Jovem atriz Gabriella Potye brilha no palco em ‘Um panorama visto da ponte’, escrito nos anos 50 por Arthur Miller


Revelação de 24 anos estreia em Belo Horizonte no próximo dia 9 ao lado de Rodrigo Lombardi e Sergio Mamberti

*Por Jeff Lessa

A conversa, por telefone, estava marcada para as 15h de quarta-feira, dia 20. Ligo para a atriz Gabriella Potye, de 24 anos recém-completados (Parabéns!), e nem preciso me apresentar: “Oi, Jefferson, tudo bem?” Pelo tom da voz da moça já sei que farei uma boa entrevista: ao longo dos anos, o repórter aprende a sentir essas vibrações. E eu quase nunca erro. “Tudo bem, Gabriella. E você, como vai?”

– Estou ótima. Obrigada por ligar – responde suave e, ao mesmo tempo, segura a jovem que vem causando sensação como Catherine da peça “Um Panorama Visto da Ponte”, de Arthur Miller”, com que ficou em cartaz de agosto a dezembro em São Paulo e agora se prepara para estrear em Belo Horizonte no dia 9 de março.

Gabriella Potye, a Catherine da peça “Um Panorama Visto da Ponte”, tem atraído todos os olhares pela intensidade da atuação

A partir daí o papo flui como se nos conhecêssemos desde sempre. De sua casa no Morumbi, Gabriella comenta que a peça é seu trabalho mais significativo no momento. (Em 2010, com apenas 15 anos, ela ganhou o prêmio de Melhor Atriz com o curta-metragem “Saudade”, pelo concurso KWN, da Panasonic; no ano passado, participou do elenco da peça “Hotel Mariana”, que concorreu ao Prêmio Shell de melhor dramaturgia.)

Escrita em 1955 pelo autor de “Morte de Um Caixeiro Viajante” e “As Bruxas de Salem”, “Um Panorama Visto da Ponte” foi alvo de crítica quando estreou nos Estados Unidos. Miller, porém, não se intimidou e decidiu reescrever a obra, transformando-a numa espécie de tragédia grega em dois atos e dando mais ênfase na perdição do protagonista. A reestreia, em 1956, foi um imenso sucesso e hoje o texto é considerado um dos clássicos do dramaturgo.

No palco, Rodrigo Lombardi interpreta o estivador Eddie Carbone, que vive nas docas de Nova York, próximo à Ponte do Brooklyn, e luta para manter sua mulher e a sobrinha órfã, Catherine, de 17 anos. Ele acolhe em casa dois sobrinhos que pretendem viver como imigrantes ilegais nos Estados Unidos: Rodolfo e Marco. Quando Catherine começa um romance com Rodolfo, os ciúmes do patriarca explodem, ele denuncia os sobrinhos à Imigração e a história se encaminha para o final trágico. Antes, tentando chegar a uma maneira pacífica de se livrar dos rapazes, Carbone consulta o advogado Alfieri (Sergio Mamberti), que também narra a história fazendo as vezes de coro grego (corifeu).

Estar ao lado de nomes consagrados como Lombardi e Mamberti é como um sonho realizado para Gabriella.

– Fiz um curso no Núcleo Experimental do Zé Henrique de Paula, um diretor que eu já admirava havia tempos e com quem havia trabalhado pouco. Um dia recebi uma mensagem. Era ele me chamando para integrar o elenco do “Panorama”. Quando cheguei para a leitura, dei de cara com o Mamberti e com o Rodrigo. Foi mágico – conta a atriz, que se formou na Escola de Atores Wolf Maya em 2016. – Fizemos mais duas leituras. Íamos começar os ensaios em março do ano passado, mas o Rodrigo se afastou por conta da segunda temporada de “Carcereiros”. Com isso, acabamos ensaiando apenas um mês e meio. É muito pouco tempo. O processo todo levou cerca de um ano.

Gabriella mergulhou no universo das obras de Arthur Miller

Ao longo desse tempo, Gabriella buscou se aprofundar na obra de Arthur Miller, autor que já conhecia do livro e da peça “As Bruxas de Salem”. Além de ler outras obras e escritos do dramaturgo, ela fez pesquisas sobre o machismo e o estilo de vida nas docas de Nova York dos anos 1950, além de estudar as vidas de mulheres como Audrey Hepburn, Anna Karina e Marilyn Monroe. Durante os ensaios, o diretor Zé Henrique exibiu filmes de Goddard, Elia Kazan e outros grandes diretores de cinema da época.

O trabalho mais que compensou: além de ganhar o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes) em São Paulo de Melhor Espetáculo do ano, está concorrendo em três categorias no Prêmio Shell, incluindo direção, ator (Rodrigo Lombardi) e iluminação. O resultado sai em março. “Panorama” também concorre em nada menos  do que oito indicações ao Prêmio Aplauso Brasil, incluindo melhor elenco. Quanto ao trabalho de Gabi, os colegas são só elogios.

–  Ela foi uma grata surpresa. Um dos maiores presentes que tivemos no “Panorama”. Nos conquistou na primeira leitura. Ficamos todos emocionados e, durante a temporada, ela cresceu meteoricamente. Não vai demorar para o Brasil descobri-la, mas nós fomos os primeiros – derrete-se Rodrigo Lombardi.

Carlos Mamberti, filho de Sergio e produtor do espetáculo, também se diz encantado com Gabriella:

–  Não é sempre que encontramos uma atriz talentosa, dedicada e que a cada dia nos encanta mais com seu jeito simples.

Aos 24 anos, Gabi tem no currículo a oportunidade de interpretar um dos clássicos da dramaturgia

Como todas as apresentações são seguidas de debates com a plateia, a atriz vem tendo a oportunidade única de observar correlações da peça de mais de 60 anos com o mood dos dias que correm. Além da atualíssima questão da imigração ilegal (Marco e Rodolfo desejam permanecer nos EUA para fugir da fome na Itália do pós-guerra), ela vê o debate sobre a homofobia muito presente nas entrelinhas.

– À medida que os ciúmes do tio vão aumentando, ele acusa cada vez mais o sobrinho Rodolfo de ser homossexual. Diz que o rapaz não quer nada com a Catherine, que só está a fim de obter o Greencard. Isso porque ele é lourinho, canta, dança, toca instrumentos musicais para alegrar os amigos. O tio chama de “anormal”, discrimina – explica. – Numa cena, ele chega a dar um beijo na boca do garoto para “provar” que ele é gay. Nesses momentos, boa parte da plateia ri. Nós não entendemos o motivo dos risos, não tem nada engraçado ali. Eles riem de nervoso.

Num dos debates pós-apresentação, Gabriella conta que ficou impressionada com o depoimento de uma defensora dos direitos de LGBTs:

– Ela ficou agitada e disse que o beijo foi a parte mais dura de ver, que aquilo representa uma humilhação imensa, é rebaixar o outro no grau máximo.

Outro momento tenso dos debates rolou quando, ainda à época das eleições para presidente, levantou-se a questão da imigração ilegal de venezuelanos para o Brasil.

– Alguém sugeriu que era nossa obrigação acolhê-los e isso bastou para que um homem se levantasse com muita raiva gritando que “não estava ali para ajudar país dos outros não”, essas coisas. Foi quando eu me dei conta de que vivemos numa bolha muito pequena – lamenta a atriz.