“Acho que todo artista em algum momento pensa em desistir. Teve uma fase que eu fiquei sem saco”, diz Elizangela


A atriz relembra as emoções que viveu na pele de Aurora, a mãe de Bibi Perigosa, interpretada por Juliana Paes em ‘A Força do Querer’. Com 58 anos de carreira, Elizangela conta sobre os bastidores, a amizade com Juliana, e o início da própria trajetória: “O que sei é que em função da época, era tudo muito diferente do que é hoje. Não aproveitei toda parte comercial, por exemplo, no sentido de dar frutos, alavancar a carreira. Mas, antigamente, o ator não tinha essa de ter empresário. Minha mãe era uma pessoa simples, não entendia disso. Então as coisas iam surgindo e eu ia fazendo. Acabei também não fazendo minha faculdade, fui tomada pelo trabalho, casei logo… se eu tivesse tido essa orientação lá atrás, talvez tivesse feito outras coisas mais. Muito mudou desde que comecei. Hoje você tem quem te oriente, conduza a carreira, existe todo um trabalho de internet, tem opções grandes. E também, fazer sucesso é mais fácil. Não precisa nem ser ator, pode se transformar em um rapidamente”

*Por Brunna Condini

Em ‘A Força do Querer’, que reestreou na segunda-feira, em edição especial, a trama de Bibi Perigosa, vivida por Juliana Paes, personagem inspirada na história de Fabiana Escobar, é o grande destaque. Mas para além do sucesso de Bibi, a relação da personagem com a mãe, Aurora, interpretada por Elizangela, é um sucesso à parte e promete emocionar os telespectadores mais uma vez. “A Aurora foi meu personagem mais intenso. Acho que foi praticamente o primeiro assim, mais dramático. Estou feliz de poder assistir esse trabalho agora”, vibra Elizangela.

“É tão difícil falar da Aurora. Foi um personagem muito forte. Acho que eu e ela temos em comum essa coisa que a maioria das mães têm, que é um amor imensurável pelos filhos” (Divulgação/Globo)

A trama de Gloria Perez gira em torno do desejo que move as pessoas e suas escolhas. É dentro deste cenário que a autora criou a Bibi de Juliana Paes, livremente inspirada no universo do livro ‘Perigosa, história real de Fabiana Escobar, uma carioca que ficou conhecida há alguns anos como a “Baronesa do Pó”, e entrou no mundo do crime quando o marido Saulo de Sá Silva se tornou traficante na favela da Rocinha. Aurora, a personagem de Elizangela, é a mãe amorosa e pé no chão de Bibi, que sofre com as escolhas e desdobramentos da história da filha ao longo da novela. “É tão difícil falar da Aurora. Foi um personagem muito forte. Acho que eu e ela temos em comum essa coisa que a maioria das mães têm, que é um amor imensurável pelos filhos”, diz a atriz, que é mãe de Marcelle Sampaio.

“Acho que a Aurora agradou tanto o público porque gerou identificação, essa coisa da mãe capaz de tudo por um filho. Ela tem esse coração e amor imensos” (Divulgação/Globo)

“Toda mãe quer ver seus filhos bem e é capaz de fazer qualquer coisa para que sejam felizes. Fazer a Aurora me tocou desde o primeiro momento. Todas as cenas, mesmo as mais leves, eram muito contundentes. Sempre traziam informações certeiras, que mostravam o que estava a caminho e me deixavam com a orelha em pé, desde o início. Era intrigante, interessante. Acho que a Aurora agradou tanto o público porque gerou identificação, essa coisa da mãe capaz de tudo por um filho. Ela tem esse coração e amor imensos”.

Elizangela, que vai gravar uma série com Marcos Majella ainda este ano, uma produção do Multishow, aproveita para falar da relação com Juliana, com quem já trabalhou em produções como ‘O Clone’ (2001), e ‘A Dona do Pedaço’ (2019). E também no longa “Ó nós aqui outra vez“. “Na época de ‘A Força do Querer’ já tinha feito uma novela com a Juliana, mas a relação tomou outra proporção. Nesta novela intensificamos nosso elo. Juliana é doce, alegre, parceira. A nossa troca foi muito profunda. Isso fica”, recorda. “Durante as gravações convivemos mais do que com a própria família. Juliana é querida demais. Foi prazeroso acompanhar a trajetória e o crescimento dela como atriz. Do nosso primeiro trabalho para cá, ela casou, teve filhos, isso tudo amadurece a mulher e também amadurece a atriz”.

“Juliana é querida demais. Foi prazeroso acompanhar a trajetória e o crescimento dela como atriz. Do nosso primeiro trabalho para cá, ela casou, teve filhos, isso tudo amadurece a mulher e também amadurece a atriz” (Divulgação/Globo)

Pensando na volta da trama de Gloria Perez, Elizangela destaca ainda, que viveu momentos difíceis na pele de Aurora. “Tive cenas cansativas emocionalmente. Uma delas, foi a cena da prisão de Bibi. E outra que mexeu comigo, foi quando gravamos em um presídio desativado, em Niterói. Mesmo sem gente lá, tem todo um ambiente de presídio, é muito ruim. Um clima muito pesado”, relembra.

Se passasse na vida, o que Aurora passou na ficção, como acha que reagiria? “Você sabe que eu já pensei nisso? Sinceramente, não sei qual seria minha reação diante de tudo o que essa mulher passou. Tentei me colocar no lugar dela, claro. Não sei se eu simplesmente pegaria minha filha, botaria debaixo do braço e sumiria com ela. Claro, se isso pudesse ser feito, mas não pode. A Bibi era maior de idade, dona do nariz. Acho que se fosse comigo eu entraria em desespero. Não sei como foi isso na vida real. Mas a Aurora que eu e a Glória construímos foi muito forte. Não sei qual foi o comportamento exato na mãe da menina (Fátima, mãe de Fabiana Escobar), da protagonista real. Só estive com ela uma vez, e para falar a verdade, fiquei um tanto melindrada quando a conheci. Acho que eu nem conseguiria perguntar como foi exatamente. Acho tão delicado o que ela viveu. Fiquei tensa, perturbada quando a conheci. Estamos acostumadas a viver a ficção, mas essa trama que vivi com Juliana na novela, teve inspiração na vida real, em algo que aconteceu mesmo. Então, fiquei sem palavras na frente dela, comovida”.

História que se mistura à da TV

Aos 65 anos, a atriz nascida em Resende, município do Rio de Janeiro, mora há cinco anos no pé da Serra de Teresópolis. “Morava em um apartamento no Recreio, mas sempre quis uma casa, com quintal. Queria um lugar para reunir a família. Achei ótimo que é menos de uma hora do Rio. Quis sair da confusão”. E comenta sobre o período de isolamento social: “Tem sido tranquilo. Aqui se você não liga a TV, não sabe o que está acontecendo no mundo. Meu isolamento não tem sido diferente de como minha vida já é normalmente. O mais difícil, é tudo que está acontecendo, e não poder ver as pessoas quando eu quiser. A falta de liberdade deste momento”.

Em 1966, Elizangela começou a trabalhar na TV Globo, onde foi convidada para fazer um teste de locução com Geraldo Casé. Depois de aprovada, foi escalada para ser assistente de Pietro Mario, em ‘Capitão Furacão’. Esse foi o primeiro programa infantil da Globo e estreou junto com as transmissões da emissora. Elizangela ajudava na apresentação ao vivo. “São 58 anos de carreira. Se a televisão está fazendo 70 anos, a conta é essa. Fui para a Globo com 11 anos e comecei a carreira com 8”, lembra.

Elizangela no começo da carreira:“São 58 anos de carreira. Se a televisão está fazendo 70 anos, a conta é essa. Fui para a Globo com 11 anos e comecei a carreira com 8” (Arquivo pessoal)

“Ser atriz foi uma coisa que foi acontecendo na minha vida. Na verdade, quando menina, eu queria fazer jornalismo, por incrível que pareça. Nunca pensei em ser atriz. Tenho lembranças engraçadas dos primeiros trabalhos, como por exemplo, quando me colocaram diante de uma plateia com 9 anos e eu não consegui abrir a boca. E ainda colocaram um ponto eletrônico no meu ouvido, aquela gente gritando para eu falar as coisas e uma plateia imensa diante de mim no auditório do Excelsior. Mas pouco tempo depois peguei o jeito”.

Alguma vez na vida pensou em desistir da profissão? “Pensei. Acho que todo artista em algum momento pensa. Teve uma fase que eu fiquei sem saco. Uma época em que eu já era uma mulher feita, tinha filha, mas com cara e jeito de menina. Então, só me davam papel de menina. E aquilo me incomodava, ter que fazer aquela coisa de menina revoltada, malcriada (risos). Mas passou”.

“O amadurecimento me trouxe a certeza que adotei posturas corretas na vida. Trouxe uma consciência maior” (Divulgação/Globo)

Se pudesse dar um conselho à Elizangela do início da carreira, qual seria? “Não sei, sinceramente. O que sei é que em função da época, era tudo muito diferente do que é hoje. Não aproveitei toda parte comercial, por exemplo, no sentido de dar frutos, alavancar a carreira. Mas antigamente o ator não tinha essa de ter empresário. Minha mãe era uma pessoa simples, não entendia disso. Então as coisas iam surgindo e eu ia fazendo. Acabei também não fazendo minha faculdade, fui tomada pelo trabalho, casei logo…se eu tivesse tido essa orientação lá atrás, talvez tivesse feito outras coisas mais. Muita coisa mudou desde que comecei. Hoje você tem quem te oriente, conduza a carreira, existe todo um trabalho de internet, tem opções grandes. E também, fazer sucesso é mais fácil. Não precisa nem ser ator, pode se transformar em um rapidamente”.

O que o amadurecimento te trouxe? “A certeza que adotei posturas corretas na vida. Trouxe uma consciência maior. Até para mudar determinadas coisas, para melhorar como pessoa. Olho mais para mim e por mim hoje. E sou mais feliz com tudo, tenho mais paz. Ter vindo morar aqui também me ensinou muito. Parei com a correria”.