Durante a pesquisa realizada pelo consultores do projeto Inova Moda Digital (IMD), uma parceria entre o SENAI CETIQT e o Sebrae Nacional, e que resultou no Relatório de Macrotendência Outono/Inverno 25 com o tema central “Impermanência”, contei no artigo anterior para você, leitor, que foi realizada uma imersão nos cenários que vêm sendo desenhados nos âmbitos sociais, econômicos, tecnológicos e relacionados ao meio ambiente, decodificando realidades e lançando luz ao futuro no que diz respeito aos desafios da moda e consumo. O resultado do Relatório de Macrotendências foi apresentado por Angelica Coelho, consultora técnica do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção do SENAI CETIQT e head de Moda Circular do Inova Moda Digital; Rafael Lemos, consultor de Fashion Design do Instituto Senai de Tecnologia Têxtil e de Confecção da Paraíba e integrante da equipe de pesquisa do IMD e Cléber Lima, do SENAI Pernambuco, consultor em design de moda e especialista em pesquisa de tendências e responsável pela Inteligência de Produtos do IMD. Os profissionais também atuam nas empresas da cadeia de moda, têxtil e de confecção de forma transversal, com foco no aumento da competitividade e melhoria do desempenho dos profissionais e negócios do setor moda, a partir das conexões entre os atores da cadeia produtiva. E hoje vamos mergulhar no Conceito 2 das macrotendências batizado Diálogos.
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Rafael Lemos pontua que Diálogos são “pautados pela conversa entre pessoas, pela nossa relação com a natureza e pela relação que criamos com a tecnologia buscando uma solução que seja integradora no sentido de que promova esses três itens da mesma forma, tanto para o bem das pessoas quanto para ser sustentável com a natureza e que tenha esse atributo da tecnologia pautado em cima de soluções que são trazidas”.
LANÇAR OLHAR PARA OS SEGUINTES TÓPICOS:
VÍNCULO MULTIESPÉCIE
ADAPTATIVO/HÍBRIDO/FUTURO ANCESTRAL/BASE BIOLÓGICA
CULTIVO/GENERATIVO/CICLOS/NEO ESTRUTURAL/INTELIGÊNCIA COLETIVA
“Estamos falando do vínculo multiespécie. É criar fazendo uso da natureza e da tecnologia juntas em prol de buscar soluções que talvez não sejam tão comuns quanto estamos acostumados a lidar com soluções baratas no aspecto de que todo mundo tem acesso ou que não requer muito esforço para se pensar. Aqui estamos falando de adaptativo, híbrido, mas sempre usando uma base biológica”, comenta Rafael Lemos.
O que isso quer dizer? Segundo ele, é “conseguir, através de uma base biológica, fazer com que um produto tenha um ciclo maior ou que não agrida tanto o meio ambiente desde a concepção até o cliente final. Que consiga manter ciclos menos abrasivos, menos danosos ao mundo. E, principalmente, o compartilhamento dessas boas ideias, dessas novas práticas para que comecem a se tornar um novo normal ou uma nova opção de como podemos olhar e enfrentar esse futuro”.
E ele recorre ao exemplo do Metropolitan Museum of Art, em Nova York, durante a exposição “Sleeping Beauties Reawakening Fashion“, que aguçou as capacidades sensoriais de algumas obras-primas do museu. Foi feita uma curadoria, incluindo uma análise do nível de conservação dos produtos para que pudessem ser expostos – trata-se de uma exposição de quatro séculos de produtos. “Os métodos de analisar passaram por cruzamento com tecnologia: de que maneira a tecnologia poderia favorecer a apresentação para quem fosse visitar a exposição com IA, animação em vídeo, projeção de luz, efeitos sonoros, interações táteis e até de aroma que alguns produtos poderiam exalar na apresentação. A exposição apresentou cerca de 220 peças de vestuário e de acessórios de quatro séculos, todos visualmente conectados através do tema natureza”, revela Rafael Lemos.
Os visitantes eram convidados a “cheirar a História”. Por exemplo, nos chapéus com motivos florais, eles podiam ter a experiência de sentir o aroma das flores. Podiam tocar nas paredes das galerias que eram estampadas com bordados de algumas peças que foram selecionadas e era possível até experimentar, ou ter a ilusão visual de experimentar, um vestido assinado Charles Frederick Worth, datado de 1887, que foi recriado através de processos 3D. Esse produto foi apresentado com a mesma proposta de uso com que foi concebido, um vestido de baile.
Há também o exemplo da Rootfull, da biodesigner Zena Holloway. É a total integração da natureza, de como podemos criar um diálogo. O projeto Rootfull é com material que cresce a partir de uma raiz. É literalmente a raiz de um broto que é tecida pela natureza, e não por mãos humanas. Ele é moldado para ter uma certa forma, usa-se da habilidade humana mas com processos naturais. A grande inovação é justamente a união dessas duas coisas. O produto pode ser cultivado, e não feito. Não precisa fabricá-lo. Nesse projeto, as raízes se unem às fibras naturais – usa-se, geralmente, algum tecido como base. Vão-se criando raízes na superfície, como se fosse um bordado em um não tecido que vai ficar como se fosse um tecido bordado.
“Esse projeto é pioneiro em integrar a natureza diretamente a um tecido. Essa raiz tem uma grande vantagem de se trabalhar com ela, principalmente pela questão da biodegradabilidade, pois trata-se de um produto da natureza e não vai ter nenhum processo abrasivo na sua concepção e tampouco no seu descarte. Não só ele pode ser feito mesclado para criar esse tecido que pode ser utilizado em vestuário e acessórios, como também pode ser moldado – e aí utiliza-se até cera de abelha para dar forma. Ele pode ser moldado também para artigos de decoração, de arte etc. É um produto que tem diversos usos após a sua concepção”, garante Rafael Lemos.
Um exemplo altamente sustentável para a indústria da moda inclui a utilização de fungos como matéria-prima. O produto final tem um acabamento de fácil acesso para o mercado. Os fungos têm muitas propriedades úteis como, por exemplo, a resistência à água, as enzimas antimicrobianas e a alta resistência à tração. É um material com uma série de benefícios bem-vindos para a indústria da moda. Todo esse projeto é construído, a biomassa que se usa para fazer tanto a espuma como o couro vegetal com que se produz a parte de cima do tênis. “Esse material tem uma grande vantagem porque é um subproduto que pode ser desenvolvido a partir de qualquer sistema agrícola, mas também é extremamente sustentável. Uma vez que está confeccionado, que passa por processos de corte etc, todos os resíduos voltam diretamente para a fonte para gerar nova matéria-prima. Não tem, basicamente, nenhum descarte, pois toda a matéria-prima pode ser reaproveitada, gerando um nível de circularidade muito alto”, explica Rafael Lemos.
ERA DA AUTORREGULAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE NA INDÚSTRIA DA MODA ESTÁ CHEGANDO AO FIM
Todos os holofotes para a sustentabilidade. As pessoas estão entendendo os benefícios e as oportunidades que existem na sustentabilidade. Mas isso ainda é posto de uma forma de autorregulação, quando o empresário determina que seu negócio é sustentável a partir de uma série de itens que ele próprio estabelece para que seja considerado sustentável. “Estamos caminhando para um mundo onde legislações estão sendo pensadas diretamente para processos que vão acabar com o achismo, ‘Eu acho que eu tenho um produto sustentável’. Isso vai impactar diversas regras. Para exportação, cada país terá uma diretriz específica que esses produtos precisarão cumprir para serem comercializados. A autorregulação está caindo por base e as pessoas vão precisar entender cada vez mais sobre o processo de fato e sobre qual tipo de sustentabilidade estão agregando dentro dos seus produtos de maneira séria e coerente”, prevê Rafael Lemos.
INDÚSTRIAS MAIS PREPARADAS PARA UMA LEGISLAÇÃO EVOLUTIVA
As indústrias precisam estar mais preparadas, pois é uma legislação que continuará sendo mais evolutiva, principalmente por causa do diálogo entre tecnologia, natureza e ser humano. “Algumas dicas para que as indústrias estejam mais preparadas são: ter foco no abastecimento ambientalmente responsável facilitando a reciclagem, a remanufatura, a durabilidade e a aceleração da biodegradabilidade; ter uma base de dados confiáveis – estamos falando de diversas captações de dados que podem ser pensados para facilitar a distribuição, bases de estoque etc, inclusive a questão da transparência dos processos, das matérias-primas. E mais: rastreabilidade, passaportes digitais de produtos; uma reengenharia da relação entre negócios e natureza buscando o bem-estar humano; diminuir o impacto que geramos no meio ambiente; bem como uma medição de impactos em todo o ciclo de vida, analisando o período que o meu produto pode durar, toda a vida que pode dar e como eu posso diminuir o impacto dele em seu ciclo de vida”, frisa o consultor de Fashion Design do Instituto Senai de Tecnologia Têxtil e de Confecção da Paraíba e integrante da equipe de pesquisa do IMD.
ENCRUZILHADA DA IA
Podemos entender que a natureza está nos oferecendo muita coisa, mas e a Inteligência Artificial? Precisamos sair do campo da ilusão e entender como a Inteligência Artificial está sendo utilizada no mundo da moda, por exemplo, para alavancar e melhorar a maneira como os produtos são criados, concebidos, distribuídos e consumidos pelo cliente final. É uma realidade hoje na indústria. Muitas empresas já estão utilizando. “A Inteligência Artificial tem ressonância. Ela emite ondas muito fortes, mas são ondas silenciosas. Não é aquela fotinha que a gente vai no aplicativo, troca o fundo da imagem e diz que é Inteligência Artificial. É algo muito mais profundo, muito mais complexo. Cabe, também, procurarmos entender um pouco mais o que tem hoje de ferramenta de IA que podemos de fato trazer para nossos negócios, como isso pode ser aplicado”, pontua Rafael.
A META é um bom exemplo de investimento em tecnologia de Inteligência Artificial que consegue captar o momento de consumo de produtos em diversas ocasiões de uso. Acima de tudo eles estão focando em você ter esse posicionamento, em como a Inteligência Artificial pode promover o seu encontro localmente dos produtos que você quer. “Essa geolocalização de estoques que estão ao meu redor facilita não só para o lojista, que pode fazer uma melhor distribuição dos seus estoques, mas também para mim enquanto usuário, porque, uma vez que a Inteligência Artificial consegue entender qual é a minha movimentação de compra, eu consigo mais publicidade, os ads mais direcionados para o meu estilo de vida”, diz Rafael Lemos.
CARTELA DE CORES – DIÁLOGOS
Seguindo no raciocínio de entender como as tecnologias digitais têm mudado a nossa percepção sobre as cores e os produtos, Cléber Lima apresenta uma cartela que traz uma visão ainda sobre o universo natural. Só que agora essa natureza é hiperrealista. “Tenho cores que a gente reconhece, sabe dizer que é um lilás, sabe dizer que é um tom de verde, mas é uma cor que parece plástica, ela tem um tom ou um toque de ‘alienígena’, meio que brincando com nossa percepção sobre o que é real, o que é fantasia, sobre o que é possível e o que é impossível”, observa, acrescentando sobre a pesquisa: “Nós fazemos uma análise de moda não para entender o que pode ser copiado, mas para materializar verdades, direções que construímos ao longo do tempo”.
O primeiro subtema foi batizado Colagens do Cotidiano, uma revisão sobre como os efeitos do uso dos produtos têm se transformado em ativos de criação. Aquela calça que usamos muitas vezes e que o sol e a lavagem vão construindo um novo beneficiamento. Essa referência serve para o desenvolvimento do jeanswear como uma lavagem pensada para ter esse aspecto. “Aqui vale destacar a ‘bagunça’ que é essa mistura de elementos pensando em texturas como cores e modelagens para criar uma situação de caos controlado. Tenho peças reconhecíveis, que são uma camisa, um suéter, uma calça, mas não se sabe onde começa e onde termina cada um dos detalhes que compõem esse produto, escondendo um certo grau de surpresa e muito também de uma vontade de incluir um pouco da sensação da intervenção humana”.
A tecnologia têxtil como linguagem de simulação e emulação de sensações humanas
O segundo tema, Encontros Deslizantes, foi construído para falar sobre a circularidade e o resgate de tecidos ditos mortos como estratégia para um novo nicho de mercado: “Encontros Deslizantes é sobre fundir tecidos novos ou com antigos numa proposta em que esse encontro de materiais constrói novas geometrias, novas fusões. Vale destacar as misturas de tons de vermelho e de vinho. Tenho exemplos de diversos lugares do mundo que só reforçam essa estética como algo relevante. É preciso trazer um pouco desse olhar dos temas que são importantes para o mundo, não achar que um produto responsável é somente uma T-shirt de malha PET, orgânica, bege”, determina Cléber Lima.
Fusões sofisticadas e tenazes constroem uma segurança consciente e estranhamente bela
O tema Padrões Ocasionais é um convite a questionar a seriedade das coisas, dos padrões, dos processos que limitam mudanças. “Nessa nova abordagem, porém, eu revejo esses xadrezes e esses padrões clássicos utilizando a técnica para subverter essa construção. Eu faço novas modelagens, mancho esse xadrez ou componho essa padronagem com outros materiais para ser sério porém nem tanto”, entrega o responsável pela Inteligência de Produto do IMD.
Uma revisão de xadrezes e tecidos clássicos através de uma técnica intrigante e artística
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