Lucília de Assis oferece um compilado de histórias vivenciadas em um espetáculo cheio de metáforas políticas


Com o título Não Peça, a montagem é dirigida por Bianca Byington e tem a atuação da própria dramaturga. O enredo fala sobre uma funcionária que possui múltiplas funções em seu trabalho no teatro, ela é baleira, faxineira e administra a bilheteria. No entanto, os atores do espetáculo que iria rolar naquela noite estão engarrafados na avenida Brasil, o que a obriga a enrolar a plateia

Uma pessoa que nunca protagonizou nada de repente é colocada na frente dos holofotes. Este é o pontapé do enredo do espetáculo Não Peça, escrito e interpretado por Lucília de Assis. Na história, Jandira mora nos fundos de um teatro, desde muito nova, e trabalha cumprindo diversas tarefas: faz a faxina, gere a bilheteria e é baleira. Aprendeu a ler com a ajuda de uma atriz que a ensinava a partir de textos teatrais. No entanto, um dia o elenco que iria se apresentar fica preso em um engarrafamento e pede que ela enrole a plateia enquanto não chegam. A maneira que encontra de fazer isto é contando histórias, transformando suas vivências em histórias. “Acho este trabalho é muito lindo, porque é uma personagem que vai para a frente do teatro e é exatamente isto que temos que fazer. Temos que liderar as cenas da nossa vida. E é uma pessoa com uma realidade diferente, que não quer impor regras, apenas mostrar o seu conhecimento de vida. O campo do sensível dela está trabalhado. Ela tem graça, leveza, amor, humor e tristeza”, informou Lucília. Com direção de Bianca Byington, o monólogo fez sua estreia no dia 23 de fevereiro no Centro Cultural Justiça Federal, no Rio de Janeiro, para uma curta temporada de três semanas.

O texto foi escrito em 2005, mas Lucília de Assis acabou deixando na gaveta (Foto: Alexandre Dacosta)

“Quando as pessoas escrevem, elas estão falando de si, dos fragmentos que possuem na memória. Mas o fato é que estas lembranças são ficções também, não aconteceu daquela forma. Falo sobre coisas que, de alguma forma, ficaram na sombra e nem sempre são tão alegres, o que é lógico, porque coisas felizes não redem. As histórias saem de onde a pessoa recalcou e não quer ver”, explicou Lucília. Foi exatamente nesta atmosfera de introspecção que a dramaturga resolveu abrir o seu coração ao escrever o espetáculo. Para escrever este texto, ela revisitou o seu passado. “Esta ideia é uma necessidade que senti de contar vivências e impressões, de uma forma diferente. São coleções de histórias que fui conhecendo ao longo da vida, mas nem todas eu vivi. Uni as minhas tragédias”, informou. A carreira desta artista é marcada pela escrita, sendo assim já fez muitos roteiros para outras pessoas atuarem. No entanto, exatamente por este ser tão pessoal é que a dramaturga resolveu que ela iria montar esta peça, sem colocar outro ator como ponte de comunicação entre o texto e o público.

A peça coloca no holofote uma personagem que sempre viveu atrás dos palcos (Foto: Alexandre Dacosta)

A Jandira acaba por representar muitos problemas atuais que existem no Brasil. É uma pessoa que aprendeu a ler através da boa vontade de uma artista e não por uma escola. Além disso, está em um local marginalizado, sem nenhuma assistência, levando uma história sofrida. “A Jandira está em um estado de calamidade e nós conhecemos isto muito bem”, lamentou. Sendo assim, ao abrir o seu coração escrevendo este espetáculo, a autora também fez um verdadeiro desabafo repleto de críticas ao país. “Não falta o que criticar neste sistema. Não sei como estes políticos conseguem dormir vendo tantas coisas erradas acontecendo. É podre ver a saúde capenga, os banqueiros… e ninguém lutando pela distribuição de terras. O projeto desta safadeza é criar a descrença do povo e isso acaba culminado nas pessoas querendo a volta da ditadura. Estamos perdidos!”, declarou a dramaturga.

A peça terá curta temporada de apenas 3 semanas (Foto: Rafael Teixeira)

As poesias não param por aí, existe outra metáfora muito importante neste roteiro. O elenco que não conseguiu chegar a tempo na peça está preso na avenida Brasil. Coincidência ou não, a escolha deste nome pode sugerir diversas interpretações e era exatamente esta reflexão que a autora pretendia impulsionar. “Nós todos estamos presos e encurralados na avenida Brasil. Nós sabemos que a arte e a educação é a única coisa que pode sugerir uma luz no final do túnel, não é por acaso que muitos artistas trabalham de graça. É preciso acender um holofote em cima destes desconhecidos e desprotegidos que estão lá no fundo”, informou.

SERVIÇO

“NÃO PEÇA”

Temporada: de 23 de fevereiro a 11 de março – de sexta a domingos, às 19h.

Local: Centro Cultural Justiça Federal – Av. Rio Branco 241 – Tels.: 3261 2550 / 2565.

Ingresso: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia) – Bilheteria: das 16h às 19h.

Ingressos online: https://goo.gl/6o3mKK

Classificação: 12 anos. Duração: 60 minutos. Lotação: 142 lugares.