando beijos LGBTs em suas novelas. Que avanços na dramaturgia seriam fundamentais para o público se educar e respeitar a diversidade de existências? “Os avanços precisam antes acontecer nas estruturas de poderes decisivos. A dramaturgia já avançou muito e vai avançar ainda mais. Uma sociedade se constrói através de várias forças que hora se opõem, ora convergem. Cada grupo vai lutar pelo que acredita, sonha, prioriza e isso eu respeito. Existe uma parcela enorme da sociedade que não quer ver duas mulheres se beijando na TV aberta e ela precisa ser ouvidas também, temos que negociar, mas a boa negociação começa quando ela está alicerçada através da proteção do estado e das leis. Acredito que essa conversa pode se iniciar através de uma novela como ‘Vai na Fé’, por exemplo, e pode se iniciar através dos movimentos da sociedade civil. E vice-versa. Tenho fé que iremos avançar nos direitos da comunidade LGBTQIAPN+ nos próximos anos e daqui a pouco não exibir um beijo entre duas mulheres já não será mais possível”, analisa a atriz.

Haver uma data para a comemoração da existência e resistência de um grupo étnico-social diz muito a respeito da nossa sociedade. Todas as pessoas que se encaixam no grupo LGBTQIAPN+ ainda sofrem com a falta de direitos e proteção devida do estado – Ana Flávia Cavalcanti

Ana Flávia Cavalcanti e Kika Cavalcanti no na série 'Histórias Impossíveis - episódio Sísmicas', que faz parte da comemoração Falas de Orgulho da rede Globo (Foto: acervo pessoal)

Ana Flávia Cavalcanti e Kika Cavalcanti no na série ‘Histórias Impossíveis – episódio Sísmicas’, que faz parte da comemoração Falas de Orgulho da rede Globo (Foto: acervo pessoal)

Sobre o episódio ‘Sísmicas’ do Falas de Orgulho, ela também comenta: “Tenho um carinho especial por esse projeto justamente pela maneira que ele nasceu, com desejo e afinco forte de nossas partes em criar histórias em que pudéssemos pautar as diversas camadas do feminismo no Brasil. Eu dou vida a Lena, uma mulher cisgênera que namora Kátia (Kika Senna), uma mulher trans. A série começa quando as duas decidem viver juntas na casa que Lena herdou de sua avó. Juntas elas vão enfrentar os medos internos, violências sociais causadas pela lesbofobia e transfobia e ao mesmo tempo irão encarar a construção (literal) de uma relação de amor firme e longeva”.

"Os avanços precisam antes acontecer nas estruturas de poderes decisivos. A dramaturgia já avançou muito e vai avançar ainda mais" (Foto: Jorge Bispo)

“Os avanços precisam antes acontecer nas estruturas de poderes decisivos. A dramaturgia já avançou muito e vai avançar ainda mais” (Foto: Jorge Bispo)

E acrescenta, provocando reflexão: “Na minha opinião o que tanto incomoda é a iminência da mudança de padrões sociais. Quando um grupo se vê em perigo de desaparecimento ele se apavora. Então agora todos serão gays, lésbicas, trans? E sabemos que isso não é verdade. Uma sociedade é composta por corpos diversos. Esse comportamento tem muito a ver com praticantes de religiões monoteístas. Que pregam uma verdade. Eu sou do candomblé e nossa cosmovisão está associada a práticas afro-brasileiras horizontalizadas, nossa prática é politeísta, são vários os orixás, justamente porque são várias as possibilidades de ser e existir. Enxergo o mundo por essa perspectiva e respeito a individualidade e autonomia do ser humano dentro de sua comunidade”.

Resistência

Já sofreu algum tipo de preconceito por sua bissexualidade? “Eu pratico a resistência diária, o amor pela vida, a força ancestral dos meus mais velhos africanos e indígenas. Eu sou uma mulher afro-indígena-brasileira e não desisto nunca, e quando desisto, porque posso e mereço, descanso na Bahia”.

Outro trabalho de Ana Flávia que dialoga muito com o afeto, a inclusão e a diversidade, é seu solo, ‘Confort’, que voltará aos palcos em agosto. O que significa pra você colocar em cena as memórias da primeira infância quando acompanhava sua mãe nas casas de família em que ela fazia faxina nos anos 90? “Obrigada por essa pergunta, eu estou iniciando esse trabalho que é muito caro para mim. Eu decidi abrir meu baú e tirar de memórias, lembranças, saberes, dizeres, sonhos há tanto tempo guardado. ‘Confort’ é um mix das lembranças das casas de família que visitava quando acompanhava minha mãe nas faxinas, dos cafés da manhã do Xou da Xuxa e a nossa eterna não-vontade de ser paquita. Junto tudo e empesteio os lugares com amaciante Comfort. Cheiro de gente rica é lavanderia de apartamento grande no bairro dos Jardins. A roupa é lavada com amaciante Comfort e seca em área de serviço com pouco sol. Empesteia o apartamento de quatro quartos e 280 metros quadrados inteiro”, observa.

Com esse espetáculo desejo poder viver com mais conforto e que o negro do meu país viva com mais conforto. Quero levar essa ideia para dissipá-la no mundo. Todo mundo gosta de conforto. E merece – Ana Flávia Cavalcanti

Ana Flavia Cavalcanti no solo 'Confort' sobre suas memórias acompanhando a mãe que foi empregada doméstica nos anos 90 (Divulgação)

Ana Flavia Cavalcanti no solo ‘Confort’ sobre suas memórias acompanhando a mãe que foi empregada doméstica nos anos 90 (Divulgação)