‘Quando meu irmão morreu, as minhas referências de brincadeiras se foram junto’, conta a atriz Jessika Menkel


Monólogo ‘Cálculo Ilógico’, inspirado pela perda do irmão em um acidente de moto, concorre a quatro categorias no Prêmio Cesgranrio 2019

 

Jessika Menkel em cena no monólogo ‘Cálculo Ilógico’, indicado ao Prêmio Cesgranrio em quatro categorias (Foto de Bia Chaves)

*Por Jeff Lessa

“É possível explicar a vida e o que sentimos através dos números?” É desta pergunta que a peça “Cálculo Ilógico” parte para narrar a perda do irmão da atriz Jessika Menkel, de 28 anos, em 1999, quando ela ainda era uma menina. Jessika usa a matemática como metáfora para tentar compreender e diminuir o sofrimento causado pela tragédia pessoal. “Há dois anos e meio, ainda estudando na UniRio, fiz uma performance em que imaginava as palavras que diria para ele. Vi que as pessoas tinham reações fortes e isso me deixou muito tocada. Percebi que havia uma numerologia naquela data em que ele se foi: virada de 1999 para 2000. Intensifiquei essa questão e resolvi contar fatos que aconteceram na minha vida em números”, conta Jessika que, além de estrelar o monólogo, é autora do texto, pelo qual foi indicada ao Prêmio Cesgranrio de 2019 (a peça também concorre nas categorias espetáculo, atriz e direção, para Daniel Herz). A premiação será entregue no ano que vem.

Paulista de Sorocaba, ela perdeu o irmão mais velho, Douglas, em um acidente de moto. “Quando ele morreu, as minhas referências de brincadeiras se foram junto. Todas vinham dele. Meu irmão havia me ensinado”, emociona-se. “Foi desesperador ver que não tinha sido só o meu irmão que havia partido. Minha mãe não sorria mais e eu rezava para ela voltar a sorrir. Quando meus pais assistiram à peça, eles captaram como eu tinha sentido quando tinha 10 anos a partida do meu irmão”.

A atriz em cena (Foto de Bia Chaves)

Como fazer para mostrar aos pais, que também passaram pela imensa tristeza de se despedir de alguém tão amado e querido (filho, ainda por cima), um trabalho tão íntimo? Uma obra, afinal, que vai fazê-los reviver acontecimentos de 20 anos. Jessika resolveu enviar o texto para a mãe por e-mail. “Quarenta minutos depois, ela me ligou com a voz embargada e perguntou se eu tinha escrito aquilo. Respondi que sim e ela disse: ‘Forte, né?’ O que eu podia dizer? Falei apenas: ‘É’. E, finalmente, ela falou: ‘É bonito ver como você transformou em arte”.

Ultrapassada essa fase, veio a inevitável apresentação da obra aos pais. Jessika conta que quis fazer apenas para os dois, e não em uma estreia repleta de convidados. “Fiz na garagem do Daniel (Herz). Eu e os dois. Preferi assim porque, se era para ser tomada pela emoção e desabar, era melhor que fosse ali. E aconteceu exatamente isso: tentei fazer neutro, mas, nas primeiras palavras, eu me soltei”, revela a autora e atriz. “É por isso que eu digo que essa apresentação fez parte do meu ensaio. Foi um teste”.

A montagem também emocionou a primeira professora de matemática da artista, que foi a São Paulo vê-la. (“Cálculo Ilógico” estreou em outubro de 2018 na cidade, em curta temporada no Top Teatro.)  “Nunca gostei de matemática e era uma aluna ruim. Minha professora foi me ver e adorou. Disse que havia conseguido colocar números na minha vida, ‘naqueles olhinhos que me olhavam cheios de dúvidas’, foi bonito. Hoje há professores de Sorocaba que me procuram como referência. E tem espectadores que saem dizendo que odeiam matemática, mas que entenderam tudo que eu quis dizer”.

(Só para deixarmos claro, Jessika não odeia matemática. Considera, inclusive, uma ciência belíssima, certo?)

As indicações ao Prêmio Cesgranrio atestam o sucesso de “Cálculo Ilógico”. Juntos, diretor e atriz conseguem criar um momento especial no palco, em que o texto e os movimentos parecem indissociáveis e são fundamentais para a existência do espetáculo. O encontro dos dois se deu há dois anos, quando a artista participou do Festival de Cabo Frio com “A pastora do lixão” (prêmios de Melhor Espetáculo Curto pelos júris técnico e popular, Melhor Atriz e Melhor Concepção cenográfica). Foi lá que conheceu Tiago, filho de Daniel Herz, que a apresentou ao pai, a quem sempre admirou o trabalho, e almejava que a dirigisse em “Cálculo Ilógico”. Simples assim e, como se pode ver, decisão acertadíssima.

A alta voltagem emocional do espetáculo não assusta Jessika – não, ela não teme mais “desabar” enquanto conta sua história. “Hoje faço com amor e alegria. A fase de revisitar lugares e fazer a catarse existiu quando escrevi o texto. Falar sobre a morte do irmão não é pessoal, não é algo só meu. Eu quis tocar em todas as pessoas e consegui atingir esse objetivo. É incrível a quantidade de pessoas que me esperam na saída e os bilhetes que recebo de espectadores”, conclui.

Veja aqui um teaser de “Cálculo Ilógico

SERVIÇO

Espaço Cultural Sergio Porto: Rua Humaitá 163, Humaitá – 2535-3846

Domingo, às 19h

R$ 40 e R$ 20 (meia)

Duração: 55 min.