Vítima de fake news, Marieta Severo fala sobre processo, saída da Globo e liberdade de trabalhar por obra


A atriz está indignada por ser vítima da mesma história pela segunda vez. Nas redes circula um texto atribuído a ela criticando o ex-Presidente Lula. O mesmo já visto na eleição de 2018. “Qual tipo de ser humano abjeto faz isso?”, questiona ela. Na vida profissional, Marieta está em cartaz com a peça “O Espectador”, no Teatro Poeira. Na TV, aguarda novos desafios e frisa, que na maior parte da carreira, não teve contrato longo. “Eu não fiquei contratada durante 39 anos, na Globo. De jeito nenhum. Sempre fazia trabalho por obra, tanto que várias vezes fui chamada para alguma novela e eu não quis ou não pude. O meu primeiro contrato longo foi com a ‘A Grande Família’, onde fiquei 14 anos”, afirma

* Por Carlos Lima Costa

Foi com indignação que a atriz Marieta Severo viu se repetir esses dias fake news da qual foi vítima durante a eleição presidencial de 2018. Nas redes, um texto supostamente escrito por ela criticando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Isso é parte dessa tristeza profunda que a gente tem com esses brasileiros que agem assim. Na ocasião, me fez um mal horroroso, eu desmenti. Que liberdade é essa de colocar na minha boca palavras que nunca disse? Você não sabe como eu fico mal. É que nem travesseiro de pluma rasgado e quando jogado do alto de um prédio. Aquelas plumas voam com o vento, impossível recolher. Então, qual tipo de ser humano abjeto faz isso? Eu voto no Lula, eu sempre votei no Lula. Então, isso é assustador. É o ser humano se manifestando da sua maneira mais torpe. Isso depende muito de como o país está sendo conduzido. Em uma condução mais positiva, verdadeira, solidária, tais ações vão se recolhendo para o seu nicho lamacento, não são autorizadas. O problema é um governo que autoriza, estimula, incentiva, se alimenta disso”.

Há quatro anos, Marieta não correu atrás para descobrir o responsável. “Dessa vez, até que estou com vontade, porque eu adoro processar. Eu não gostava, mas vi que é o único instrumento que você tem para não ficar à mercê. Há a sensação de que você pode rebater de alguma maneira. Nunca perdi um processo, é uma beleza. Tira do lugar de impotência”, acrescenta a grande atriz, que comemora 76 anos, na próxima quarta-feira, dia 2.

Marieta Severo desabafa sobre ser vítima de fake news (Foto: Leo Aversa)

UM OLHAR PARA AS MINORIAS E NECESSITADOS

Marieta, que viveu parte da ditadura militar exilada por conta do então marido, o cantor Chico Buarque, nunca imaginou que fosse ainda passar por um momento como esse do Brasil atual, com pessoas pedindo ditadura. “Não tive imaginação pra tanto, graças a Deus. Existe uma desinformação, as pessoas têm que ser informadas. Foi bom o filme ‘Aos Nossos Filhos’, da Maria Medeiros, ter vindo em um momento em que esclarece isso. A arte cumprindo essa função para reativar a memória do que aconteceu. Depois que acabou a ditadura, vivi momentos de governos, que a gente discorda de uma coisa ou outra. Isso faz parte do aglomerado humano. Sempre existirão erros. Mas tenho registro de governos do PSDB, PT, onde a sensação era de que o governo estava cuidando do país, no melhor sentido, prestando atenção nas questões mais importantes, como a igualdade social e racial. Estou falando no sentido de humanidade, de um olhar real sobre o que as minorias precisam, quais são as leis, a política que se faz para atender a maioria pobre desse país”, comenta.

Marieta sobre fake news: “É o ser humano se manifestando da sua maneira mais torpe” (Foto: Leo Aversa)

É sempre com indignação que vê atitudes preconceituosas. “Falamos de um governo que nesses quatro anos criou um clima no país que abriu caminho para que aquela mulher, em São Paulo, vizinha do youtuber Eddy Jr, o atacasse. O que existiu foi uma autorização para que essas atitudes nefastas, horrorosas, aflorassem. O racismo, os preconceitos, a misoginia, isso tudo a gente sabe que está aí, mas a autorização para que tudo se manifestasse foi feita a partir desse governo. A quantidade de armas que estava com esse senhor (Roberto Jefferson), em uma história horrorosa que começou com um ataque asqueroso a uma ministra, a quantidade de armas, inclusive sem autorização que ele tinha em casa. Tudo isso é fruto de um projeto político”, desabafa.

O DESEJO DE NÃO FAZER PARTE DAS REDES SOCIAIS

O discurso de ódio presente nas redes sociais, ela não acompanha porque ainda mantém certa distância delas. “Eu mesma não tenho Instagram, Facebook, nada disso e não sinto a menor falta. Mas a Rita Von Hunty, que me acompanhou durante a pandemia, me ensinou tanta coisa e me deu alegria com sua maneira de conduzir a informação, então, vou atrás de quem eu quero. Há papos com ela que são extremamente positivos, informativos. O resto eu não vejo, não sei o que estão falando. Me chegam informações como essa de agora: ‘Marieta, de novo estão colocando um texto que não é seu, que você já desmentiu’. Eu tenho três filhas e sete netos, então, tenho muitos informantes virtuais”, explica.

Vemos muito nas redes pessoas mostrando situações de uma vida feliz como uma necessidade de pertencimento. “O jovem, para ele se sentir exatamente pertencendo a algo, tem que estar fazendo aquelas coisas. Foi assim em todas as instâncias sempre. Eternamente, desde a juventude transviada. O ser humano quer pertencer, quer fazer parte, ser acolhido e a maneira do acolhimento de grupo agora, é essa”, aponta a atriz, que está longe da TV desde que interpretou Noca, em “Um Lugar Ao Sol”, exibida até março desse ano.

LIBERDADE PARA TRABALHAR EM OUTROS VEÍCULOS

Em outubro, o público se surpreendeu ao descobrir que não houve a renovação de seu contrato com a Globo, assim como aconteceu com Osmar Prado, após dar vida ao Velho do Rio, no remake de “Pantanal”. “A não renovação não tem nada a ver com merecimento. Tem essa nova política da Globo, uma das maiores empresas de comunicação do mundo, com essa nova maneira de estar no mercado. Temos que respeitar e esperar que seja a melhor maneira. Eu não entendo nada de empresa. Mas acompanho uma recolocação do audiovisual no mundo, está tudo diferente, entraram os streamings, outras maneiras de produção. É mais do que certo a Globo se adequar a essa nova maneira moderna de produzir audiovisual”, reflete.

Para ela, a diversidade de plataformas aponta um horizonte melhor para a área artística, mesmo sendo contratos por obra certa. “Os streamings estão aí, ganhando a audiência, você assiste a hora que quer. Tanto que nessa política da Globo, ela lançou uma novela (‘Todas as Flores’) de um mega autor (João Emanuel Carneiro), na Globoplay. É um panorama que está mudando para melhor, porque várias portas estão se abrindo. Muitas pessoas que eu conheço que trabalharam 30, 40 anos na Globo, foram assimiladas pelo streaming. Então, são novos tempos com novas vantagens”, avalia ela, já sondada para uma participação, em 2023, mas como não fechou, prefere ainda não contar.

Marco Nanini e Marieta Severo na pele do casal Lineu e Nenê, no seriado “A Grande Família”, quando a atriz assinou seu primeiro contrato longo com a Globo (Foto: Globo/Paulo Belote)

Ela ressalta ainda que ao contrário do que andaram publicando não mantinha com a Globo relação contratual de quase 40 anos. “No meu caso, o que aconteceu agora foi uma coincidência muito bacana de vontades. Eu sabia que meu contrato terminaria em setembro e eu queria estar livre para fazer trabalhos em outros veículos, em outros lugares. Queria essa liberdade. Eu tenho muitos anos de TV Globo, trabalhei muito lá dentro, nunca tive que fazer nada que eu não quisesse. Só que agora eu também queria novos horizontes”, assegura.

Não fiquei contratada durante 39 anos, na Globo. De jeito nenhum. Sempre fazia por obra, tanto que várias vezes fui chamada para alguma novela e eu não quis ou não pude. O meu primeiro contrato longo foi com a ‘A Grande Família’, onde fiquei 14 anos – Marieta Severo

“Eu nunca quis fazer contrato longo. E agora, voltei para o lugar onde eu estive na maior parte da minha vida, que era poder dizer sim ou não. Quando ‘A Grande Família’ terminou, ainda tinha dois anos de contrato. Quando, fui fazer ‘Verdades Secretas’ que foi uma maravilha, renovei com projetos que eu já queria estar”, conta.

ENCONTRO INÉDITO COM RENATA SORRAH NO PALCO

No momento, a estrela está em cartaz com a peça ‘O Espectador’, do dramaturgo Matei Visniec, no Teatro Poeira, ao lado de Andréa Beltrão, Ana Baird e Renata Sorrah. “A peça foi escrita há 30 anos, seu autor é um romeno que fugiu de uma ditadura comunista e tem influência do (Eugène) Ionesco, do Teatro do Absurdo, então, é um libelo contra o autoritarismo de maneira geral. Ela não é didática, passa pelas questões de uma maneira muito ampla, em um terreno de várias compreensões, então, a gente tem essa relação com o espectador, onde a gente diz que há um criminoso entre nós, por exemplo, mas quem é esse criminoso? A gente não aponta. Então, é uma peça de uma liberdade absoluta que propicia muitas leituras. Ela fala que tudo é política, mas de maneira geral, nada partidário, nada direcionado a um tipo de visão”, comenta sobre o espetáculo adaptado por Henrique Diaz e por Marcio Abreu. Um sucesso na cena teatral carioca e o primeiro espetáculo do Teatro Poeira depois de dois anos fechado por conta da pandemia.

Marieta caracterizada como Noca, na novela “Um Lugar Ao Sol”, seu mais recente trabalho na televisão (Foto: Globo/Fábio Rocha)

“Mas nada mudou lá dentro. Eu e a Andréa, minha sócia, continuamos mantendo a nossa equipe maravilhosa e todinha. Reabrimos o Poeira com a exposição da Bia Lessa, que era uma ode ao teatro e foi um enorme sucesso, e queria também reabrir o teatro para esse reencontro teatral festivo com o público. É uma alegria diária, porque as pessoas ficam esperando a gente lá fora, tem uma troca direta, vemos a empolgação, a maneira como saem felizes do teatro”, acrescenta.

A peça, que interrompe a temporada no final de novembro e retorna, em janeiro, é o primeiro encontro teatral de Marieta com Renata. “Somos amigas há 50 anos, várias vezes planejamos fazer trabalhos juntas, nunca dava certo e deu agora”, ressalta, acrescentando: “O que o público assimila no palco é o clima entre nós, a festa dos nossos encontros e reencontros. A Aninha Baird, por exemplo, trabalhou comigo em Saltimbancos, quando tinha uns 7, 8 anos. Era uma montagem dirigida pelo pai dela, Antônio Pedro. Ela era do coro junto com a Silvinha (Silvia Buarque) e com a Lelê (Helena), minhas filhas. Então, são muitos encontros e reencontros. Fora o meu com Andréa que é absoluto”, frisa.

FÉRIAS E FAMÍLIA

Para dezembro, planeja férias e pequenas viagens. E fala dos planos para o Teatro Poeira, em 2023. “Estamos formatando o que é para nós o mais importante: o nosso projeto de fomento, de formação que temos há 17 anos. Temos o artista residente, o visitante, o ponte aérea, tudo isso a gente fez com o Aderbal (Freire-Filho, marido de Marieta, que sofreu um AVC, em 2020) esses anos todos. Agora, como ele não vai poder fazer isso, o nosso curador é o Marcio Abreu”, conta. Sobre Aderbal, diz: “É difícil, está em uma situação complicada, com as possibilidades de comunicação restritas. Mas estamos aqui, sempre com a esperança, lutando com todo esforço”, pontua.

Dos sete netos, dois seguem na carreira artista, Chico Brown e Clara Buarque (ela está em ‘Travessia’), filhos de Helena com Carlinhos Brown. “Clara, é atriz, cantora, está dando uns passos muito bem dados, trabalhando bastante. Agora, está mais como atriz do que como cantora, mas chegou a gravar com o Chico, no ‘Caravanas’, canta muito bem. Tem o meu netão, o Chico Brown, que está numa carreira de compositor e de instrumentista muito boa, já fez show com Marisa Monte. O bacana é a liberdade que eu sei que minhas filhas sempre tiveram para qualquer escolha que tivessem na vida. A Silvia é atriz, a Helena é pedagoga, tem uma escola muito bacana, e a Luísa é professora de filosofia. Todas felizes com suas escolhas. Isso é o mais importante na vida. Com os netos, eu babo, eu fico feliz, satisfeita porque vejo cada um buscando o próprio caminho. Não é o fato de escolher a carreira artística, porque não adianta escolher algo se você não tem talento ou vocação. O Chiquinho, por exemplo, desde pequeno, víamos que ele tinha um talento enorme. A Clara está trilhando o caminho dela. Mas tenho netos menores. Uma quer ser veterinária. Olha que alegria. Que seja feliz com a própria escolha. Artistas por enquanto só os dois, mas tem a Lia, que toca flauta, está fazendo faculdade de música. Esse DNA aí é forte”, finaliza, sorrindo.