Amor sem plural: ‘Como regar amores que romperam o solo, já provaram do pólen e que vivem separados pela pandemia?’


Nessa crônica, o jornalista Alexei Waichenberg faz uma ode ao amor e questiona: “Nesses dias tão difíceis que vivemos, amores brotam de maneiras singulares, virtuais, com transmissão direta de desejos, mas entre eles há uma tela. Como promover o encontro desses casais que vivem em países distintos e que impuseram limitações sanitárias de entrada?”

Ilustração (feita exclusivamente para essa crônica), assinada pelo artista plástico Leandro Figueiredo, atualmente morando no Porto, em Portugal

*Por Alexei Waichenberg

Ouve o amor, ouve quando ele te chama, quando ele derrama, te clama e inflama.

Houve outro amor. Amor soterrado, de manto rasgado, amor sem fervor.

Ouve esse amor, ouve quando ele te chama, te leva pra cama, amor que conclama no peito sagrado bocados de ardor.

Ouve o olhar, no canto da boca, da boca que canta o amor que ficou.
Ouve o que toca, se a nota sufoca o amor que sonhou.

Ouve o amor que há de haver, amor pra viver.
Amor de docel, amor de motel, o amor que há de haver.
Amor de rapel, virado pro céu, o amor de querer.

Houve outro amor. Amor que inferniza, que manda pra pena as notas cifradas da flor que eterniza.

Já não importa se a flor é de plástico, se o dorso é fantástico, se mesmo sem dor, não ouço o amor.

Ouço o amor, na voz da mangueira, no som do inseto, na forma e no afeto, nos mares bravios, no giro, no sol, no frio tardio, no beijo e na flor, amor sem plural.

“Ouve o amor, ouve quando ele te chama, quando ele derrama, te clama e inflama”

O amor é assim, um não pode substituir o outro. Cada um deve ser vivido em seus pormenores, suas idiossincrasias. Todos têm seu tempo de semear, de colher. Não importa se um amor morre ou se transforma, vital é deixar sempre o terreno fértil para um novo amor.

Nesses dias tão difíceis que vivemos, amores brotam de maneiras singulares, virtuais, com transmissão direta de desejos, mas entre eles há uma tela. O amante pode ouvir, pode ver, mas não pode tocar seu amor. Outro desafio é como regar os amores que já romperam o solo, já provaram do pólen que fecunda e que, agora, vivem separados pela pandemia. Como promover o encontro desses casais que vivem em países distintos e que impuseram limitações sanitárias de entrada? Ouvi dizer que iniciaram um forte movimento que luta pela permissão da abertura de fronteiras para que amantes voltem a se encontrar.

Acho justo, afinal, porque não há nada que substitua ouvir seu amor num abraço, murmurar suas ternurinhas no colo, dormir de conchinha até mais tarde e gritar a saudade que o corpo provoca.

Amor sem plural não combina nada com beijinho virtual.

* Alexei Waichenberg, jornalista que prefere os programas de auditório.