Crítica Teatral: Rodrigo Monteiro analisa “projeto brasil”. “Novo ótimo espetáculo de Marcio Abreu é um dos mais interessantes do semestre”


projeto brasil”, além de oferecer um quadro de beleza que é capaz de levar o espectador para outros pontos de reflexão sobre sua própria vida, comparte com ele sua própria reflexão. Sem dúvida, esse é um dos espetáculos mais interessantes desse semestre no Rio de Janeiro.

* Por Rodrigo Monteiro

“projeto brasil” é o novo espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro, mesmo grupo que recentemente assinou o excelente “Krum”, essa uma das melhores produções de 2015. A peça está em cartaz desde o dia 2 de outubro e ficará até o próximo dia 25 no Teatro Mezanino do Espaço SESC Copacabana. Vale a pena ser visto principalmente pela pauta política que a peça propõe, mas a curva que o debate faz ao se estabelecer é ainda mais relevante. Há méritos estéticos bastante relevantes também em outros pontos em mais essa direção de Marcio Abreu. No elenco, os atores Giovana Soar, Nadja Naira e, em destaque, Rodrigo Bolzan apresentam ótimo trabalho ao lado do músico Felipe Storino que apresenta ao vivo a trilha sonora.

Talvez o título da peça se justifique pelo primeiro tema tratado: a pauta política do casamento homoafetivo, ou igualitário. Em questão, dentro desse tema inicial, está o pleito de parcela da população em vencer no Congresso em favor de novos conceitos de família bem como as prerrogativas sociais da conquista desse direito. No entanto, em todos os seus aspectos, o texto de “projeto brasil” faz pensar sobre bandeira de país que seja aberta a todos os “filhos deste solo” cuja “mãe gentil” poderia ser a “pátria amada Brasil”, mas não é. Na peça, não são homossexuais almejando acessos sociais igualitários, mas uma reflexão sobre como é preciso que se pense o país como um Estado complexo no âmbito de suas cordiais diferenças. O lindo sorriso estampado de Nadja Naira paira como um convite à abertura dos corações e das mentes nesse sentido.
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A dramaturgia avança com a inserção do discurso do ex-presidente uruguaio José Mujica, proferido na ONU em setembro de 2013, interpretado em destacável colaboração de Rodrigo Bolzan. Em termos dessa dramaturgia, quebram-se as barreiras de um projeto em defesa de Brasil para uma ideia de humanidade. Entre uma cena e outra, permanece o homem olhando para outro homem, cada qual com sua identidade, mas sem desconsiderar as diferenças.

Na terceira parte, há ainda uma cena cheia de força e de potencialidade significativa ao som da “Cantilena”, ária d”As Bachianas n. 5”, de Villa Lobos. No entanto, um dos melhores momentos desse trecho é a interpretação em libras de “Um índio”, de Caetano Veloso, por Giovana Soar. É quando a peça, que saiu de um debate político interno e que avançou para uma reflexão sobre a humanidade, se volta ao homem de onde tudo partiu. Com habilidade, a dramaturgia assinada por Soar, Naira, Bolzan e por Marcio Abreu faz de suas motivações seu material de trabalho e seu produto final. Eis um quadro estético de grande beleza, que é bastante simples e talvez por isso ainda mais belo.

“projeto brasil” é um espetáculo pós-dramático e, por isso, deve-se entender um espetáculo que se dá a ver por signos que não convergem, mas divergem entre si. Em outras palavras, se há uma linha lógica que possa representar uma unidade, como a que acima essa análise sugeriu, ela é de maior responsabilidade da fruição. Para muitos estudiosos, o teatro é uma estrutura de signos indiciais, porque todos os seus elementos têm uma intenção. Nesse sentido, descobrir qual é, no geral, o sentido de “projeto brasil” é a primeira grande tarefa do espectador. Ou seja, tornar-se sujeito de sua história, assumindo sua responsabilidade diante da situação |(o espetáculo) não é, nessa peça, apenas temática, mas também exigência.

Mantendo um ritmo mais e menos fluído, com respiros e com trechos de maior força, a direção de Marcio Abreu envolve o público embora mantenha seu lugar privilegiado de orador. As luzes que, em alguns momentos, acendem na plateia, as cenas que alargam o espaço cênico e principalmente a preferência por atuações totalmente viradas para o público marcam essa concepção estética. Deve-se ainda dar destaque para o amplo uso do preto, em luzes e em texturas diferentes, mas inevitáveis quando o vermelho aparece quase no fim da peça. Se, na ordem da dramaturgia, os méritos são muitos, também é fácil encontrá-los na encenação.

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Nas atuações, Giovana Soar, Nadja Naira e Rodrigo Bolzan apresentam ótimo trabalho com destaque para o último pela forma entregue com que ele, ainda no início do espetáculo, ele protagoniza um monólogo difícil. Há que se dizer, porém, que o conjunto, do qual faz parte o músico Felipe Storino, revela positiva integração. Nesse aspecto, ressalta-se o tom de celebração, de encontro, de festa que o espetáculo proporciona, esse talvez um dos seus melhores pontos positivos.

O figurino de Ticiana Passos é um dos poucos, mas vital elemento que explora a questão da brasilidade de onde a peça parte desde o título. A bombacha do figurino inicial de Bolzam, o vestido em tiras do de Giovana Solar e os sapatos altos aludem aos regionalismos, mas positivamente faz o quadro permanecer em discussões mais profundas. Tem muitos méritos ainda o cenário de Fernando Marés, explorando o círculo como lugar político de igualdade, e o preto em vasta gama de potencialidades significativas. No mesmo sentido, a a iluminação de Nadja Naira e Beto Bruele a trilha sonora de Felipe Storino.

“projeto brasil”, além de oferecer um quadro de beleza que é capaz de levar o espectador para outros pontos de reflexão sobre sua própria vida, comparte com ele sua própria reflexão. Sem dúvida, esse é um dos espetáculos mais interessantes desse semestre no Rio de Janeiro.

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FICHA TÉCNICA:
Direção: Marcio Abreu
Elenco: Giovana Soar, Nadja Naira e Rodrigo Bolzan
Músico: Felipe Storino
Dramaturgia: Giovana Soar, Marcio Abreu, Nadja Naira, Rodrigo Bolzan
Trilha e efeitos sonoros: Felipe Storino
Assistência de Direção: Nadja Naira
Direção de Movimento: Marcia Rubin
Iluminação: Nadja Naira e Beto Bruel
Cenografia: Fernando Marés
Figurino: Ticiana Passos
Adereços: Fabio Rodrigues e Jussara Santos
Orientação de texto e consultoria Vocal: Babaya
Direção de Produção e Administração: Cássia Damasceno
Produção Executiva: Isadora Flores
Produção local: Quintal Produções – Verônica Prates
Equipe Quintal produções: Maitê Medeiros, Iuri Wander e Thiago Myiamoto
Produção técnica e transcrições: Henrique Linhares
Libras: Erelisa Vieira
Artistas Colaboradores: Eleonora Fabião, Ranieri Gonzalez, Edson Rocha, Renata Sorrah e Cássia Damasceno
Patrocínio: Petrobras
Parceria: Sesc

SERVIÇO:
Onde: MEZANINO DO ESPAÇO SESC – Capacidade: 60 lugares
Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana, Rio de Janeiro – RJ
Quando: Até 25 de outubro de 2015 (quinta a sábado às 21h, domingo às 20h)
Duração: 1h50
Classificação indicativa: 18 anos
Quanto: R$20 (inteira) R$10 (funcionários da Petrobras com crachá e clientes
Petrobras com cartão na compra de até 2 ingressos) R$5 (comerciários)

* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.