SENAI CETIQT: Live sobre novo ciclo para indústria da moda e o case de sucesso da Oficina Muda, focada no upcycling

Lá pelos anos 2000, eu estive com a estilista inglesa Vivienne Westwood, que acaba de completar 80 anos, em abril. A genial dama do Império Britânico, musa do movimento punk, desde então falava sobre práticas mais sustentáveis, moda circular, upcycling, alertava, através de um manifesto, sobre o consumo desenfreado e cravou para sempre a frase “Buy Less, Choose Well, Make It Last” (“Compre Menos, Escolha Melhor, Faça Durar”). Com o consumidor cada vez consciente e ligado à questão ambiental é fundamental substituir o processo linear de produção (em que a matéria-prima é transformada em produto, que é posto à venda, comprado e consumido e, ao fim de sua vida útil, descartado) pelo circular (no qual o produto é produzido com o mínimo desperdício de recursos, é comprado e consumido, reutilizado o máximo possível e descartado de maneira a não agredir a natureza.

E foi prazeroso acompanhar a mais recente live, no canal do Youtube do SENAI CETIQT, parte integrante do Projeto Moda Circular: O Início de Um Novo Ciclo da Indústria da Moda, fruto de uma parceria com a Laudes Foundation para um modelo mais circular de produção e consumo, e conhecer o case incrível da Oficina Muda, dos sócios Luiz Eduardo Lyra e Larissa Greven, totalmente focada no upcycling, técnica de reaproveitamento de materiais já existentes, transformando peças que seriam descartadas em aterros sanitários e dando um novo sentido para elas.

A Oficina Muda tem um projeto muito amplo e que, mesmo durante a pandemia, tem crescido em larga escala e feito a diferença para o social e o meio ambiente. Os integrantes da Oficina selecionam, analisam, reaproveitam e reparam peças de descarte de marcas parceiras, dando nova vida a esses produtos, reduzindo os danos ambientais do setor e promovendo a economia circular e a gestão dos resíduos sólidos de forma inovadora e criativa. Em tempo: a indústria da moda, em 2019, gerou 170 mil toneladas de resíduos.

Consultora do Instituto Senai de Tecnologia Têxtil de Confecção do SENAI CETIQT, Angélica Coelho pontou a importância da ressignificação de resíduos têxteis através do upcycling, proposta da Oficina Muda, que é exemplo da moda usada como ferramenta de transformação por meio de colaboração, transparência e crescimento sustentável.

“Nós temos a seguinte filosofia, que é parte integrante do nosso DNA: “Toda muda muda o mundo”. A gente quer mudar o mundo. Nós temos essa pegada. Queremos ser exemplo, qualificar, parceiros, respeitando as marcas, e muito desafio. Estamos num momento complicado com a pandemia e a economia sentindo cada vez mais os impactos da crise econômica que veio junto. Mas não queremos abaixar a cabeça. Queremos ajudar dentro do nosso tamanho, da nossa força do nosso propósito a criar o mundo novo, real, com uma sociedade mais consciente dentro de tudo que estamos vivendo”, analisou Luiz Lyra.

Ele contou que a Oficina Muda começou há quatro anos. “No primeiro momento, como um bazar, buscando dar vida nova às peças usadas. Era um movimento de buscar espaço no mercado, com um modelo sustentável para a moda, mas ainda sem escala e muito artesanal. Minha sócia, Larissa (também ex-mulher de Luiz), se interessou muito em saber o que acontecia com as peças das grandes marcas depois de passar por todos os canais de venda, inclusive pelos bazares. E ela se deparou com uma situação de haver, nas grandes marcas, um volume de estoque muito grande, de modelos de diversas coleções. Algumas marcas chamam de refugo, outras de sobra de estoque. Ela ficou muito curiosa sobre qual seria o fim dessas peças”.

Depois de mergulhar na experiência de avaliar este estoque, os sócios decidiram ressignificar as peças desse estoque das marcas. “Temos dois momentos: o primeiro de peças prontas das marcas que tiveram pequenos defeitos ou saem do padrão de qualidade. O segundo, vale para, em média, 20% das peças que analisamos e selecionamos para ressignificação. São peças que estão manchadas demais, têm muitos vestígios de uso ou estão rasgadas. Portanto, transformamos resíduo em matéria-prima para produzirmos novos produtos, dando nova vida a esse resíduo”, explicou Luiz Lyra.

Hoje, a oficina multimarcas tem no portfólio mais de 15 marcas, todas de moda feminina, porque existe maior variedade de modelos para serem trabalhados e também pelo volume de produção da moda feminina. “Um dos nossos valores é a inovação e solução para as marcas parceiras quando se trata da destinação em grande volume e a gente olha o conceito da sustentabilidade numa visão muito mais ampla do que só o projeto que nós temos direto com a roupa. Trabalhamos com o modelo de contingência zero, mesmo com a crise. A gente busca, de fato, ser exemplo em todas as pontas. A colaboração agrega o time. Todo mundo tem canal aberto. As meninas da loja estão postando, filmando, contando sua história. Nosso turnover é muito próximo a zero. E conseguimos atrair colaboradores com os mesmos ideais”, frisou o empreendedor.

A ressignificação é o alicerce do projeto Oficina Muda. Efetivamente é olhar uma peça não como como o problema, mas como oportunidade. “Temos o compromisso de transformar o centro de custo das empresas em centro de resultados e a valorização e a capacitação do ser humano para o trabalho manual e artesanal. Nosso caso é peça a peça. Então, nós temos costureiras, especialistas em vários tecidos, em pedraria e tinturaria. São vários processos para ter uma peça muito próxima à original. Nossa visão do upcycling é que a menor intervenção possível é o melhor modelo. Porque com cada vez menos intervenção, você gasta menos energia, água, recursos naturais para ressignificar uma peça”.

Até o momento, nesses cinco anos de operação, a Oficina Muda ressignificou mais de 250 mil peças, evitando descarte. Isso equivale a 60 toneladas de tecido na indústria têxtil. A projeção para 2021 é de 90 mil peças. Luiz Lyra pontuou: “Temos uma série de desafios. O primeiro, empreender no Brasil e, em especial, no estado e na cidade do Rio de Janeiro. Além disso, temos os do dia a dia, como convencer as marcas parceiras de que faz sentido apostar em um projeto como o nosso. Temos quatro lojas no Rio de Janeiro e estamos abrindo, no segundo semestre, uma em São Paulo e, outra, em Brasília. É muito importante que o cliente entenda que está numa loja multimarcas de moda feminina upcycling”.

Luiz Lyra citou ainda três projetos que a Oficina Muda está em busca parceria: “Nós temos mais de cinco mil pares de sapatos com pés trocados, sapatos de um pé só. Isso é comum na indústria da moda. Já fizemos doações para entidades de amputados, mas temos sapatos que ainda não é possível dar um destino. Obviamente, eles continuam sendo um desafio, porque não podemos devolver ao meio ambiente. A segunda diz respeito ao retalho do resíduo de couro. No Rio de Janeiro, nós temos uma dificuldade grande de ter mão de obra qualificada, equipamentos e máquinas para fazer a ressignificação do couro. E o terceiro grande desafio é o da destinação dos retalhos de resíduos de produção, que geralmente resultam de corte”.

Em parceria com o SENAI CETIQT, a Oficina Muda pretende definir ações para o problema dos resíduos têxteis e buscar investimento no mercado com as empresas que desejam também pensar a circularidade da moda no Brasil. “Hoje, nós temos um leque grande de projetos, soluções e desafios. Já falamos sobre o upcycling. Estamos desenvolvendo um segundo modelo, de serviço, que é a gestão da sobra de estoque. Aí já seria uma sobra de estoque de produção. A gente faz terceirização de bazar. Temos espaços no Rio e em São Paulo. Fazemos parceria com a marca: analisamos as peças, precificamos, fazemos pequenos consertos e ajustes, colocamos para vender e compartilhamos o resultado com as marcas, devolvendo as peças que não foram vendidas. O resultado de retorno para as marcas é muito bom, pois temos o know how em desenvolver os produtos”.

A Oficina Muda também está trabalhando na gestão responsável da sobra de produção (rolos de tecidos, aviamentos etc) de grandes marcas, como Farm, Animale, Cantão, Maria Filó, Dress To. “São tecidos que foram desenvolvidos com exclusividade para as marcas, e elas têm dificuldade em dar um destino. Temos trabalhado no convencimento de que, de fato, nós vamos cuidar desse tecido, produzindo uma “moda para todos”. É uma moda aberta, compartilhada. Nesse caso é misturar um tecido da Farm com outro da Maria Filó e produzir roupas dentro do nosso conceito de moda para todos”.

Em abril depois, de sete meses de projeto, a Oficina Muda lançou o e-commerce. Segundo Luiz Lyra, foi necessário contar com a colaboração das marcas para ter acesso à base de dados dos produtos e a fotos. “Na verdade, é muito mais que um e-commerce. Não deve ser confundido com uma oportunidade comercial, apenas. Não é o nosso propósito. Vamos tentar transmitir, da forma mais clara possível, o conteúdo, o que fazemos, qual é o nosso propósito, quais são as nossas metas. Teremos um contador para cada peça vendida, saberemos qual é o impacto disso no meio ambiente. Para isso, estamos criando métricas de consumo de água, energia e gás carbônico. Precisamos passar isso de uma forma consistente, clara, real e efetiva, que gere credibilidade para o nosso público-alvo”, avaliou. No e-commerce são disponibilizados três grupos de peças. “Temos o upcycling, que é aquela peça que a gente tenta manter o mais próximo do padrão original; o que chamamos de peça-conceito, que são aquelas peças que passaram por uma transformação muito grande e a produção da nossa marca própria. Nossa multimarcas se chama Oficina Muda e a marca própria se chama Muda.

E a Coleção Muda, com a proposta de uma moda atemporal, repleta de valor agregado, que veste todos os corpos e agênera também veio junto com o desafio do e-commerce. “Consigo ter peças P, M, G, GG. Como buscamos uma moda para todos, trabalhamos com tamanhos maiores também. Temos que ter um pedaço do mercado que não é tão bem atendido em produtos de qualidade e caimento. A gente gosta disso. Temos também um carinho muito grande por aquelas peças que o menino e a menina podem compartilhar, independentemente, inclusive, da idade. São peças para todo mundo”, comentou.

A Oficina Muda também criou o projeto Ressignificando Retalho. “Nós íamos no estoque das marcas, porque nós compramos as peças com defeito e valorizamos as peças, e também saíamos com três, quatro sacos de retalho: o que fazer com aquilo?  Estamos produzindo vários produtos com a Rede Asta, que apoia 9 mil artesãs para o desenvolvimento de produtos inovadores a partir de materiais sem uso. Criamos linha home, produtos de decoração (cada vez mais as pessoas ficam em casa devido à pandemia). É um mercado que movimentou muito. Estamos atrás de parceiros e olhando lá fora também. Temos um braço em Londres, uma parceria recente, estamos buscando tudo que está acontecendo. Lá já existe uma indústria de placas de parede toda de tecidos compactados. É lindo e você transforma em matéria-prima para criar um produto para a casa”.

Portanto a equação é a seguinte: a Oficina Muda promove a Eco Inovação, cria a oportunidade de negócios, produtos e serviços, proporciona o destino de forma segura e responsável para os resíduos têxteis, cria novos modelos de negócios e conserva o capital natural.

“Lixo não é lixo até que a gente coloque no lixo”

Luiz Lyra lembra uma frase sobre a questão da circularidade na moda: “Lixo não é lixo até que a gente coloque no lixo”. “De fato, é assim. A indústria têxtil é a segunda que mais polui no mundo e a gente está focado em, cada vez mais, ganhar volume, gerar tecnologia, processos, parceiros, ideias, coletivo, em prol da sustentabilidade”, afirmou. E ele nos deu dois exemplos interessantes:

Contou que foi convidado para fazer parte do board de um fundo de investimento em ações na Suíça focado em EFW, Energy, Food and Water. Eles analisavam as empresas, sempre listadas na Bolsa de Nova York, e comparavam duas empresas do mesmo mercado, e comparavam essas empresas com base na relação delas com o meio ambiente. Um exemplo: você tem a indústria de cerveja A e a indústria B. Quanto a indústria de cerveja A consumia de litro de água por litro de cerveja produzido? Quanto consumia de energia por litro de cerveja produzido? Quanto queimava de gás carbônico por litro de cerveja consumido? Esse fundo comparava as duas empresas e a orientação de alocação de capital, de compra de ações, era em cima daquela que tivesse melhor sustentabilidade. Isso mostrou um índice muito grande de valorização. Efetivamente, é cada vez mais caro não ser friendly com o meio ambiente, consumir água, compensar CO2.

O outro foi que, no ano passado, o Grupo de Moda Soma levantou R$ 1,823 bilhão em sua oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). “É nosso grande parceiro e, de uma certa forma, ajudamos a criar o caderno de sustentabilidade. O Grupo explicou ao mercado o que fazia no mundo circular, no mundo da sustentabilidade, qual era destinação que dava para o resíduo.