Com a peça “O Inoportuno”, de Harold Pinter, Ary Coslov faz paralelo entre os anos 50 e os dias atuais


Depois de dirigir outros três espetáculos com textos de Harold Pinter e receber o prêmio Shell e APTR por melhor direção com “Traição” em 2008, Ary Coslov mais uma vez traz ao Brasil uma peça escrita pelo dramaturgo inglês

*Por Isabela Alencar

Ary Coslov (Foto: Divulgação)

Atual é a palavra usada por Ary Coslov para descrever a peça “O Inoportuno”, que estreia dia 16 de novembro no Teatro dos 4, na Gávea. Segundo ele, essa é uma característica presente em toda a obra de Pinter, um dos maiores dramaturgos da história, e é algo que dá pra perceber facilmente nesse espetáculo.
A peça conta a história de três personagens: Aston, que divide um apartamento com o irmão Mick, traz para casa um suposto mendigo chamado Davies, que resgata de uma briga de bar e a quem oferece abrigo. No tempo em que passam vivendo na mesma casa, interesses, mentiras e conflitos começam a se revelar e provocam mudanças no comportamento dos personagens que se encontram divididos entre sentimentos de amor e ódio, pena e repulsa, solidão e tristeza. No papel de Aston e Mick estão os atores André Junqueira, que já participou de diversas novelas como “O Outro Lado do Paraíso” e “Eta Mundo Bom”, e Well Aguiar, que atuou em “A Força do Querer”, “Malhação”, entre outras. Vivendo Davies está o ator Daniel Dantas, que só entre novelas e séries já esteve em mais de 40 projetos, além de diversas produções teatrais e mais de 20 filmes.

“Essa é uma peça sobre a incomunicabilidade entre as pessoas, e apesar de ter sido escrita na virada dos anos 50 para os anos 60, ela continua absolutamente atual até os dias de hoje” conta Ary Coslov, em entrevista para o site HT. Segundo ele, o dramaturgo inglês possuía uma maneira muito especial de escrever, e esse texto possui todas as características de uma obra “Pinteresca”, termo usado para descrever sua forma de fazer teatro. “Ele coloca situações que podem levar ao extremo perigo, e à violência, coloca a ambiguidade, coisas que podem ter diversos significados, além das famosas pausas, que são marcas registradas do teatro dele”, comenta. Além de fazer parte do chamado Teatro do Absurdo, ele o ultrapassou, criando um estilo próprio e colocando as situações de absurdo de maneira realista, com personagens realistas.

O espetáculo já foi produzido no Brasil em 1964, pelo grupo Decisão, com direção de Antônio Abujamra, e teve uma crítica muito positiva. Para Ary, isso foi causado pelo inesperado que essa peça trouxe na época. “Nós nunca tínhamos visto nada parecido com aquilo, e além de tudo, era um espetáculo dirigido pelo Antônio Abujamra no grupo Decisão, com atores incríveis, o que tornava esse um espetáculo extremamente bem feito, além da grande qualidade do texto do Pinter que provocava toda aquela revolução”, diz. Sobre a direção que está fazendo agora, Ary nos conta que procurou trazer para o espetáculo um pouco das características do presente. “A gente não pode esquecer que já se passaram cinquenta e tantos anos desde que a peça foi feita, e embora ela continue tão atual é sempre interessante fazer algum paralelo com os dias de hoje, eu poderia não ter feito, mas acho que a peça permite traçar esse paralelo e deixar as pessoas fazerem uma conexão com o mundo de hoje”, explica.

No papel de Aston e Mick estão os atores André Junqueira e Well Aguiar e vivendo Davies está Daniel Dantas

Falando sobre atualidade e teatro, não podemos deixar de lado a fase conturbada que o país está passando, que se estende à cultura. Durante os últimos anos, houve muitas críticas à lei Rouanet e ao Programa Nacional de Apoio à Cultura vindas de pessoas que em muitos casos não sabem sequer do que se trata a lei. Sancionada em 1991, a lei Rouanet permite que empresas e pessoas físicas descontem do Imposto de Renda valores repassados diretamente a iniciativas culturais, o que viabiliza a realização de inúmeras peças de teatro, exposições, livros e etc. “A lei Rouanet é importantíssima para a cultura, ela precisa, sim, de alguns ajustes, mas não pode deixar de existir. Ela é uma das poucas maneiras que temos de continuar produzindo, já que está cada vez mais difícil conseguir patrocínio, então se não tivermos o apoio da lei Rouanet, estamos perdidos”, explica Ary Coslov.

Ainda sobre o sucateamento da cultura no Brasil, Ary lamenta que o interesse pelo tema esteja tão baixo, pois acredita que a cultura é essencial para a formação humana. “Esse estado é extremamente alarmante, já faz tempo que estamos nos preocupando com isso, a cultura e o teatro sendo tratados como uma coisa sem importância pelo governo e no entanto, a cultura é fundamental para a educação e para a formação das pessoas, é lamentável quando não se dão conta disso, da importância de estimular o teatro, a produção de teatro, de fazer com que isso chegue ao público. tem sido difícil até estimular a plateia”, comenta. Para resistir, ele diz que é necessário continuar fazendo, nunca abrir mão dos ideais e do que se quer fazer, não sucumbir perante pressão alguma. “O teatro existe há muitos anos, desde a Grécia antiga ele estabeleceu uma força de comunicação muito grande com as pessoas em todos os lugares do mundo, então ele tem uma força que faz parte da condição humana, eu acho muito importante a pessoa sentar numa plateia e ver acontecer na sua frente coisas que possam a estimular de alguma maneira, seja pelo pensamento ou seja pela emoção, ver algo que discuta assuntos, que passe ideias, é por isso que o teatro jamais vai deixar de existir. Ele pode mudar de características, mas jamais vai deixar de existir, ele é, sem dúvidas, fundamental pra sobrevivência do ser humano” expõe Ary.

Com temporada até o dia 23 de dezembro, a peça estará em cartaz todas as sextas e sábados às 21h e domingos às 20h no Teatro dos 4, no Shopping da Gávea. Os ingressos custam R$ 80 e a meia entrada R$40, e podem ser comprados na bilheteria do teatro ou através da internet pelo site www.ingressorapido.com.br.