Helena Ranaldi: Violência doméstica em “Mulheres Apaixonadas”, ausência da TV, fake news e estreia como roteirista


Depois de oito anos fora da teledramaturgia, a atriz está na reprise de “Mulheres Apaixonadas” – novela exibida há 20 anos na Globo – como Raquel, mulher que era agredida a raquetadas pelo marido. Helena repercute seu trabalho importante na trama por ser um alerta contra a agressão à mulher, previamente ao debate sobre a Lei Maria da Penha, promulgada há 17 anos e comemorada neste Agosto Lilás. A atriz comenta ainda ter sido vítima de fake news recentemente, rememora sua passagem como âncora do Fantástico, em 1996, e está na peça “Cordel do Amor Sem Fim”. A montagem virou filme e será apresentado no Inffinito Brazilian Film Festival, nos Estados Unidos

*por Vítor Antunes

O atual mês dedica-se à conscientização sobre a violência contra a mulher. A campanha Agosto Lilás existe desde 2016 e remonta a este momento do ano em razão de ser esta a data da promulgação da Lei Maria da Penha, assinada dia 7/8/2006. Na data do aniversário da assinatura desta legislação, conversamos com a atriz Helena Ranaldi, que está no ar na reprise de “Mulheres Apaixonadas“, no “Vale a Pena Ver de Novo”, na Globo. Em 2003, a artista deu vida à Raquel, mulher que era agredida a raquetadas pelo marido, Marcos (Dan Stulbach). Quando a novela foi exibida pela primeira vez, a lei ainda não existia e não haveria punição digna para o agressor, razão pela qual Manoel Carlos opta por matá-lo. Exibida pela quarta vez, “Mulheres Apaixonadas” vem tendo boa repercussão na audiência e traz, assim como outras duas novelas exibidas pela Globo, o tema da violência contra a mulher com destaque – em “Vai na Fé” e em “Terra e Paixão“.

“São temas importantes de se colocar na TV, no cinema, no teatro. Temos que mudar isso. Na época da novela, fiquei feliz por que conseguimos fazer um trabalho social importante através da minha personagem. As denúncias aumentaram e depois veio a Lei Maria da Penha”, lembra Helena. A trama do casal e do homem violento vem gerando muita discussão nas redes sociais como o envolvimento da personagem Raquel com seu aluno menor de idade. “Se esta novela fosse gravada hoje, talvez a idade do personagem seria aumentada ou, creio, a relação entre aluno e professora aconteceria de uma forma mais platônica. Realmente as coisas mudaram”, aponta Helena.

Fora da televisão desde 2015, Helena Ranaldi sinaliza que não deixou de trabalhar, ainda que não esteja diante das câmeras. A contrário, diz que “até me chegaram convites, mas eu estava envolvida com outros trabalhos. Talvez esteja trabalhando até mais do que estaria na televisão”. Ela está no elenco de “Cordel do amor sem fim“, que teve uma temporada em 2019 e agora volta aos palcos paulistanos no Teatro SESI, em São Paulo, e, em breve, também poderá ser visto nos cinemas. Uma versão da peça ganhou forma de longa-metragem e estará no Inffinito Brazilian Film Festival , nos Estados Unidos. Neste filme, Helena lança-se como roteirista colaboradora, numa parceria com seu marido, Daniel Alvim, que também é ator.

Helena Ranaldi volta ao teatro, escreve longa e fala de “Mulheres Apaixonadas” (Foto: Reprodução/Globo)

Face aos 50 anos do “Fantástico”, Helena relembra a sua passagem como apresentadora da revista eletrônica em 1996 e as oportunidades que teve na carreira que a permitiram experimentar vários registros profissionais – de jornalista a modelo, de atriz a produtora teatral: “Na minha carreira nada é muito programado. Eu comecei no teatro com o Antunes Filho (1929-2019), acabei estreando na TV, fazendo muita coisa no Rio, depois indo para São Paulo e me lançando em novos desafios”. Recentemente vítima de fake news sobre uma propriedade privada atribuída a ela e que não era, fora outros problemas de uma reportagem com conteúdo impreciso, Helena diz ficar “extremamente desanimada. Antigamente era diferente. Éramos abordados por fotógrafos que nos comunicavam e pediam se podia tirar fotos, bem como por jornalistas. Tudo acontecia de outra forma, ainda que, de qualquer maneira, houvessem matérias tendenciosas. (…) Há pessoas que leem e acreditam naquilo e, simplesmente eu lamento que seja assim. Deveria ser diferente. Os veículos que replicam poderiam se certificar do conteúdo, mas é algo que acaba não acontecendo e eu lamento”, lastima.

Além disto, a atriz celebra a memória de Aracy Balabanian, que morreu ontem: “Perdemos Aracy com 83 anos. Uma atriz atuante, com personagens marcantes que ficaram na História até hoje. Ainda que haja atores trabalhando, é preciso combater o etarismo. É necessário que se fale sobre isso, já que há pessoas que são colocadas de lado por que estão velhas, como se fossem descartáveis”.

A

Uma das mais importes palavras da Língua Portuguesa, assim como aquela que tem maior carga de significado é uma: “é“. Verbo ser, conjugado na terceira do singular. Mantendo por essa lógica uma das letras com maior significado é também uma unidade fonética solitária: “A”. A letra A é artigo e, também, desinência importante para definir “o que é feminino”. Coincidência ou não, “Helena” termina com esta letra. Bem como, coincidiu esta entrevista realizada no dia em que foram lembrados os 17 anos Lei Maria da Penha. Legislação que tem como um de seus maiores objetivos, proteger as mulheres da agressão de seus cônjuges. No caso de Helena Ranaldi, um de seus mais importantes papeis na TV, a Raquel de “Mulheres Apaixonadas”, era violentamente agredida por seu marido, Marcos (Dan Stulbach). Foi imortalizada na historiografia da TV as cenas de Raquel sendo punida pelo marido, que usou uma raquete para tal violência. Na época da exibição original da novela, quando ainda não havia a referida Lei, o agressor não apenas não era detido como sua pena poderia ser revertida com o pagamento de multa e prestação de serviços comunitários.

Para Helena, a abordagem desse tema, de profunda gravidade, na novela, foi algo necessário e importante. “A violência contra a mulher é um tema atual. O número de agressões que ocorrem diariamente é enorme e durante a pandemia isso se intensificou”, aponta. E prossegue: “Acho que tem de haver punições mais severas. É uma loucura saber que há muito pouco tempo mudou a Lei que legitimava ao homem matar para defender a honra, algo que eu nem sabia que ainda existia, por ser tão absurdo. É algo de um retrocesso gigantesco”. A tese da “legítima defesa da honra” era reiteradamente utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher como forma de dar justificativa ao comportamento do acusado, especialmente quando este era traído. Esta prerrogativa, inclusive, foi utilizada e aceita, para tirar da cadeia Doca Street (1934-2020) assassino da socialite Ângela Diniz (1944-1976). A tese era amparada pelo Artigo 27 do Decreto Lei nº 2.848/1940 e caiu somente agora neste ano, 2023.

Dan e Helena em ação: agressão à mulher foi uma das pautas de “Mulheres Apaixonadas”

Outro tema de “Mulheres Apaixonadas” que vem gerando debate hoje trata-se do romance entre Raquel e Fred (Pedro Furtado), algo duplamente problemático. Não apenas trata-se de uma professora que se enamora de seu aluno, mas ele, por sua vez é menor de idade. Na época da primeira exibição da novela, ainda que essa relação tenha gerado estranheza, ela não causou o furor que tem causado nas redes sociais, especialmente no X/Twitter. Há quem, hoje, compreenda a mãe de Fred, Eleonora (Joana Medeiros), tida na época como chata e controladora. Inclusive, os motivos que levam Raquel a apaixonar-se por Fred foram fatores que acabaram influenciando em a personagem ser a escolhida para sofrer violência doméstica. Helena conta: “Eu busquei uma justificativa para aquela paixão e pensar na razão que levasse Fred e Raquel a se envolverem. Eu conversei com o Manoel Carlos sobre isso e disse haver pensado que, na construção da minha personagem, ela se envolve com o rapaz por ter vindo de uma história abusiva e vê nele, este homem mais franzino, frágil, tudo aquilo que ela não viveu numa relação anterior. Este encantamento dela a faz acreditar que aquele amor é possível. Quando contei isso para o Maneco, ele disse que pensava em fazer alguma personagem da trama ser alvo de violência doméstica e que, por conta desta minha fala, ele decidiu que seria Raquel. Especialmente para mostrar que a violência também pode atingir pessoas das classes mais abastadas”.

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Helena Ranaldi e Pedro Furtado em “Mulheres Apaixonadas” (Foto: Reprodução/Globo)

Nos anos 1990 e 1980 havia um uso mais desmedido da figura e da nudez das mulheres, incluindo aí a objetificação e sexualização dos corpos das atrizes. Helena não viveu isso de maneira intensa em suas personagens, que, na maior parte das vezes, recorriam à beleza e à sexualidade mais que ao sexo, como na Suzana de “Quatro por Quatro“. “Já fiz cenas sensuais, porém isto estava inserido dentro da história, como o casal quente Cíntia e Pedro (José Mayer) de “Laços de Família“. Nas reuniões de núcleo já se falava isso e a nudez não era gratuita ou sem razão de ser”, observa

Há mulheres que usam da sensualidade como, talvez, uma forma de se auto afirmar. Acho justo, mas não é algo que pareça comigo, com o que penso. Prefiro mostrar outras coisas que são interessantes para mim, para as minhas relações.  Inclusive fui convidada a posar para a Playboy várias vezes e não aceitei, porque é algo que não tem a ver comigo – Helena Ranaldi

RETINTA DE NOTÍCIAS 

No domingo, o “Fantástico” completou 50 anos. Já contou com a presença de algumas apresentadoras que, originalmente, não eram jornalistas, como Dóris Giesse e Carolina Ferraz. Em 1996, Helena apresentou a revista eletrônica por alguns meses. Segundo ela “foi uma experiência boa, nova e longe do que eu vivia. Estava habituada a fazer personagem e me vi como Helena, numa bancada jornalística que eu só conhecia como telespectadora. Fiquei honrada e apreensiva por estar nesta função, da qual acabei saindo quando fui chamada a fazer “Anjo de Mim“.

Recentemente, em suas redes sociais, Helena viu-se tendo que se colocar de maneira contundente, diante do fato de haver sido publicada uma fake news sobre ela num jornal de grande circulação, dizendo que havia recebido um sítio de herança, que estaria morando nele e que, além de ter um apartamento na capital paulistana, estaria dividindo-o com seu filho. Como se esta notícia imprecisa não fosse suficiente, são recorrentes as matérias com chamadas escandalosas e escalafobéticas na Internet: “Quando foi publicada esta matéria sobre o meu suposto sítio, eu a iria ignorar, mas ela começou a ser reproduzida por outros veículos e me vi tendo que me pronunciar. Eu realmente tenho um sitio, mas que não foi herdado dos meus pais, eu não moro nesse sítio, eu não tenho um apartamento que eu divido com meu filho – ele mora sozinho – e todas as fotos que ilustravam a matéria eram de diversos lugares que estive, sendo um uma propriedade da família do Daniel”.

Eu não teria problema em conversar sobre esta matéria, mas resolvi colocar no meu Instagram para as pessoas saberem o que é real. As pessoas acreditam naquilo que leem e eu lamento que seja assim. Mesmo os veículos que replicam conteúdo deveriam se certificar, mas isso acaba não acontecendo. O púbico merece saber o que acontece e não ter acesso à criação de uma realidade inventada – Helena Ranaldi

Helena apresentando o “Fantástico” em 1996 (Foto: Reprodução/TV Globo)

COR DE CORDEL

Desde o dia 4 de agosto, Helena Ranaldi pode ser vista junto com os atores Patricia Gasppar, Márcia de Oliveira, Luciano Gatti e Rogério Romera na montagem “Cordel do Amor Sem Fim” que já esteve em cartaz em 2019 e que agora está de volta, no SESI-SP e fica em cartaz até o dia 20. “Desde sempre fomos bem recebidos. Há peças que ficam apenas dois meses em cartaz e “Cordel” está fugindo à regra. Estamos com sucesso, no coração de São Paulo, com uma plateia bacana. Só alegria, graças a Deus”. A peça é bonita, poética, fala de amor, esperança e traz temas profundos, ligados, também a um universo feminino”, define.

Helena Ranaldi em “Cordel do Amor Sem Fim” (Foto: Priscila Prade)