Alexandre Rodrigues, o Buscapé do filme ‘Cidade de Deus’, protagoniza peça “Barulho d’água”


O ator que fez sucesso no renomado filme “Cidade de Deus” vive história de imigrantes que atravessaram o mar mediterrâneo

*Por Domênica Soares

Em 2009, o dramaturgo italiano Marco Martinelli movido por uma das maiores tragédias humanas decidiu levar para os palcos a realidade de centenas de vidas que foram perdidas ao tentar atravessar o mar Mediterrâneo rumo a países europeus. O autor já criticava a falta de uma política mundial para refugiados e colheu ele próprio depoimentos na Ilha de Lampedusa, na região da Sicília (Itália). O texto original é um monólogo, em que um general conta a história desses refugiados. E o que veremos entre os dias 9 e 11 de agosto, no Centro Cultural Olido, em São Paulo, sob direção de Carina Casuscelli, são os depoimentos de cinco refugiados. E o ator Alexandre Rodrigues integra o elenco e estará em cena vivenciando estas histórias. Alexandre é figurinha carimbada no cinema e nos palcos. O ator integrou o elenco de “Cidade de Deus” (2002), filme indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro. 

Ator fala sobre questões migratórias e racismo (Foto: Henrique Oda)

Segundo ele, para viver o papel de imigrante foi necessário um longo e árduo processo de autoconhecimento. “Tive que vivenciar o personagem em muitos ensaios com o grupo e dentro da metodologia de trabalho da Companhia Nova de Teatro. A Carina, diretora, fez um trabalho intenso de imersão e composição do personagem, trazendo densidade e dualidade para o texto falado. É real e onírico ao mesmo tempo”, frisa. O ator relata sobre a importância de colocar o assunto sob os holofotes para o público e explica que a função da arte é apresentar fatos que são recorrentes, mas, muitas vezes, invisíveis aos olhos da sociedade. “Enquanto estou aqui escrevendo essas palavras, tem centenas de pessoas tentando atravessar aquele oceano e morrendo afogadas e congeladas. E eu interpreto exatamente essas pessoas. Em um certo sentido, acaba sendo um diálogo com os mortos, quando estou narrando aquelas histórias, sinto que estou trazendo vida à essas pessoas novamente”. O ator diz ainda que os desafios para que isso se concretizasse foram enormes visando a realidade de que são vidas, sonhos e esperanças que submergem naquelas embarcações. Vidas dilaceradas, famílias destruídas não são questões fáceis para trazer à tona, e o protagonista faz questão de frisar que vivencia com muita intensidade o papel, trazendo veracidade e essência para cada um deles.

Alexandre Rodrigues durante a peça “Barulho d’água” (Foto: Henrique Oda)

Além disso, ele conta um pouco sobre o debate de assunto como esse na sociedade e reflete: “As pessoas não querem falar. Existe um véu cheio de buracos sobre esse assunto e ninguém quer tirá-lo. Além da questão sobre a imigração, tem a racial também. São africanos, em grande maioria, rumo à Europa. A peça nos faz refletir sobre os fluxos imigratórios recentes no Brasil. Este tema sobre grandes tragédias humanitárias irão ocupar o centro dos debates no mundo, tanto do ponto de vista governamental quanto da sociedade civil. A luta contra a desigualdade possui vários braços e esse é um deles”, declara.

Ainda em relação ao tema, ele analisou se existe falta de informação ou desinteresse e faz algumas perguntas: “Quem lucra com as crises?” “Quem está por trás disso?”, explicando, em seguida, que para além dos órgãos governamentais e da sociedade civil “existem trabalhos importantes para contenção destes problemas e entender essas perguntas e refletir sobre as respostas talvez possa mudar a nossa forma de atuação como indivíduos”, completa.

Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, Alexandre disserta um pouco sobre a importância da arte e da cultura e descreve que ambas têm um papel fundamental na formação dos integrantes da sociedade e que tudo vai muito além de entreter o público, mas sim, pegando um ponto mais forte, que é tocar, transformar, informar, instigar a formação do pensamento, tornar as pessoas livres, impulsionando suas buscas e sonhos em realidade. “Arte e cultura educam, transformam e libertam. Uma sociedade saudável é aquela que reconhece a sua identidade”. Ele frisa ainda que estamos vivendo em um momento crítico em relação às artes e que os cortes no financiamento de projetos culturais é capaz de afetar toda a cadeia produtiva do setor visto que existem poucos recursos destinados a essas manifestações artísticas. “Continuaremos resistindo e fazendo aquilo que acreditamos ser transformador”. O artista conta ainda que, em sua opinião, faltam muitas barreiras para serem quebradas e que o talento e a qualidade ainda estão longe de fazerem a diferença total no mercado de trabalho. Além do mais, reafirma a questão do racismo intrínseco e reflete: “Nós ainda somos uma massa anônima, até mesmo eu que possuo conhecimento por ser ator sofro com o problema do preconceito”.

Alexandre Rodrigues fez parte do filme “Cidade de Deus” com o personagem Buscapé (Foto: Henrique Oda)

O artista conta sobre seu personagem que mais ganhou de destaque e comenta sobre o Buscapé no filme “Cidade de Deus” explicando que foi uma produção marcante na história do cinema nacional e que tem muito orgulho e prazer de ter feito parte dessa caminhada. Ele discorre ainda que todos os papéis que costuma interpretar são capazes de trazer para ele algum aprendizado, da mesma forma que ele se doa para a construção da narrativa também com suas memórias e sentimentos explicando que quando está gravando, o Alexandre se mistura com o personagem e ambos trocam experiências e aprendizados. Para ele, o maior legado que pode deixar como ator é oferecer um exemplo de vitória de que é possível um menino de comunidade chegar ao estrelato e atingir patamares altos, e mesmo saindo de um lugar improvável é fundamental impulsionar muita gente a lutar pelos sonhos através de suas histórias. “Minha história é capaz de inspirar muitos sonhos e até eu me inspiro com as outras pessoas. Sou um cara muito sonhador, quero ter minha família, trabalho e vontade de viver da minha arte. Esse é meu sonho”.

Serviço:

Apresentações: dias 09 e 10, às 20h; e 11/08, às 19h.
Espaço: Centro Cultural Olido – Sala Olido (Av. São João, Nº 473, centro, São Paulo –
SP) Ingressos: Preço escolhido pelo público, cada um contribui da forma que se sentir à vontade (Ingressos distribuídos uma hora antes de cada apresentação). Acesso para deficientes físicos.

Capacidade: 293 lugares.
Contato para informações: 11 2899-7370 – e-mail: [email protected]
Classificação: 16 anos
Duração: 55 minutos