Crítica Teatral: Rodrigo Monteiro analisa “O Musical Mamonas”. “Delicioso reencontro com Mamonas Assassinas”


Com texto de Walter Daguerre, direção de José Possi Neto, direção musical de Miguel Briamonte e coreografia de Vanessa Guillen, a produção investe menos na biografia dos homenageados e nos detalhes de sua carreira meteórica e mais no trato de sua estética

*Por Rodrigo Monteiro

“O Musical Mamonas” é o divertido espetáculo que celebra a trajetória artística da banda Mamonas Assassinas, cujos jovens integrantes morreram em um terrível acidente aéreo na noite de 2 de março de 1996. Os músicos Samuel Reoli, Sérgio Reoli, Júlio Rasec, Bento Hinoto e Dinho são interpretados respectivamente por Elcio Bonazzi, Arthur Ienzura, Adriano Tunes, Yudi Tamashiro e Ruy Brissac, com vibrante destaque para o último, esse em um dos melhores trabalhos de interpretação do ano no Rio de Janeiro. A montagem conta ainda com vários outros intérpretes em personagens coadjuvantes, mas vale citar Bernardo Berro e Patrick Amstalden pelo modo exuberante com que eles atraem o público para suas engraçadas construções. Com texto de Walter Daguerre, direção de José Possi Neto, direção musical de Miguel Briamonte e coreografia de Vanessa Guillen, a produção investe menos na biografia dos homenageados e nos detalhes de sua carreira meteórica e mais no trato de sua estética. Com isso, oferece ao público de hoje a chance de conhecer a alegria de suas canções e àqueles que se lembram delas de reviver aquele período. O espetáculo está em cartaz até 28 de agosto no Theatro Net Rio, em Copacabana.

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(Foto: Setor Vip)

Foi uma carreira curta, mas de enorme repercussão. Os cinco jovens se conheceram na cidade paulista de Guarulhos e, entre o fim dos anos 80 e início dos anos 90, chegaram a constituir uma banda de rock progressivo chamada Utopia cujo único disco vendeu menos de cem cópias. Por estímulo do produtor Rick Bonadio, os músicos Samuel Reoli, Sérgio Reoli, Júlio Rasec, Bento Hinoto e Dinho acreditaram no humor que naturalmente aparecia nos intervalos das apresentações e, com ele, reformularam a estética do grupo. Assim nasceu “Mamonas Assassinas”. Lançado no fim de 1995, o disco com quartorze músicas e menos de quarenta minutos vendeu três milhões de cópias. “Vira Vira” e “Pelados em Santos” ficaram em segundo e terceiro lugar entre as músicas mais tocadas do país, perdendo apenas para “Take a bow”, de Madonna.

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Na noite de sábado, dia 2 de março de 1996, após um show em Brasília, a banda estava a caminho de casa. No dia seguinte, partiria para shows em Portugal. Sem velocidade necessária, por volta das 23h15min, o jatinho não conseguiu pousar em Cumbica e, ao arremeter, virou para a esquerda ao invés de para a direita, chocando-se na Serra da Cantareira. Os destroços do avião foram encontrados na manhã do dia seguinte. Os nove passageiros morreram: cinco músicos, dois membros da produção e os dois pilotos. Vinte anos depois, a responsabilidade é atribuída, de maneira nebulosa, aos problemas de comunicação entre a aeronave e o controle aéreo.

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Naquele domingo, o Brasil amanheceu em choque. O enorme sucesso, o imenso carisma e a jovialidade (eles tinham entre 22 e 28 anos) dos integrantes versus a brutalidade do acidente entristeceu o país. Para piorar, rádio, televisão e jornais exploraram incessantemente um conjunto de situações bizarras que podiam dar a perceber que eles e seus familiares sentiam a premonição da tragédia. Entre elas, uma declaração de Júlio Rasec, gravada na véspera do acidente, em que ele revelava que havia sonhado com a queda do avião. E um brinde de Dinho, antes do show em Brasília: “Vamos comemorar! Vai ser nosso último show!” – dizia ele. Por volta de sessenta e cinco mil pessoas estiveram no velório.

Em “O Musical Mamonas”, o texto de Walter Daguerre, desde a primeira cena, tem o mérito de não se afeiçoar ao tom documental. A peça começa com os cinco músicos entediados entre os anjos do céu sendo chamados pelo Arcanjo Gabriel para voltar à Terra a fim de espantar o mal do politicamente correto. É assim que os personagens começam a ensaiar um musical em sua própria homenagem, pulando tempos e procurando se divertir. Essas marcas contextualizam o que está por vir e contornam problemas relacionados aos direitos das biografias, mantendo a narrativa tão animada quanto comercial.

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As canções dos “Mamonas Assassinas” ainda podem ser acusadas de muitas coisas: capitalistas, homofóbicas, machistas, emburrecedoras, desbocadas. Seu alcance no fim dos anos 90 (e que, de algum modo, se estende até hoje) revela, no entanto, todo um conceito estético complexo que dá conta daquela época. Na música, assim como nas artes visuais, na literatura, no teatro e no cinema, o mundo vivia uma nova onda pop marcada pelo movimento yuppie, pelo amplo acesso à televisão, pelo fim das ditaduras, pela falência do socialismo. Essa efervescência de cores, formas, texturas e de padrões, da moda à política, do neoliberalismo econômico às religiões pentecostais, abriu espaço para a explosão de referências culturais cujo fechamento começa com a queda das Torres Gêmeas e se aperta ainda mais agora com os últimos atentados terroristas. Cantar “Jumento Celestino”, “Robocop Gay” e “Lá vem o alemão” hoje, junto de todas as outras, é sentir o gostinho do riso livre e politicamente despretensioso no qual temas adultos e infantis se encontravam com genialidade e muita graça. E sentir saudades dessa época!

A direção de José Possi Neto, a direção musical de Miguel Briamonte e a coreografia de Vanessa Guillen sustentam e maneira elogiável a narrativa. A articulação das cenas, plenamente assumida pela proposta de um grupo de anjos ensaiando na Terra um musical em sua própria homenagem, providencia ritmo coeso, coerente e principalmente engraçado. Da dramaturgia ao modo como esses elementos contribuem com o desenvolver do espetáculo, os momentos mais densos ficam dispensáveis por motivos óbvios: o horrível final é muito conhecido por todos. Nesse sentido, a força da encenação de “O Musical Mamonas” não se dá como nos espetáculos tradicionais em que os heróis são medidos pelo tamanho de seus desafios e por suas capacidades de transpô-los. Aqui, como um todo, a história age contra o baixo astral daquilo que já se sabe. E é justamente no mérito de fazer o público se esquecer, por alguns momentos, do que houve, que Daguerre, Possi, Briamonte e que Guillen chegam ao sucesso.

Rafael Aragão, Marco Azevedo, Nina Sato, André Luiz Odin, Vanessa Mello, Reginaldo Sama e Gabriela Germano ao lado de Maria Clara Manesco e principalmente de Patrick Amstalden (Rick Bonadio) e de Bernardo Berro (Rafael, Jô Soares e Faustão) brilham nos papeis menores. Amstalden e Berro, em vigoroso destaque, levantam o ritmo toda vez que entram em cena, encantando o público com vibrante carisma em excelentes construções cômicas.

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Elcio Bonazzi (Samuel Reoli), Arthur Ienzura (Sérgio Reoli), Adriano Tunes (Júlio Rasec) ao lado de Yudi Tamashiro (Bento Hinoto) e principalmente de Ruy Brissac (Dinho) trazem de volta a alegria dos “Mamonas Assassinas” ao público brasileiro com exuberância. Tamashiro e sobretudo Brissac oferecem vitalidade ao todo positivamente. Esse último, pela qualidade vocal e dos movimentos corporais, fica ao lado de Tiago Abravanel, Emílio Dantas Laila Garin e de Tacy Campos que recentemente interpretaram Tim Maia, Cazuza, Elis Regina e Cássia Eller no Rio de Janeiro.

O espetáculo tem ainda ótimas contribuições do figurino de Fábio Namatame e do desenho de som de Gabriel D’Angelo, reforçando a estética coberta de referências da cultura pop: dos personagens de desenho animado à abstrações, do pagode ao rock pesado. Nello Marrese, Wagner Freire e Anderson Bueno assinam o cenário, a luz e o visagismo sem grandes colaborações.

O delicioso “O Musical Mamonas” faz ótima participação na grade de programação carioca nesse inverno. É maravilhoso poder não só se reencontrar com essas canções como revisitar um episódio rápido e marcante da história mais recente da nossa cultura. Aplausos!

Serviço:

Onde: Theatro NET Rio. Rua Siqueira Campos, 143 – Copacabana
Quando: Quinta e Sexta às 21h00, Sábado às 17h00 e 21h00 e Domingo às 19h00. Até 28 de agosto.
Quanto: De R$25 a R$60

Ficha Técnica:
Texto: Walter Daguerre
Direção Geral: José Possi Neto
Direção Musical: Miguel Briamonte
Elenco:
Ruy Brissac – Dinho/ Adriano Tunes – Julio/ Yudi Tamashiro – Bento
Elcio Bonazzi – Samuel/ Arthur Ienzura – Sergio/ Rafael Aragão – Cover Dinho/ Patrick Amstalden – Rick Bonadio
Ensemble:
Vanessa Mello / Nina Sato / Gabriela Germano / Maria Clara Manesco
Marco Azevedo / Reginaldo Sama / Bernardo Berro / Andre Luiz Odin
Coreografia: Vanessa Guillen
Cenário: Nello Marrese
Figurinos: Fabio Namatame
Designer de Maquiagem e Cabelo: Anderson Bueno
Designer de Luz: Wagner Freire
Designer de som: Gabriel D’Angelo
Produtores Associados: Rose Dalney, Márcio Sam e Túlio Rivadávia
Apresentado por Ministério da Cultura e Banco do Brasil Seguridade.
Patrocinado por Banco do Brasil Seguridade e realizado por MINIATURA 9

*Rodrigo Monteiro é nosso crítico teatral e dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.