Crítica Teatral: Rodrigo Monteiro analisa “Rosencrantz & Guildenstern estão mortos”: “O jovem diretor Breno Sanches merece atenção”


O texto de Tom Stoppard ao qual “Rosencrantz & Guildenstern estão mortos” se refere é mais distante do público brasileiro, o que visivelmente confere à encenação mais desafios e, na mesma medida, mais méritos no seu alcance.

* Por Rodrigo Monteiro

“Rosencrantz & Guildenstern estão mortos” é uma das novas e boas produções da Cia. Teatral Milongas, dirigido por Breno Sanches e em cartaz no Castelinho do Flamengo, na zona sul do Rio, que fica em cartaz até 18 de outubro. O texto tornou mundialmente famoso o dramaturgo inglês Tom Stoppard, um dos grandes nomes do teatro do Reino Unido ainda em atividade. A comédia, escrita em 1966, parte de uma frase extraída de “Hamlet”, de William Shakespeare, para propiciar uma reflexão sobre o quanto pessoas anônimas podem ser usadas como massa de manobra. O espetáculo, no entanto, embora se esforce em aproximar o difícil enredo do público brasileiro, perde por não investir mais na leveza em favor do aspecto filosófico que, no original, é apenas consequência. Hugo Souza, Leonardo Hinckel e o diretor estão em bons trabalhos de interpretação. Para quem conhece bem o clássico shakespeariano, essa boa sugestão na programação do teatro carioca fica em cartaz até 18 de outubro.

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“Hamlet”, escrita na passagem do século XVI para XVII, é a peça mais comentada da história do teatro universal ainda hoje. A história do príncipe da Dinamarca que, levado por uma missão impingida pelo fantasma de seu pai, se embrenha pelo mistério de seu assassinato, suscita diversas considerações em áreas que vão da estética à psicologia, da política à filosofia. Protagonistas na comédia de Tom Stoppard, os jovens Rosencrantz e Guildenstern são personagens secundários na tragédia de Shakespeare. Os dois, amigos de infância de Hamlet, são envolvidos em um plano que pretendia matar o príncipe, mas esse, tendo descoberto a tempo, afasta-se da morte e os leva até ela. Dentre várias significações possíveis, a morte de Rosencrantz e de Guildenstern, anunciadas pelo embaixador inglês no quinto ato, pode dar conta do fim da inocência e do encerramento da juventude, marcando um período da vida em que nada mais pode ser fruído puramente.

Associados a Gogo e a Didi, de “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, Rosencrantz e Guildenstern aparecem em Stoppard como protagonistas em uma situação que propositalmente nem fica clara, nem tampouco tem suas relações bem definidas. Bastante próximo do contexto brechtiano, há uma força superior que movimenta os personagens de um ponto a outro sem que eles saibam exatamente a origem, o fim e as intenções dela. Diferente, porém, é o papel das referências. Enquanto “Esperando Godot” é uma obra completamente original, “Rosencrantz & Guildenstern estão mortos” se movimenta em paralelo a “Hamlet”. Por isso, se o lugar do espectador, em Beckett, é o vazio compartilhado pelos personagens com o público, em Stoppard, ele é apenas identificado pela melhor audiência como um traço da situação da narrativa.

Premiado várias vezes, o texto de Tom Stoppard revela o quanto pessoas anônimas podem ser facilmente usadas como massa de manobra. Tanto em Shakespeare como aqui, Rosencrantz e Guildenstern são portadores de uma carta ao rei da Inglaterra em que Claudio, tio de Hamlet e atual rei da Dinamarca, requisita a morte do príncipe. A diferença é que, embora o bardo não tenha deixado claro se os dois jovens sabiam do conteúdo da missiva, os personagens de Stoppard estavam conscientes da missão. Eis o seu protagonismo nessa versão. Para ela, há subjugo, mas não há alienação.

Tom Stoppard é o mesmo autor de “15 minute – Hamlet” (1976), texto a partir do qual o espetáculo “Hamlet ou Morte!”, em cartaz atualmente no Teatro Fashion Mall, em São Conrado, foi escrito.
A direção de Breno Sanches, com supervisão de César Augusto, infelizmente parece ter se rendido à necessidade da referência a Shakespeare e ao trato com as questões relativas à linguagem teatral citadas por Stoppard. Como uma peça unicamente voltada à classe teatral, essa montagem quase não sobrevive aos impasses de ritmo. A viabilização do código, sobre o qual entende-se que Rosencrantz e que Guildenstern serão interpretados por quem quer que esteja vestindo determinados casacos, acontece relativamente bem, mas os trabalhos de interpretação estão presos às marcas de movimentação e de tons dos diálogos de maneira que, embora a narrativa evolua, o ritmo parece constante (e monótono).

As três figuras interpretadas por Leonardo Hinckel, Hugo Souza e pelo diretor, essas que desde a dramaturgia dão a ver todos os personagens, demoram a oferecer leveza, característica fundamental para a comédia. Como sempre, Hinckel apresenta excelente uso da voz, enquanto Sanches e Souza reforçam nas ótimas variações corpo-faciais.

“Hamlet” é uma peça complexa para qualquer povo no mundo, mas aos povos anglo-saxões sua trama é mais próxima culturalmente. Em outras palavras, o texto ao qual “Rosencrantz & Guildenstern estão mortos” se refere é mais distante do público brasileiro, o que visivelmente confere à encenação mais desafios e, na mesma medida, mais méritos no seu alcance. Essa montagem tem excelentes resultados estéticos nos âmbitos de direção de arte (Bruno Perlatto e Tuca), iluminação (Marcela Andrade) e da direção musical (Dani Carneiro). Tudo é explorado com visível cuidado, articulando conceitos cheios de complexidade e apreço pela obra. Falta, no entanto, a possiblidade do divertimento capaz de dar sentido a Rosencrantz e a Guildenstern, esses tão comuns quanto qualquer um de nós. Breno Sanches, um jovem diretor cuja carreira é cada vez mais relevante no cenário teatral do Rio de Janeiro, merece atenção.

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FICHA TÉCNICA
Autor: Tom Stoppard
Direção: Breno Sanches
Supervisão de Direção: Cesar Augusto
Elenco: Breno Sanches, Hugo Souza e Leonardo Hinckel
Adaptação: Breno Sanches, Hugo Souza e Matheus Rebelo
Direção Musical: Dani Carneiro
Preparação Corporal: Daniela Carvanellas
Direção de Arte: Bruno Perlatto
Cenário, Figurino e Adereço: Tuca
Iluminação: Marcela Andrade
Vídeo: Fabio Steinberger – Fluxos Filmes
Designer Gráfico: Ivi Spezani
Assessoria de Imprensa: Lyvia Rodrigues – Aquela que Divulga
Produção: Pagu Produções Culturais

Serviço:

Onde: Castelinho do Flamengo – Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho
Quando: Quinta a Domingo, às 20h, até 18 de outubro

* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.