Reynaldo Gianecchini: Ator fala sobre LGBT no teatro, beleza na maturidade e relembra filme com Flordelis


Giane está em montagem que leva à pauta questões LGBT diante da ótica de 12 personagens assumidamente gays e redefine o lugar comum que costuma atribuir montagens que abordam a homossexualidade, que ficam restritas ao circuito alternativo. Fala sobre a presença de não atores ou artistas inexperientes na televisão, como ele mesmo o fora, quando surgiu em 2000, protagonizando “Laços de Família”, trama que fez o seu rosto tornar-se adjetivo para qualificar um homem bonito. Além desses assuntos, o artista problematiza a hipocrisia religiosa, já que dera a vida a um pastor abusador na série ‘Bom dia, Verônica’, da Netflix, e participou de um filme que tinha em Flordelis a protagonista

*por Vítor Antunes

Por anos, Reynaldo Gianecchini teve a sua beleza estabelecida como um adjetivo, uma standartização. Desde 2000 na TV, variando entre papéis relevantes dentro da condição de galã e em outros mais desafiadores, o ator se lança em sua mais nova empreitada teatral, a peça “A Herança“, que estreia dia 9, em São Paulo. Nesta montagem, de Zé Henrique de Paula, a questão LGBT conduz a narrativa com destaque. O ator diz ser este um momento fundamental para se falar sobre este tema, especialmente diante do fato de o Brasil ser um país “preconceituoso e reprimido sexualmente”. Além desta peça, ele esteve presente em duas novelas que trouxeram abertamente a questão LGBT: “As Filhas da Mãe” (2001), falou sobre a transexualidade de forma pioneira e “Em Família” (2014) trouxe o primeiro beijo lésbico das novelas. Diz o artista que “é antiquado falar sobre beijo gay, já passamos deste ponto e da discussão”, trata, sobre o avanço da abordagem deste tema na TV.

Em relação às telenovelas, Giane não tem previsão de voltar a elas. Fala com naturalidade sobre o início de sua carreira, em “Laços de Família” (2000), e, ainda que destaque a importância da formação, acredita que há atores que “começaram sem ter uma escola (de teatro), mas que na prática viraram excelentes profissionais”. Afirma que intenciona prosseguir experimentando outras possibilidades de linguagem, tanto nos palcos como no streaming. “A Herança“, por exemplo, é uma peça arrojada, de 90 cenas, 12 atores e dividida em duas partes. O último trabalho de Gianecchini que destacou-se nos players foi “Bom Dia Verônica”, onde temas como a hipocrisia religiosa eram o norte. Nesta entrevista, “Giane” abre o coração e fala, inclusive, sobre como foi ter estado do filme da ex-pastora Flordelis, condenada a mais de 50 anos de prisão pelo homicídio do pastor Anderson do Carmo.

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Reynaldo Gianecchini volta aos palcos e fala sobre a relevância de se debater, no teatro, o protagonismo LGBT (Foto: João Miguel Junior/TV Globo)

CORES VERDADEIRAS

Costumeiramente, talvez ainda por algum reflexo do preconceito e da marginalização a qual a questão LGBT costuma ser tratada, foram muitos raras as situações nas quais a homossexualidade e suas vertentes ganhou protagonismo nas montagens mainstream. Não que seja a primeira, mas “A Herança” traz várias perspectivas sobre a questão gay. Desde os conflitos geracionais a problemática do HIV nos anos 1980 e transexualidade. O arrojo da encenação está, aí sim, em sua longa extensão. Por alcançar cerca de 5h, a peça terá uma parte montada num dia e outro segmento exibido numa outra data. Face a esta epopeia, Reynaldo Gianecchini considera como sendo “uma maratona, diante da duração. A carga horária de trabalho é realmente muito longa, um processo intenso. Mas, por outro lado, o elenco é incrível, as pessoas são muito preparadas e com muitas ferramentas. Estou encantado com a experiência de montar uma peça (desta envergadura) em tão pouco tempo”.

O personagem de “Giane” na peça, aborda, dentre outras questões, a problemática do HIV, nos anos 1980. Naquela década, o diagnóstico HIV-positivo era compreendido como uma sentença de morte em razão do desconhecimento tanto da doença como de seu seu tratamento. Muitas pessoas faleceram em decorrência dela. Para o ator, ter acesso ao registro emocional desta personagem é um desafio. “Eu precisei muito entender as dores dele. É um personagem que  viu todas as pessoas que amava falecerem por conta do vírus. Fiz muita pesquisa, voltei no tempo pra tentar entender o que foi aquilo e fiquei bastante tocado”, diz.

Reynaldo Gianecchini, Marco Antonio Pâmio e Bruno Fagundes são os protagonistas de “A Herança” (Foto: Hudson Renan)

Uma das limitações da montagem decorreu-se da grande restrição proposta pelos autores do texto original americano. Segundo o ator, a rigidez dos detentores dos direitos não foi um problema, ainda que a peça se passe nos Estados Unidos. “A nossa situação (política) e a dos Estados Unidos é bem parecida em muitas coisas, diante da polarização. Quando fala-se de Republicanos e Democratas lá é a mesma coisa que falar de esquerdistas e bolsonaristas aqui. O meu personagem é um homem gay e republicano. Comparando com a realidade brasileira é como se ele fosse um bolsominion”, exemplifica.

Reynaldo Gianecchini, entre 1999 e 2016 foi casado com a jornalista Marília Gabriela. Desde então muito se especulou acerca de sua sexualidade. Em 2019, à Revista EFE, declarou ser pansexual. Um homem livre e bem resolvido com isso, Giane diz que não se define em rótulos e epítetos. “Já faz um tempo que eu me propus a olhar para minha própria sexualidade com mais atenção, tentando entender a complexidade toda que é o meu ser, seus reflexos na sexualidade, e suas expressões para o mundo. Eu sugiro que as pessoas façam isso sempre. Acho que cada um tem que olhar para sua própria sexualidade em vez de ficar curioso com a dos outros. Num país que é ainda bastante reprimido e cheio de preconceito, como é o nosso, é sempre muito importante a gente falar na questão LGBT, sobre minoria e aceitação. A peça não se restringe à comunidade gay, mas fala de humanidade, amor, dores, carências e loucuras. É uma montagem para todos ainda que esteja focada na comunidade gay”.

Gianecchini e Bruno Fagundes fazem um par romântico em “A Herança” (Foto: Hudson Renan)

Aos 50 anos, Gianecchini acredita que “a atual geração é muito mais livre de vários tabus. Tenho muitos amigos mais jovens que discutem sexualidade de forma muito natural. Beijo gay em novela, por exemplo, já foi conquistado e é antiquado chegar a este ponto de discussão. Essa geração já entendeu isso muito mais facilmente, porque outras gerações abriram os caminhos. Eu mesmo quis viver esse processo na peça para tentar entender melhor a homossexualidade e está sendo muito, muito rico pra mim. Me embrenhar nessa para entender esta comunidade, a identidade e como as pessoas realmente precisaram se juntar para para lutar pelos seus direitos e também pela sua identidade, de poder existir e ser valorizado pela sua potência. Então, acho que na peça, todo mundo vai poder assistir e encontrar muita humanidade, além de, talvez, quebrar alguns preconceitos e refletir sobre coisas que nunca pensaram”.

Sempre fui uma pessoa de mente aberta, mas eu confesso, por exemplo, que nunca frequentei os lugares gays, como as baladas LGBT, e nunca entendi de verdade a importância de as pessoas se agruparem e precisarem manter uma identidade. Compreendo isso agora – Reynaldo Gianecchini

Uma das novelas às quais Reynaldo trabalhou, em 2001, “As Filhas da Mãe“, foi um grande insucesso no horário das 19h. Dentre tantas possibilidades de leitura para este fracasso de audiência, foi dito que deveu-se à presença de Ramona, uma transexual vivida por Claudia Raia. Na trama dos anos 2000, Ramona foi apresentada já como uma trans, o que escandalizou a sociedade naquele momento. Para Giane, a “pauta da transexualidade é mais corriqueira hoje. Há mais exemplos próximos da gente e é algo do qual se há muito mais consciência e atenção. Eu acho muito importante a gente lidar com todas as questões que falam de identidade. E a gente aprende muito também, discutindo e e entendendo a luta dessas pessoas é o direito de existir, de não ser, não ser uma dificuldade”, diz.

Ainda que tenha estado quase que ininterruptamente na televisão nas últimas duas décadas, o ator diz “não ter plano nenhum pra novela agora. Não é uma coisa que eu tenha vontade de fazer agora. Quero me experimentar em novos projetos, novos formatos, como as séries e filmes”.

Reynaldo Gianecchini e os avanços nas pautas afirmativas no teatro (Foto: Alex Carvalho)

PRIMEIROS PASSOS E CAMINHOS DA FÉ

Tão logo chegara na televisão, a crítica foi impiedosa com Gianecchini. Em “Laços de Família“, ele era o protagonista, tal como Vera Fischer e Carolina Dieckmann. Algo muito semelhante experiencia Jade Picon na atual trama das 21h, também por sua inexperiência frente às telas. Giane não acha um problema que atores novatos cheguem às novelas. “Eu estreei sem grandes experiências, por que fui aprovado em um teste para o teatro e, logo em seguida, passei na televisão. Foi algo muito, muito penoso para mim o fato de estar fazendo um trabalho tão grande. Eu sempre sugiro que as pessoas estudem bastante para ter ferramentas para, ao estar em cena, não passarem por algo tão difícil como eu passei. Acho que cada um faz o seu caminho, e vai muito da real vontade do artista. É uma profissão difícil, a de ator. É preciso se aprofundar, ter um pacto de generosidade com os trabalhos de respeito com o público”.

Eu acho que tudo na vida tem o começo. Ninguém nasce já preparado e pronto e todos têm que começar uma profissão a qual se sinta vocacionado e quer pôr energia para aprender, estudar e tocar adiante. Não vejo um problema, contanto que a pessoa sinta que é isso que ela quer, uma vocação, uma vontade e não apenas uma sedução pela fama. Muita gente começou sem ter uma escola mas que foi aprendendo e tornou-se um excelente ator. Como não tenho preconceito com nada na minha vida, eu acho tudo possível – Reynaldo Gianecchini

Reynaldo Gianecchini e Vera Fischer em “Laços de Família” (Foto: Divulgação/TV Globo)

Uma das críticas às quais Giane recebia direcionamento era justamente por sua beleza, que, naquele momento, ofuscava seu talento. Mas, diz ele, isso não era exatamente problemático. “Eu sempre lidei muito bem essa questão de rótulos, de galã ou ser associado com a beleza. Isso nunca foi um problema pra mim, até por que eu acredito ter sabido aproveitar o seu lado bom. As portas que se abriram foram bem vindas também, mas eu nunca me preocupei, não sou refém disso. Fui construir uma base nos meus estudos e quis a toda prova fugir desse padrão do “bonitinho”.

Eu sempre quis me desafiar também em personagens que não fosse exatamente é tão príncipes assim, tentei dar  uma quebrada nessa imagem, ainda que eu nunca tenha me visto como uma beleza superlativa. Eu encaro essa coisa de ser o galã, o super bonito que me falam, como um personagem mesmo – Reynaldo Gianecchini

No último ano, uma das séries das quais o ator participou, “Bom Dia, Verônica” fez muito sucesso e teve grande repercussão. Um dos motes do projeto tratava sobre a hipocrisia na religião. O personagem de Giane, é Matias, um pastor que violenta mulheres em condição de vulnerabilidade emocional. Coincidentemente, Reynaldo gravou, no início dos Anos 2000 um filme que tinha como protagonista a pastora Flordelis, acusada de arquitetar o assassinato do próprio marido. No longa de 2009, vários outros atores famosos se solidarizaram com a história “da mulher que adotou mais de 30 filhos”. Segundo o artista relata, ainda que tenha participado da fita, “nunca me envolvi exatamente com ela, não frequentava, não tinha profundo conhecimento. Fiz um trabalho como ator e, na época. Achei parecia um trabalho bom. Quando surgiu esse escândalo do assassinato, eu acompanhei pelo jornal. (Diante desse fato), também não me senti traído, nada. Fiz um trabalho artístico que tinham me oferecido e achei que podia ser interessante só isso”, afirma.

Ainda sobre esse tema, diz que é uma temeridade confiar sua fé a um líder religioso cujos valores são questionáveis. Trata-se de “algo muito delicado. Temos que ficar atentos para quem a gente entrega a nossa fé, o nosso lado espiritual, a nossa relação com o divino. Quando há um intermediário nesta dinâmica pode ser perigoso, haver uma lavagem cerebral e é algo que acontece muito no Brasil”.

Reynaldo Gianecchini em “Flordelis: basta uma palavra para mudar” (Foto: Divulgação)

Ainda antes de haver aparecido como ator, na já citada trama de Manoel Carlos, Giane participava de trabalhos como modelo. Ou seja, além da sua beleza, também, era vendida a sua juventude. Hoje, aos 50 anos, Reynaldo diz lidar bem com a passagem do tempo. Sem nenhuma neura ou crise por isso. “A gente tem que sempre se cuidar e se sentir bem, se sentir bonito. A minha vontade é estar bem, bonito com a minha idade. Não quero me parecer com aquele que eu era aos 30 anos. Já foi e fui super legal essa fase, já curti. Quero me sentir bem com os meus 50 anos. Gosto das marcas que eu tenho no rosto, claro que me cuido para não ir ladeira abaixo, mas não tenho essa fissura, essa necessidade de ficar parecendo jovem”, finaliza.