“O coronavírus é o grande vilão hoje e também alguns políticos indefensáveis”, diz Marcelo Serrado


O ator apresenta seu espetáculo solo, “Os Vilões de Shakespeare”, hoje, às 19h, ao vivo e diretamente de sua casa, via streaming. Em conversa com o site HT, Serrado fala do cenário de incertezas no país, da adaptação do teatro à internet, e da reinvenção geral, dentro dos novos tempos: “Acho que precisamos ter uma visão otimista. Têm muitos cientistas trabalhando na descoberta da vacina para combater o coronavírus. Tomara que achem algo até dezembro. O contato, o abraço entre as pessoas tem feito falta. Acredito que precisamos observar o que vivemos e refletir sobre nossas atitudes, hábitos, para tentarmos ser pessoas melhores, depois de tudo que a humanidade vem passando. É urgente sermos mais solidários, combater com firmeza os preconceitos enraizados na nossa sociedade, tentarmos melhorar como seres humanos. Vivemos em uma sociedade maluca, muito individualista. Acho que vamos sair disso melhores. Mas os vilões, as pessoas que são más, pessoas que nem podemos comentar, vão continuar sendo o que são. Agora outras pessoas estão tendo sua humanidade mais tocada, estão tendo uma chance de transformação”

*Por Brunna Condini

Um novo mundo em que o teatro não pode ser mais a arte do contato direto, e até físico com o público, pelo menos por enquanto. Com o fechamento dos teatros na quarentena, cerca de 12 mil profissionais do setor tiveram que parar, só no Rio de Janeiro e em São Paulo. A estimativa da Associação dos Produtores de Teatro (APTR) é que, nas duas capitais, as temporadas de quase 350 peças tenham sido interrompidas pela pandemia do novo coronavírus.

Buscando a reinvenção desta forma de apresentação através da internet, atores vem se desafiando. E Marcelo Serrado é um deles. Depois de bem-sucedidas apresentações do palco do Teatro PetraGold, no projeto Teatro Já, criado por Ana Beatriz Nogueira – para ajudar os profissionais da área que estão parados, e portanto, sem salários – o ator agora apresenta seu espetáculo solo “Os Vilões de Shakespeare”, nesta quinta-feira, às 19h, diretamente de sua casa, em transmissão ao vivo via streaming. Na verdade, de dentro do seu escritório, já que continua em quarentena com sua mulher Roberta Fernandes e os filhos gêmeos, Guilherme e Felipe de 7 anos. “Decidi experimentar mais esse formato através da plataforma Sympla, em que os ingressos estão à venda. Tudo vai ser feito através do computador e do celular. Contratei uma pessoa que saca da questão da tecnologia, para não ter que me preocupar com isso”, conta o ator, que também é pai de Catarina de 15 anos, da união com Rafaela Mandelli.

“No ao vivo online, não tem o jogo imediato com o público, a sua reação, e acho essa troca muito necessária. E vou estar em casa, comigo” (Divulgação)

Neste texto do premiado dramaturgo inglês Steven Berkoff, o ator interpreta uma espécie de palestrante, que reúne e analisa trechos da obra de William Shakespeare e ao mesmo tempo vive os personagens. Acostumado com teatro cheio, e com a rotina antes e depois das sessões quando está em cartaz, Serrado diz, que de cara, já acredita que a experiência será muito diferente e desafiadora. “Não tem o jogo imediato com o público, a sua reação, e acho essa troca muito necessária. E vou estar em casa, comigo (risos). Mas é uma forma de fazer, uma possibilidade, e como podemos fazer agora, diante desta pandemia”, avalia. “A ideia é comprar o ingresso, de qualquer lugar do país e ver uma peça ao vivo. Como se fosse uma live, mas de teatro. É um novo mundo e temos que nos adaptar, tomando as medidas de segurança. Estamos tendo que nos reinventar em tudo neste período, não só os atores. E nos cuidar muito. Fico pensando como os outros têm passado por tudo, é algo tão inédito para nós, é um aprendizado diário, com perdas para muitos”.

“A ideia é comprar o ingresso, de qualquer lugar do país e ver uma peça ao vivo. Como se fosse uma live, mas de teatro. É um novo mundo e temos que nos adaptar” (Divulgação)

No espetáculo original, feito no teatro por Marcelo, ele começa interpretando um texto trágico da obra de William Shakespeare, e depois vai provocando o público, querendo saber o que as pessoas entendem por vilania, e quem são os vilões da humanidade. Quem acha que o público elegeria como o maior vilão no Brasil de hoje? “O coronavírus é o grande vilão hoje e também alguns políticos indefensáveis. Sempre vem um pior que o outro”, avalia. “Ter um governador acusado de fraude na área da saúde, gente desviando dinheiro de respirador… é algo mesmo em nosso país que tem essa corrupção endêmica, inacreditável. Representantes públicos, políticos nos estados, se aproveitando de uma situação de pandemia. Que mundo é esse?”.

“O coronavírus seria um grande vilão, e também alguns políticos de hoje, indefensáveis. Sempre vem um pior que o outro” (Divulgação)

Apesar do cenário incerto e um tanto obscuro, o ator procura ter uma visão otimista. “Acho que precisamos ter. Têm muitos cientistas trabalhando na descoberta da vacina para combater o coronavírus. Tomara que achem algo até dezembro. O contato, o abraço entre as pessoas tem feito falta. Acredito que precisamos observar o que vivemos e refletir sobre nossas atitudes, hábitos, para tentarmos ser pessoas melhores, depois de tudo que a humanidade vem passando. É urgente sermos mais solidários, combater com firmeza os preconceitos enraizados na nossa sociedade, tentarmos melhorar como seres humanos”, analisa. “Vivemos em uma sociedade maluca, muito individualista. Acho que vamos sair disso melhores. Mas os vilões, as pessoas que são más, pessoas que nem podemos comentar, vão continuar sendo o que são. Agora outras pessoas estão tendo sua humanidade mais tocada, estão tendo uma chance de transformação”.

Matando a saudade do Crô

Serrado está no ar com seu icônico Clodoaldo Valério, na reprise de “Fina Estampa”, no horário das 21h, na TV Globo. “Não esperava, já passaram nove anos da trama no ar, mas acho que foi uma decisão bem acertada da Globo colocar a novela neste momento. É uma história mais divertida, apesar de algumas vilanias aqui e ali. Vivemos tempos muito difíceis, então poder ver com a família, no fim de um dia, uma novela que divirta, é melhor. E o Crô tem essa leveza, essa coisa boa nele, o público gosta”.

“Esse personagem foi um marco na minha carreira, ele tinha uma vida, uma alma, as coisas vinham naturais em mim. O Crô despertava a empatia nas pessoas, não era só um papel engraçado” (Divulgação/Globo)

Tem se visto, que tal? “Sim, estou revendo e me divertindo. Costumo ser bem autocrítico, mas não com o Clô, sou muito feliz. Acho que foi um personagem em que consegui colocar toda a minha maturidade artística”, constata. “Quando me vejo hoje, tem coisas que nem lembro que fiz ou como fiz. Esse personagem foi um marco na minha carreira, ele tinha uma vida, uma alma, as ações vinham naturais em mim. O Crô despertava a empatia nas pessoas, não era só um papel engraçado, tinham os sentimentos das pessoas por ele. Só uma pena que não estou podendo ter o contato novamente com o público no dia a dia, nas ruas. Mas tenho recebido muitas mensagens na internet. As pessoas dizem que ele tem divertido as noites delas, posto uma cena e vibram”, conta, sobre o personagem criado por Aguinaldo Silva. Na pele de Clodoaldo Valério, o ator ainda protagonizou dois filmes e foi homenageado pela escola de samba São Clemente.

“Estou revendo a novela e me divertindo. Costumo ser bem autocrítico, mas não com o Crô, sou muito feliz. Acho que foi um personagem em que consegui colocar toda a minha maturidade artística” (Divulgação/Globo)

Foco de críticas envolvendo a comunidade LGBTQIA+ em sua primeira edição, a versão atual passou por cortes para se tornar mais compacta, e ao que parece, também para se adaptar aos dias de hoje. Muitos personagens têm falas preconceituosas para o Crô. Sente que esse bullying homofóbico não é mais aceitável? “Sim, o mundo é outro hoje. O Aguinaldo teria escrito diferente”.